terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

REQUIEM - CAVALEIRO VAMPIRO, de Pat Mills + Olivier Ledroit, ou "Depois de Stephenie Meyer, Pat Mills restaura a dignidade dos vampiros!"





Por EDUARDO CRUZ INVERTIDA




No momento atual da cultura pop, a única coisa mais desgastada que a temática zumbi são os vampiros. E os coitados dos sanguessugas, após décadas de glórias, sustos, reinvenções e interpretações geniais do conceito original, ainda sofreram mais um duro golpe: a saga Crepúsculo manchou a reputação desses monstros com idéias lamentáveis, que pro bem da sanidade de todos nós, é melhor nem se estender muito aqui heheheh...

Não, esse não é o José Serra...


Felizmente ainda há quem escreva histórias com vampiros de verdade: lascivos, sedutores, gananciosos, traiçoeiros, violentos. E sedentos por sangue e depravação. O veterano dos quadrinhos britânicos Pat Mills é, na minha opinião, um dos autores britânicos mais subestimados de sua geração. Como todo autor britânico de HQs, começou trabalhando na obrigatória 2000AD, onde roteirizou Juiz Dredd, Dan Dare, Rogue Trooper, ABC Warriors e Sláine, só pra ficar nos mais conhecidos. Do outro lado do Atlântico, pelo selo adulto Epic, Mills entregou Marshal Law, sua insana e debochada visão pessoal dos super heróis pós Watchmen, e a graphic novel A Era Metalzóica, ambas com arte de Kevin O'Neill, artista de A Liga Extraordinária. Além disso, trabalhou para a Marvel escrevendo as versões 2099 do Justiceiro e do Doutor Destino. Esse é o cara a escrever uma das últimas histórias envolvendo vampiros com um sopro de originalidade e diversão a aparecer de 2000 e poucos pra cá: Requiem: Chevalier Vampire.

Pat Mills, mais uma lenda da Invasão Britãnica.
Mills decidiu ingressar no mercado francês de HQs e fundou a Nickel Comics, ao lado de Olivier Ledroit e Jacques Collin. Requiem: Chevalier Vampire foi o primeiro título a ser publicado pela Nickel e teve êxito no mercado francês, fazendo a minúscula editora se firmar nas pernas. Essa produção franco-britânica também foi publicada nos EUA, em capítulos, nas edições da Heavy Metal. Além disso, Requiem também ganhou publicação em alemão, e agora finalmente em português, pela editora Mythos, que está investindo pesado em (ótimos) títulos europeus.





Apesar de ser mais antiga que Crepúsculo - A HQ é de 2000 -, Requiem ainda não foi concluída, e seus capítulos são publicados até hoje, e posteriormente, reunidos em encadernados. Coleciono esses eventuais encadernados de Requiem desde que descobri a série em uma torrent contendo vários trabalhos do Pat Mills, e fiquei bem feliz por  finalmente alguém aqui no mercado editorial brasileiro descobrir o quanto esse material é bárbaro. Agora o leitor tem mais uma ótima opção para sustentar o tal boicote à editora Panini sem necessariamente ficar sem uma boa HQ para ler. E Requiem é EXCELENTE! Na minha humilde opinião, em termos de desenvolvimento dos personagens, tramas e narrativas muito bem encadeadas, e pela riqueza e consistência desse universo criado por Mills e Ledroit, Requiem está no mesmo páreo que Hellboy, por exemplo.





