terça-feira, 29 de agosto de 2017

AS PIETÀ COMIC COVERS, a capa mais reproduzida dos quadrinhos em todos os tempos!!






Por EDUARDO CRUZ


A Pietà (do italiano Piedade) é uma das obras mais famosas de Michelangelo Buonarotti (não, não é a tartaruga ninja), um daqueles magníficos artistas da renascença que pintavam, esculpiam, compunham poemas, e nas horas vagas ainda faziam experimentos astronômicos, científicos, arquitetônicos e filosóficos (hoje em dia, "artista" só canta em programas de televisão e comerciais, e sequer compõem as próprias canções :>P). Ela está localizada atualmente na Ala Leste da Basílica de São Pedro, dentro do estado do Vaticano. A Pietà simboliza a dor de Maria pela morte de seu filho Jesus Cristo (sabe? aquele que os Beatles ofuscaram??), e por extensão a dor e a impotência da humanidade frente à morte e perda dolorosa de um ente querido. 


A escultura é, provavelmente a mais bem acabada do artista, e uma das jóias do período artístico conhecido como a Renascença, por volta de 1492, ano em que foi encomendada. Apesar da cena de sofrimento retratada primar  pelo idealismo em detrimento do realismo - vide as expressões faciais serenas dos retratados, a despeito da intensidade da situação -, uma característica das obras do período, sua mensagem permanece até hoje clara e poderosa, bastando se postar de frente para a obra por alguns momentos para se sentir inundado de consternação e comoção pela cena. A empatia é imediata, dizem aqueles que já tiveram esse privilégio. Sua composição básica é triangular, um dos arranjos favoritos dos artistas do período na montagem de suas obras, e a textura alcançada pelo mármore polido impressiona até os dias atuais. Até mesmo a proporção desigual entre Cristo e sua mãe é um elemento deliberado, que evidencia a benevolência e a acolhida da mãe ao filho morto. Repito, uma imagem poderosa.
 
A Pietà vista de cima


A disposição em forma de triângulo era frequente nas pinturas renascentistas
Agora avancemos alguns séculos no tempo, mais especificamente ao século XX. Não sabemos exatamente em qual publicação isso começou, ou exatamente quando, mas foi por meio de uma expressão artística típica deste século, conhecida como História em Quadrinhos, que alguém decidiu fazer uma releitura da Pietà e aproveitar toda a força que a cena transmite nessas pequenas peças de ficção, essas revistinhas cheias de desenhos coloridos (ou não) e balões com diálogos (ou não rs). Talvez a intenção fosse aumentar a verossimilhança, dar um pouco de credibilidade a essas historinhas tão fantasiosas, ou talvez o artista achasse simplesmente que seria uma capa impactante a se destacar das outras revistinhas nas bancas de jornais. O mito das Pietà Covers foi aumentando de proporção com o passar dos anos, e hoje se perdeu a conta de em quantas capas a obra de Michelangelo foi referenciada, ao ponto da origem quase se perder com o passar das gerações. Mas a gente não iria deixar isso acontecer. Esse post é um modesto resgate histórico, para que nenhum amiguinho passe vergonha nas rodinhas de conversa achando que é tudo referência àquela capa de Crise nas Infinitas Terras ou A Morte da Fênix Negra, dos X-Men. Agora vocês sabem coisa vai bem mais longe, pessoal...
 
Desde os tempos mais primórdios...


... as Pietá Covers tão aí, tão aí, tão aí...

E ao contrário do que pensávamos...


... não se restringem apenas às HQs de super-heróis.



 

Alguns mais maldosos dizem que a Marvel não tem clássicos...

Mas têm uma tonelada de referências à Pietá, que é quase tão bom quanto.

Ou não???

  




 
Agora, preciso ser honesto e admitir que a idéia pra esse post surgiu de comentários a respeito de uma foto postada no Instagram da Zona Negativa. Eu havia postado três capas dentre as que eu tenho em minha coleção de HQs, e conversa vai, conversa vem, um leitor joga o termo Pietà Covers na roda! Na mesma hora, bateu aquela vontade de fazer uma pesquisa a respeito, mostrando as capas mais conhecidas, desenterrando algumas nem tão conhecidas e por fim fazendo um breve post sobre esse fenômeno interessante, releitura após releitura, após releitura... depois de quase um ano procrastinando, aqui estamos nós finalmente rsrsrsrs... Meus agradecimentos pela dica ao Leitor Anônimo, cujo nome foi perdido nas areias do tempo e nos grupos de HQs do Facebook. Um monumento será erigido a vós!


São tantas capas fazendo referências umas às outras...

... que eu confundi. Pronto, essa é a clássica!

A capa da morte da Fênix... desculpe, falha nossa...
... Ô droga, errei de novo, é o inverso!
AGORA SIM!
Se tem alguém que adora morrer...

... só pra ser carregado pelo Bátemã...

... é o Robin.

... mas de vez em quando rola um troca-troca...
Troca...

Troca...
Troca...

Troca...

Volta!

Enfim, eu poderia continuar o resto do dia postando dúzias de Pietà Covers aqui. O original é um imagem forte, não há duvidas, e não à toa é uma das imagens mais reproduzidas das artes, e em especial dentro da cultura pop. Se vocês encontrarem alguma Pietà cover interessante que não entrou no post e seja digna de menção, fiquem à vontade para colocar nos comentários lá embaixo! Ciao!!!



 









sexta-feira, 25 de agosto de 2017

EU SOU A LENDA, de Richard Matheson, ou "George Romero Begins"





Por RICARDO CAVALCANTI



No último dia 16 de julho o mundo perdeu George A. Romero, um dos maiores e mais importantes nomes do cinema. O diretor que definiu a mitologia dos zumbis como conhecemos hoje, influenciou e continua influenciando cineastas mundo afora. Nesses momentos, o que mais se vê são homenagens dissecando a sua obra: sua filmografia comentada, indicações sobre “o que você precisa saber”, listas definitivas dos filmes que você não pode deixar de ver, etc. No entanto, no meio de tanta obviedade, nós do Zona Negativa resolvemos fazer uma homenagem um pouco diferente. Ao invés de comentarmos suas obras, ou falar sobra sua influência, ou indicar seus filmes, resolvemos falar do livro que foi a pedra fundamental que ajudou o diretor a desenvolver o conceito de morto-vivo apresentado em seu “Night of The Living Dead” (A Noite dos Mortos Vivos) de 1968. Se você já gostou de algum filme ou série envolvendo morto-vivo/zumbi, agradeça a estes dois homens: George A. Romero e, antes dele, Richard Matheson. 
EU sou a lenda

Richard Matheson
 

Mas quem é esse autor e que obra é essa que influenciou tanto Romero? Richard Matheson, além de muitos romances e contos, flertou bastante com o cinema e a TV. Escreveu, por exemplo, alguns episódios da série clássica Twilight Zone (Além da Imaginação) e para a série Night Galery (ambos de Rod Sterling). Algumas de suas obras se transformaram em filmes. Dentre elas, podemos destacar "A Casa da Noite Eterna", de 1973 com o nosso macaco Cesar preferido, Roddy McDowell;



Além disso, escreveu o livro sobre viagem no tempo+romance, “Bid Time Return” que foi adaptado para o cinema em 1980 com o nome “Somewere in Time” (Em Algum Lugar do Passado), protagonizado pelo Superman que vale, Christopher Reeve.  


Richard Matheson lançou em 1954 "Eu Sou A Lenda" (sim, aquele mesmo que deu origem ao filme com o Will Smith). O livro se tornou logo um grande sucesso e, além da adaptação de 2007 (que previu que o mundo com o filme Batman v Superman seria caótico e sem esperanças) recebeu outras duas adaptações. 


Seria essa a origem da praga na adaptação de 2007?



A primeira foi "Mortos Que Matam" (The Last Man on Earth) de 1964, com um dos mestres do terror, Vincent Price. O filme tentou, em muitos pontos, ser bastante fiel ao livro. No entanto, toda a essência do personagem pareceu se perder, além de a história se desenvolver de forma bastante arrastada, muito diferente do clima do livro, que em nenhum momento nos dá essa sensação. 


Em 1971 estreia “The Omega Man” (A Última Esperança da Terra). Para quem reclama que os filmes com o Will Smith acabam sempre se tornando um filme do Will Smith (sempre iguais), saiba que antes dele existia Charlton Heston. Mesmo sendo um grande canastrão que parece estar sempre interpretando mesmo papel, o presidente da NRA (Associação Nacional do Rifle), está do jeito que se sente mais a vontade: atirando para todos os lados. Em alguns momentos, parece mais como uma propaganda de armas inserida no meio do filme. Com um sorriso no rosto, mostrando que estava de certa forma, se divertindo com tudo aquilo, Charlton Heston entrega uma atuação “mais do mesmo” em um filme sem alma. Ok, admito que esse comentário pode ter uma boa dose de implicância minha. Assista e tire suas próprias conclusões.  
 