A história de Requiem - Cavaleiro Vampiro é ambientada em um mundo conhecido como Ressurreição, que também é chamado de Inferno, embora apesar do nome, seja mais como uma mistura entre Inferno e Limbo, uma vez que todos que morrem acabam parando lá, mesmo as "vítimas inocentes". Em Ressurreição as pessoas reencarnam como monstros de acordo com os pecados cometidos em vida: Os níveis mais baixos são formados por zumbis e kobolds (uma espécie de espírito travesso do folclore germânico), ao passo que os vampiros formam a elite desta sociedade, a classe dominante em Ressurreição. Também existem lobisomens, múmias e muitas outras criaturas. Quanto mais cruel a pessoa foi em vida, melhor ela é recompensada em Ressurreição. Sim, tudo funciona às avessas neste universo. Tudo parece ser o oposto do que é na Terra, no sentido real e figurado, e o tempo flui para trás. Em Ressurreição, "envelhecer" significa ficar cada vez mais jovem, até regredir à forma de bebê e por fim, desaparecer no esquecimento. Esse "rejuvelhecimento" costuma fazer com que a memória vá se apagando gradualmente. Para evitar a perda de memória e loucura neste processo, os habitantes de Ressurreição precisam de uma droga, o ópio negro, o produto mais valioso de Ressurreição e base do comércio local.



Na história acompanhamos Heinrich Augsburg, um jovem soldado alemão durante a Segunda Guerra Mundial, morto durante um enfrentamento com o exército Russo. Ele vai parar em Ressurreição após sua morte e é atacado por um bando de zumbis. Durante esse ataque, Heinrich conhece um vampiro chamado Otto Von Todt e faz amizade com ele. Otto o acolhe e se torna seu guia, ajudando-o a se adaptar a esta nova vida. À medida que a história avança, nosso "herói" descobre como o mundo de Ressurreição funciona, seus povos, sua política e suas relações de poder. Heinrich, porém, só tem um interesse: reencontrar uma mulher que ele amou durante sua vida pregressa e que ele conhecia pelo nome de Rebecca. Nessa nova vida, o jovem vampiro vai fazer aliados, inimigos e conhecer muitas figuras históricas, como Genghis Khan, Calígula, Aleister Crowley, Drácula, e o próprio Adolf Hitler, cada um deles submetido às regras de Ressurreição.




Requiem não é uma HQ cabeça, dessas que a gente fica destrinchando subtextos e referências mil só pra impressionar as gatinhas (até parece kkkkk). Aliás, referências existem, mas até isso é no espírito de diversão e entretenimento da HQ: o tempo todo há menções a bandas de Heavy Metal nos nomes de alguns apetrechos e personagens. Requiem é um gibi de facílima compreensão: não existem bons e maus, apenas níveis diferentes de malevolência e perversidade entre os personagens, e no decorrer da história, até o próprio Heinrich, um dos poucos personagens simpáticos, vai se mostrar algo diferente do que pensamos ser à primeira vista. Agora, é só torcer para a Mythos engrenar a publicação da série e vocês vão saber do que estou falando já no segundo ou terceiro volume. Mas não se preocupem: Requiem fisga o leitor já nas primeiras páginas. A palavra aqui é "DIVERSÃO". E da boa. E como dá pra ver, fiz questão de ilustrar fartamente esse post porque a arte de Ledroit é pra ser apreciada, e não explicada!




Provavelmente os visuais de alguns personagens, as cenas de sexo (que não são poucas), todo sadomasoquismo, a violência um tanto... criativa demais e conceitos abordando religião podem ofender a alguns leitores. Vejam só, eu considero toda a blasfêmia exagerada dessa HQ como uma mais piada de Mills, e isso me diverte muito ao ler Requiem. Isso tem um efeito catártico positivo, ver toda essa blasfêmia gratuita em tempos de extremismo irracional. Mas também compreendo que os leitores mais sensíveis podem ficar bem incomodados com o visual do Aleister Crowley na série, por exemplo. Então fica o aviso: apesar da qualidade da história e da arte, Requiem não é pra todo mundo, e leitores mais religiosos podem não achar graça na piada. CONSIDEREM-SE AVISADOS!
(Pensando bem, por quê estou advertindo os leitores religiosos? que leitor religioso arriscaria a própria alma lendo esse blog ????)







 VAMPLAYLIST:

Pra quem gosta de ler ouvindo música, muita coisa pode combinar com Requiem - Cavaleiro Vampiro. Contanto que seja pesado! Eu, particularmente gosto bastante de ler essa HQ ouvindo White Zombie / Rob Zombie e Nine Inch Nails, além de outras bandas que tenham essa atmosfera perversa impressa nas canções. Garanto que só melhora a experiência. Façam o teste vocês mesmos e leiam enquanto toca Dragula, do Rob Zombie, por exemplo. O álbum Hellbilly DeLuxe e Requiem - Cavaleiro Vampiro foram feitos um para o outro heheheheheheh...... E vocês, têm algum disco que acham que combina com essa HQ? Comentem lá embaixo! FOGO NOS FONES DE OUVIDO!!!

Rob Zombie - Dragula


Rob Zombie - Living Dead Girl


Rob Zombie - What Lurks on Channel X


 
Nine Inch Nails - Heresy


 
Nine Inch Nails - Last


Nine Inch Nails - Deep






segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

JUNKY, de William Burroughs, ou "O junkie mais influente da cutura pop"




Por EDUARDO CRUZ


"Aprendi a equação junk. Droga pesada não é um meio de aumentar o prazer de viver. Junk não é um barato. É um meio de vida."



Quando Alan Moore escreveu o personagem Miracleman (ou Marvelman, se preferirem), ele levou o herói a situações às quais Superman, por exemplo, jamais foi exposto. O apogeu disso é exatamente na edição final do run de Moore, quando Miracleman institui uma utopia/ditadura super humana, remodelando o mundo e colocando-o nos trilhos de um futuro sem limites previamente definidos, a fim de extrapolar todas as potencialidades do ser humano. Tio Nietzsche ficaria orgulhoso. Ou absolutamente horrorizado. 
Entre as reformas radicais de todo o sistema estava, obviamente, a reformulação da economia, para que a distribuição de recursos fosse mais justa; a regeneração de todos os criminosos, reintegrando-os à sociedade; a erradicação de todo o armamento nuclear de todas as nações da Terra; o fim dos déspotas e suas ditaduras; a erradicação da fome, dos vícios e do dinheiro, e o mais inusitado e fascinante de tudo: o incentivo à exploração dos espaços interiores dos seres humanos. Pessoas foram incumbidas de mapear as imensidões interiores da mente humana, uma tarefa tão grandiosa e perigosa quanto a de um astronauta, e por isso, foram batizados popularmente na HQ de "Homens do Espaço". Cidadãos que eram considerados párias da sociedade anteriormente; os viciados, nóias e junkies, foram os encarregados de explorar este vasto mundo interior, mapeando a psique humana. Tarefa hercúlea.




E se eu dissesse que existiram psiconautas/narconautas no mundo real? homens e mulheres que, através do consumo de substâncias químicas, olharam para o abismo interior que existe em todos nós e teceram relatos sob a influência dessas substâncias, nos presenteando com suas experiências, para sempre registradas em papel, oferecendo-nos assim um aspecto da natureza humana que muitos temem explorar. Charles Baudelaire é um dos mais notórios destes "Homens do Espaço", com seu Paraísos Artificiais, onde ele relatava suas experiências com narcóticos. Também podemos considerar Hunter Thompson um Homem do Espaço, embora todos os seus relatos fossem acerca de nossa realidade objetiva. Em Medo e Delírio em Las Vegas (que já resenhamos AQUI!), Thompson explorou e fez digressões sobre o mundo exterior, porém alterado quimicamente, e portanto, o fez como um autêntico Homem do Espaço.
E também temos William Burroughs, nossa atração principal da noite.



Quando se fala em Literatura Beat, pensamos automaticamente na trindade Jack Kerouac, Allen Ginsberg e William Burroughs, os maiores expoentes do gênero. Burroughs, mais velho, e mais culto - com uma graduação em Antropologia em Harvard - e refinado que Kerouac, Ginsberg e companhia, pode ser considerado o mentor do gênero. O texto de Burroughs, apesar de mais lacônico e pessimista que o dos outros beats, foi um dos nomes que ajudou a renovar a literatura norte americana no fim da década de 50/início de 60. Burroughs retrata seu mundo como um romance picaresco, sem atenuar os fatos e com doses, às vezes nada moderadas, de humor negro. Sua postura anárquica inclusive influenciou a contracultura nas décadas posteriores, dos hippies aos punks.