No livro "Eu Sou a Lenda", entramos na vida de um homem que se vê solitário num mundo em que todos foram contaminados por alguma praga desconhecida. Seu nome é Robert Neville. O personagem perdeu todos os seus amigos, parentes, esposa e filha e se vê no mundo em que as pessoas foram infectadas por um vírus desconhecido e estão retornando da morte, sedentos por sangue. De alguma forma que Neville não entende, ele é imune àquela "contaminação".


A princípio imagina que todos haviam sido transformados em vampiros, pois o comportamento das pessoas remete às lendas que giram em torno do morador mais conhecido da Romênia: só aparecem durante a noite, o alho os afugenta e só morrem com uma estaca de madeira enfiada no peito. Com o passar do tempo, constata que não são necessariamente vampiros, pois algumas coisas passam a não fazer muito sentido. As pessoas se movimentam de uma forma em que ficam todos vagando de maneira lenta e desordenada, buscando alimento e agindo por instinto ao sentir o cheiro de sangue; momento este em que atacam em grupos, se comportando como lobos em uma matilha. Para melhor conceituar a leitura, apesar de o comportamento dessas pessoas ser hoje facilmente identificado como sendo o de zumbis, na época esse conceito ainda não existia.



Numa narrativa que vai avançando para níveis cada vez mais claustrofóbicos, num ritmo ágil em que a sensação de perigo iminente está presente o tempo todo, Richard Matheson vai nos levando para dentro da psique do personagem, numa espiral descendente de insanidade. Recluso em sua casa a maior parte do tempo, sem ter como sair após o sol se pôr e imerso em uma vida solitária, estaria o Robert Neville ficando louco (e nos levando junto), ou o mundo todo se transformou? Vamos descobrindo e entendendo essa realidade junto com o personagem. Sua ansiedade e medo vão nos contaminando e nos jogando no centro de suas paranóias. Sua luta pela sobrevivência passa a ser a nossa luta também.


Durante a leitura, é como se o livro te pegasse pela mão, vendasse os seus olhos e te conduzisse por algum lugar desconhecido e cheio de perigos pelo caminho. Em alguns momentos, podemos sentir o desespero, angustia e pavor do personagem.
 


De todas as adaptações da obra de Richard Matheson, quem mais soube aproveitar os elementos e criar algo novo e com identidade própria, foi George A. Romero, que fincou os alicerces e abriu um novo gênero a ser explorado. Se quiser entender as origens do conceito de zumbi inserido e disseminado na cultura pop, essa é a obra seminal.



Agora tranque as portas e janelas, mantenha as luzes apagadas e tente não fazer movimentos bruscos para não ser localizado pela horda de mortos-vivos que estão te esperando do lado de fora.




quarta-feira, 23 de agosto de 2017

FRAGMENTOS DO HORROR, de Junji Ito: o Horôru gurôtesuku do Japão








Por EDUARDO CRUZ


O que se percebe imediatamente ao olhar a capa de Fragmentos do Horror - fora a referência à pintura O Grito, de Edvard Munch - é a expressão que a figura que ilustra a capa ostenta. O rapaz com a expressão de horror vazio, um sentimento que ultrapassou o pavor absoluto e acabou por penetrar na catatonia e na reclusão dentro de si mesmo frente a um horror intenso demais para ser processado racionalmente. Isso resume bem o infortúnio dos personagens de Ito em suas histórias. Conhecido pelos mangás Gyo e o já clássico Uzumaki, o autor japonês é conhecido por suas histórias de horror grotesco, e podemos inferir que Junji Ito é mais um filho espiritual de H. P. Lovecraft, pagando tributo ao autor com sua obra saturada de influências do escritor norte americano, e carregando a bandeira do horror cósmico nos dias atuais.

O pai orgulhoso e sua cria pavorosa
A Darkside Books, dando continuidade à sua linha Darkside Graphic Novel, continua a publicar obras de horror - o território onde a caveirinha manda! - porém com foco nas histórias em quadrinhos/mangás. E nessa primeira leva, inaugurando a linha, entre outros títulos, temos Fragmentos do Horror, a segunda publicação de Junji Ito no Brasil após bastante tempo sem lançamentos do autor (a Conrad publicou Uzumaki no Brasil em meados da década passada). 