""Por que o senhor precisa de entorpecentes, sr. Lee?" é a pergunta mais formulada pelos psiquiatras estúpidos. A resposta é: "Preciso de junk para levantar da cama de manhã, pra me barbear e tomar café. Preciso de junk pra me manter vivo.""

 


Burroughs tem fãs ilustres, que vão de Mick Jagger a Kurt Cobain, e foi imortalizado como um dos rostos na pequena multidão da capa de Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, ao lado de Marilyn Monroe.



Junky é um relato de Burroughs sobre o período em que viveu como usuário de drogas e conviveu com figuras marginalizadas da época, um retrato do underground no início da década de 50. No livro, vemos os perrengues de Burroughs para continuar tendo seu barato diário, os vários tipos de viciados com quem conviveu, suas experiências como traficante pé de chinelo, que exercia para manter o próprio vício e suas tentativas de desintoxicação periódicas. Segundo sinopse da editora:
Cotidiano modorrento, um atestado de dispensa do serviço militar e alguns trambiques. Assim o narrador de Junky descreve sua vida antes das drogas. Nem mesmo as catástrofes da Segunda Guerra Mundial haviam sido merecedoras de sua atenção. Alguns miligramas de morfina causariam mais impacto.
Mescla de confissão - William Burroughs foi dependente de narcóticos por catorze anos - e uma objetividade radical, marcada por uma narração veloz e sem espaço para reflexões psicológicas, o livro marcou a estreia do autor na literatura.
Escrito em 1949, durante uma temporada de Burroughs no México, Junky discorre sobre experiências com morfina, heroína, cocaína, remédios controlados, maconha e tráfico de substâncias ilegais. Não obstante alguns percalços iniciais, que atrasaram a publicação em quatro anos, o livro resultou num sucesso editorial.
Nos Estados Unidos dos anos 1950, as drogas eram um demônio a ser combatido. Em Junky não há lugar para a vergonha, o arrependimento e muito menos a redenção, o que, na época, ia contra tudo o que se considerava útil no tocante à abordagem das drogas na literatura. Recheada de confissões de violência, homossexualismo e teorias extravagantes a respeito dos benefícios filosófico-espirituais da droga pesada, a narrativa causou choque. “Estou melhor de saúde agora, depois de ter tomado drogas pesadas em vários períodos da vida, do que estaria se nunca tivesse me viciado”, afirma o narrador ao se declarar dependente.
O amigo Allen Ginsberg, que se autointitulava “agente” de Burroughs por ter convencido um editor de Nova York a publicar o material que uma fila de profissionais havia rejeitado, festeja na introdução do livro sua “atitude cultural revolucionária”.
Décadas mais tarde, Junky permanece atual. Para além do fato de ter chocado uma época, sua força está na habilidade de Burroughs dar tratamento literário ao que chamou de um “estilo de vida”.
Esta edição, além de ser a versão integral, e não a primeira edição, que saiu cheia de cortes e censuras, conta com um prefácio de Allen Ginsberg, que foi de grande ajuda para que Junky visse a luz do dia: Ginsberg incentivou Burroughs a escrever estas memórias e fez as vezes de agente literário, conseguindo uma editora para publicar o livro do amigo. Sua abordagem, apesar do tema ácido, é a mais suave possível; Burroughs narra os fatos em tom confessional, sem julgamentos morais, humanizando assim essas figuras patéticas que, como disse Philip K. Dick no posfácio/dedicatória de seu livro Um Reflexo na Escuridão: "Se houve algum 'pecado', foi o fato de que essas pessoas quiseram continuar se divertindo para sempre, e elas foram punidas por isso. Entretanto, como eu digo, tenho a impressão de que, se foi isso mesmo, a punição foi grande demais (...)".


"Suas veias tinham quase sumido; bateram em retirada pra perto dos ossos, onde se escondiam da agulha impaciente. Passou a usar as artérias por um tempo, mais profundas e difíceis de atingir que as veias. Para isso, muniu-se de agulhas especiais, mais compridas. Fazia um rodízio de picos entre mãos, braços e pés. Com o tempo, as veias voltam a aparecer. Mesmo assim, Gains tinha de se aplicar sob a pele a metade das vezes, pois não podia esperar. Só fazia isso, porém, depois de meia hora de agonia, espetando, xuxando a carne; a todo instante precisava limpar o "espeto" entupido de sangue."

"Quase pior que a fissura é a depressão que vem junto. Uma tarde, fechei os olhos e vi Nova York em ruínas. Centopeias e escorpiões gigantescos entravam e saíam dos bares, cafeterias e farmácias da rua 42. Crescia mato nas fendas e nos buracos do asfalto. Ninguém à vista."



A vida imita a arte, que imita a vida, que imita a arte...

Oriundo de uma família abastada, Burroughs sempre viveu em um ambiente social e familiar repressivo, onde demonstrações de afeto entre familiares eram mal vistas, e escondeu sua orientação sexual até estar estabelecido em sua carreira literária. Além de Junky, onde ele relata suas experiências com o uso de diversas drogas, em outro livro, intitulado Queer (também publicado na coleção Má Companhia, da Companhia das Letras), Burroughs nos fala sobre uma crise de abstinência que seu pseudônimo, William Lee, tenta curar com álcool com e uma paixão obsessiva por outro homem. Então podemos inferir que tio Bill, levando em conta a moral rígida da época, é duplamente marginal.

"É possível a gente abstrair a maioria das dores - afecções nos dentes, olhos e genitais são mais resistentes - , de forma a experimentá-las como estímulos neutros. Mas da fissura de junk não há escapatória. A fissura de junk é o avesso do barato do junk. O barato do junk é você não poder passar sem ele. Junkies funcionam no tempo junk e no metabolismo junk. Ficam sujeitos ao clima junk. São aquecidos e refrescados pelo junk. O barato junky é ter de viver sob condições junkies. Não dá pra escapar da fissura de junk, do mesmo jeito que ninguém escapa do barato do junk depois de um pico."

Junkybox:

O interessante a se observar em Bill Burroughs é como sua influência transitou da literatura para outros meios. Além de pequenas participações em filmes como Drugstore Cowboy e Segredos e Paixões, Burroughs foi convidado a participar de diversos empreendimentos musicais. Como por exemplo:


  • Burroughs colaborou com a banda R.E.M. em uma nova versão da música Star Me Kitten, originalmente lançada no álbum Songs in the Key of X: Music From and Inspired By the X-Files



  • Burroughs trabalhou com Tom Waits e Robert Wilson na ópera The Black Rider: The Casting of the Magic Bullets, em 1990.



  • Kurt Cobain pediu que Burroughs gravasse a leitura de um de seus contos, The "priest" they called him, e enviasse pelo correio para ser musicado. O texto, originalmente publicado em uma coletânea de contos em 1973, contava uma história de desolação e vício em drogas. Dois meses depois, Cobain juntaria à voz de Burroughs os acordes dissonantes de sua guitarra.



  • Burroughs também aparece no videoclipe Just One Fix, do grupo Ministry.



  • Em 1981 Burroughs gravou o álbum de spoken word intitulado You're the Guy I Want To Share My Money With, com Laurie Anderson e John Giorno.



  • Burroughs também gravou a música Falling In Love Again, cantando-a em alemão ("Ich Bin Von Kopf Bis Fuss Auf Liebe Eingestellt").



  • Burroughs faz uma pequena aparição no clipe de Last Night on Earth, do U2.