E como a Darkside Graphic Novel debutou bem! Fragmentos do Horror é uma coletânea de oito contos macabros do mestre do horror japonês. São oito histórias onde Junji Ito explora o horror psicológico, thrillers sobrenaturais e muito, mas muito gore! Além é claro, de horror nonsense, inclassificável, porque afinal é dos japoneses que estamos falando aqui heheheh...

Uzumaki, um mangá onde os monstros são... espirais????

Os contos são:

  •  Futon: um jovem leva dias inteiros sem sair debaixo do seu cobertor. Ele jura que a casa está cheia de criaturas bizarras determinadas a pegá-lo.




  • Monstro de Madeira: uma mulher chega a uma magnífica casa antiga de madeira e pede  aos residentes, um pai e sua filha, para ficar uma temporada, sob o pretexto de estudá-la. Logo descobrimos que sua paixão pela casa vai além do interesse arquitetônico...




  • Tomio Gola Rolê Vermelha: Um casal em crise recorre a uma vidente para auxiliá-los em seu relacionamento. Após uma noite de romance com a bruxa, Tomio - nosso garoto propaganda da capa do mangá! - descobre que uma estranha maldição paira sobre ele...



  • Suave Adeus: uma jovem, após o casamento, vai viver na casa da família do noivo, onde conhece seus sogros e outros familiares. Porém, a menina logo descobre que a família esconde um grande segredo...



  • Dissecação-chan: uma jovem, obcecada desde criança a dissecar coisas, tem por desejo ser dissecada ainda viva. Ela fará de tudo para realizar seu objetivo...



  • Pássaro Negro: um rapaz perdido na mata por semanas é resgatado e levado ao hospital. Lá, ele relata ao jovem que o encontrou que uma presença misteriosa lhe dava comida na boca todos os dias. À medida que os dias passam, o jovem vai desvendar o que era essa estranha criatura...




  • Magami Nanakuse: uma jovem leitora é completamente obcecada com os romances da autora Magami Nanakuse, a ponto de contatar a escritora para saber se pode visitar sua casa. A autora concorda, mas a jovem fã não sabe o segredo que a romancista esconde para ter a inspiração necessária para criar suas obras...


  • A Mulher que Sussura: a história de uma menina rica, que devido a um trauma é incapaz de tomar qualquer decisão sozinha. Seu pai precisa contratar alguém que sempre fique ao seu lado para lhe orientar continuamente sobre o que ela tem que fazer, porém a carga de trabalho faz com que as acompanhantes da menina sempre se demitam, exaustas. Um dia, finalmente seu pai consegue contratar uma empregada com quem ela passa os dias. Algum progresso na condição da menina começa a ser observado, até que a situação toma rumos inesperados...




Fragmentos do Horror é uma boa porta de entrada para quem, como eu, não conhecia esse mestre do horror. O mangá é um bom começo para iniciar o leitor para as outras obras do autor, que são ainda mais desconcertantes e perturbadoras. Imagens e conceitos extremamente bizarros, que podem causar traumas e pesadelos recorrentes aos mais sensíveis...







 




Segundo o posfácio no final da edição, o autor, em um ataque de modéstia, disse não serem essas as suas histórias mais inspiradas, após retornar de um hiato produzindo nada além de um mangá sobre... gatos (?!?!?!). Eu, pessoalmente, com exceção do filme que adapta Uzumaki, nunca li nada de Junji Ito até pôr as mãos em Fragmentos do Horror. Se ele considera o que produziu para essa coletânea como "fraco", espero que a Darkside lance o que Ito considera seus trabalhos mais pesados por aqui. Eu já virei fã: a temática perturbadora de suas histórias e sua arte, que difere dos mangás tradicionais sem perder a identidade dos artistas pop orientais, parecem ter sido feitas sob medida pro meu coraçãozinho negro, e a julgar pelas imagens aleatórias abaixo, de outros mangás dele, acho que vou fazer uma petição pra ver se a Darkside publica Uzumaki, Gio ou Tomie por aqui o quanto antes... vamos nessa???







Enfim, ficam aqui meus agradecimentos (mais uma vez!) à Darkside Books, por trazer esse material sensacional, que vai satisfazer os fãs mais ardorosos de horror... e deixá-los implorando por mais! Fragmentos do Horror pode não ser a obra mais impactante de Junji Ito, mas, para mim serviu para ficar de olho vivo no material desse autor e agarrar sem medo os próximos a serem lançados por aqui!