Junky pode ser considerado um clássico maldito, pela contundência do tema espinhoso que aborda. Incômodo, mas necessário, sua leitura também nos leva a concluir que desde a época em que foi publicado até os dias atuais pouco mudou com relação à política no trato aos viciados de drogas pesadas, e vemos como a história se repete ciclicamente até os dias atuais: as autoridades sempre se negaram a tratar a situação dos dependentes químicos como uma questão de saúde pública, ao invés disso preferindo abordá-la como uma questão de segurança pública. Enquanto isso, a ignorância e a marginalidade vão ceifando vidas que poderiam ter um rumo bem diferente, se não fosse pela visão carente de compaixão e empatia que permeia os gestores que insistimos em escolher para administrar nossa sociedade...




"Nunca me arrependi da minha experiência com drogas. Acho que estou melhor de saúde agora, depois de ter tomado drogas pesadas em vários períodos da vida, do que estaria se nunca tivesse me viciado. Quando se para de crescer, se morre. Um viciado nunca para de crescer. A maioria dos usuários costuma cortar a dependência periodicamente, o que envolve o encolhimento do organismo e a substituição da células dependentes da droga. Um usuário está em contínuo processo de encolhimento e crescimento no seu ciclo diário de carência e satisfação através da picada."

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

THE FILTH, de Grant Morrison, Chris Weston e Gary Erskine, ou "Os lixeiros da realidade", ou "A HQ prima de 'Os Invisíveis'"








Por EDUARDO CRUZ





ADVERTÊNCIA: ESSE GIBI PODE SER PREJUDICIAL PARA ALGUNS LEITORES. SE VOCÊ NÃO ESTÁ HABITUADO A SITUAÇÕES E PERSONAGENS ALÉM DO LIMITE DO INSANO, E TEM MANIA DE ORGANIZAÇÃO, É RELIGIOSO FERVOROSO OU POSSUI  UM SENSO MORAL MUITO RÍGIDO, EVITE THE FILTH!!! 
PODE HAVER A POSSIBILIDADE DE DANO CEREBRAL IRREVERSÍVEL. VOCÊ FOI AVISADO!




"Saber que somos apenas anjos presos ao chão pelo peso da imundície, livres de culpa? As bactérias em nossas barrigas são responsáveis pelos peidos que nos envergonham. Monstros pequeninos cagando aos bilhões em toda nossa pura pele criam o fedor ácido de "nosso" suor. (...) Quando as "vozes interiores" nos dizem que somos indignos ou nos instruem a "amar" ou "odiar", sem levar em conta nossos melhores instintos... Esses pensamentos incessantes são nossos? Ou só estamos escutando a voz dos germes eternos gritando em nossas cabeças?"



Depois do fim de Os Invisíveis (Lá nos EUA, já que por aqui a publicação da HQ só foi concluída em 2016), fiquei impaquitada com aquela dose cavalar de ácido lisérgico em forma de gibi, acachapado pelo volume de informações e teorias, riqueza narrativa a e maneira como essa obra Morrisoniana altera a mente do leitor e inclusive auxilia na desconstrução e desprogramação de certos conceitos pessoais. Morrison já havia declarado em entrevistas que Os Invisíveis era um crash course para atingir a iluminação em forma de 24 páginas mensais durante as 59 edições do título. Bom, se funcionou comigo eu não saberia dizer. Não sinto ter alcançado a iluminação, mas que Os Invisíveis me preparou para o trabalho seguinte de Grant Morrison, isso lá me preparou sim! Esse trabalho foi The Filth, uma mini série em 13 edições, com arte de Chris Weston e Gary Erskine.


The Filth conta a história de Greg Feely, um solteirão, viciado em pornografia, masturbador compulsivo, cuja única companhia é seu gato Tony. Um dia, Feely descobre ser uma parapersona, ou sejE, um construto para ocultar sua verdadeira identidade: Ned Slade, agente de uma organização bizarríssima conhecida como A Mão, uma agência encarregada de manter o status quo. A Mão e seus agentes mantêm a sociedade a salvo das aberrações que surgem no mundo, sejam elas tecnológicas, sexuais, sociais, espirituais, interdimensionais, e por aí afora. Qualquer coisa, por mais bizarra que seja, que possa colocar em risco o corpo social. Uma espécie de força policial que sanitiza nossa realidade, mantendo a civilização nos trilhos, contendo e eventualmente limpando o mundo daquilo que é denominado na HQ de Anti-pessoas: Experimentos científicos que deram errado, experimentos de biotecnologia fugitivos, terroristas pornográficos que usam espermatozóides gigantes para matar mulheres férteis, agentes renegados da própria Mão ou invasores saídos do universo ficcional de uma revista em quadrinhos de super herói (!?!).


Um chimpanzé inteligente e comunista? Alguns achariam que essa é uma HQ de terror!




O título The Filth (imundície) faz uma referência tanto à gíria britânica para polícia quanto para pornografia. Essa ambiguidade traz um comentário sobre a (pseudo) sanitização de nossa sociedade contemporânea, que prima pela moral e bons costumes, mas logo abaixo da superfície (e no histórico de internet), a imundície aflora aos borbotões. Morrison dá a pedrada: A sociedade é doente sim, e não adianta limpar as merdas, pois essa mesma sociedade sempre vai produzir mais e mais lixo para se intoxicar. É como enxugar gelo. A Mão sempre vai ter MUITO trabalho, enquanto existir "civilização". Ou pelo menos, enquanto essa mesma civilização permanecer obcecada por sexo, morte e violência.





Em essência, a principal homenagem de Morrison na execução de The Filth é a seriados sessentistas psicodélicos britânicos, como Doctor Who, The Prisoner, ou filmes como The Final Programme e Zardoz, entre outros exemplares dessa safra, que continham tramas lisérgicas e uma pseudo ciência bizarra que faria Fringe parecer Bonequinha de Luxo, além de generosas doses de piração e surrealismo. O clima da HQ é bem pesado, depressivo e pessimista. Nem parece que foi o mesmo cara que escreveu All Star Superman. Morrison sintetizou bem o clima desses primeiros anos do século XXI, retratando na HQ a paranóia, a solidão, a opressão e a sobrecarga sensorial e informacional a que somos expostos cada vez que colocamos o pé para fora de casa (ou mesmo dentro dela, quando ligamos a TV ou o celular/computador). Apesar disso, o desfecho me agradou bastante, pois carrega em si uma redenção necessária depois de obrigar o leitor a se arrastar de barriga nessa fossa séptica por 13 edições, sentindo todo o fedor do pior que a cultura popular tem a oferecer atualmente.

Uma página que dá onda só de ver...
... assim como as combinações de cores desses uniformes.



Calma! Isso é uma arma...

Perturbadoramente bizarro...

Apesar de alguns leitores considerarem The Filth um espécie de mini série "irmã espiritual" de Os Invisíveis, com sua profusão de conceitos surreais e matalinguísticos e as já conhecidas teorias Morrisonianas, as semelhanças param por aí, uma vez que, em Os Invisíveis o grupo de King Mob lutava contra o sistema - inclusive descobrindo amargamente que a própria revolução é parte integrante do sistema, mas isso é um papo praquele post dos Invisíveis que eu venho adiando desde a criação do blog hehehehe - enquanto em The Filth, Greg Feely/Ned Slade trabalha a favor da manutenção do status quo. As semelhanças ficam só na loucura mesmo.




Uma sugestão? Ler The Filth ouvindo os Klaxons. Acho que o som desses britânicos, com letras que remetem à vórtices temporais, mundos paralelos, dimensões alternativas, viagens no tempo e outros temas tresloucados de ficção científica hard é a única vibe musical possível, e está na mesma frequência que as pirações dessa HQ. 








Ou o The Mars Volta, mais ou menos pelos mesmos motivos.







Então essa é nossa sugestão para montar sua Filthlist...


Por agora só dá pra encontrar The Filth em encadernados gringos, mas depois de tanta coisa do Morrison sendo lançada pela Panini nos últimos anos, por que não cultivar uma esperançazinha de que isso seja finalmente publicado aqui? Vamos encher o saco da Panini pedindo mais essa puta história, um clássico da fase áurea da Vertigo? Floodando o perfil da Panini em 3, 2, 1...