segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

THE FILTH, de Grant Morrison, Chris Weston e Gary Erskine, ou "Os lixeiros da realidade", ou "A HQ prima de 'Os Invisíveis'"








Por EDUARDO CRUZ





ADVERTÊNCIA: ESSE GIBI PODE SER PREJUDICIAL PARA ALGUNS LEITORES. SE VOCÊ NÃO ESTÁ HABITUADO A SITUAÇÕES E PERSONAGENS ALÉM DO LIMITE DO INSANO, E TEM MANIA DE ORGANIZAÇÃO, É RELIGIOSO FERVOROSO OU POSSUI  UM SENSO MORAL MUITO RÍGIDO, EVITE THE FILTH!!! 
PODE HAVER A POSSIBILIDADE DE DANO CEREBRAL IRREVERSÍVEL. VOCÊ FOI AVISADO!




"Saber que somos apenas anjos presos ao chão pelo peso da imundície, livres de culpa? As bactérias em nossas barrigas são responsáveis pelos peidos que nos envergonham. Monstros pequeninos cagando aos bilhões em toda nossa pura pele criam o fedor ácido de "nosso" suor. (...) Quando as "vozes interiores" nos dizem que somos indignos ou nos instruem a "amar" ou "odiar", sem levar em conta nossos melhores instintos... Esses pensamentos incessantes são nossos? Ou só estamos escutando a voz dos germes eternos gritando em nossas cabeças?"



Depois do fim de Os Invisíveis (Lá nos EUA, já que por aqui a publicação da HQ só foi concluída em 2016), fiquei impaquitada com aquela dose cavalar de ácido lisérgico em forma de gibi, acachapado pelo volume de informações e teorias, riqueza narrativa a e maneira como essa obra Morrisoniana altera a mente do leitor e inclusive auxilia na desconstrução e desprogramação de certos conceitos pessoais. Morrison já havia declarado em entrevistas que Os Invisíveis era um crash course para atingir a iluminação em forma de 24 páginas mensais durante as 59 edições do título. Bom, se funcionou comigo eu não saberia dizer. Não sinto ter alcançado a iluminação, mas que Os Invisíveis me preparou para o trabalho seguinte de Grant Morrison, isso lá me preparou sim! Esse trabalho foi The Filth, uma mini série em 13 edições, com arte de Chris Weston e Gary Erskine.


The Filth conta a história de Greg Feely, um solteirão, viciado em pornografia, masturbador compulsivo, cuja única companhia é seu gato Tony. Um dia, Feely descobre ser uma parapersona, ou sejE, um construto para ocultar sua verdadeira identidade: Ned Slade, agente de uma organização bizarríssima conhecida como A Mão, uma agência encarregada de manter o status quo. A Mão e seus agentes mantêm a sociedade a salvo das aberrações que surgem no mundo, sejam elas tecnológicas, sexuais, sociais, espirituais, interdimensionais, e por aí afora. Qualquer coisa, por mais bizarra que seja, que possa colocar em risco o corpo social. Uma espécie de força policial que sanitiza nossa realidade, mantendo a civilização nos trilhos, contendo e eventualmente limpando o mundo daquilo que é denominado na HQ de Anti-pessoas: Experimentos científicos que deram errado, experimentos de biotecnologia fugitivos, terroristas pornográficos que usam espermatozóides gigantes para matar mulheres férteis, agentes renegados da própria Mão ou invasores saídos do universo ficcional de uma revista em quadrinhos de super herói (!?!).


Um chimpanzé inteligente e comunista? Alguns achariam que essa é uma HQ de terror!




O título The Filth (imundície) faz uma referência tanto à gíria britânica para polícia quanto para pornografia. Essa ambiguidade traz um comentário sobre a (pseudo) sanitização de nossa sociedade contemporânea, que prima pela moral e bons costumes, mas logo abaixo da superfície (e no histórico de internet), a imundície aflora aos borbotões. Morrison dá a pedrada: A sociedade é doente sim, e não adianta limpar as merdas, pois essa mesma sociedade sempre vai produzir mais e mais lixo para se intoxicar. É como enxugar gelo. A Mão sempre vai ter MUITO trabalho, enquanto existir "civilização". Ou pelo menos, enquanto essa mesma civilização permanecer obcecada por sexo, morte e violência.





Em essência, a principal homenagem de Morrison na execução de The Filth é a seriados sessentistas psicodélicos britânicos, como Doctor Who, The Prisoner, ou filmes como The Final Programme e Zardoz, entre outros exemplares dessa safra, que continham tramas lisérgicas e uma pseudo ciência bizarra que faria Fringe parecer Bonequinha de Luxo, além de generosas doses de piração e surrealismo. O clima da HQ é bem pesado, depressivo e pessimista. Nem parece que foi o mesmo cara que escreveu All Star Superman. Morrison sintetizou bem o clima desses primeiros anos do século XXI, retratando na HQ a paranóia, a solidão, a opressão e a sobrecarga sensorial e informacional a que somos expostos cada vez que colocamos o pé para fora de casa (ou mesmo dentro dela, quando ligamos a TV ou o celular/computador). Apesar disso, o desfecho me agradou bastante, pois carrega em si uma redenção necessária depois de obrigar o leitor a se arrastar de barriga nessa fossa séptica por 13 edições, sentindo todo o fedor do pior que a cultura popular tem a oferecer atualmente.

Uma página que dá onda só de ver...
... assim como as combinações de cores desses uniformes.



Calma! Isso é uma arma...

Perturbadoramente bizarro...

Apesar de alguns leitores considerarem The Filth um espécie de mini série "irmã espiritual" de Os Invisíveis, com sua profusão de conceitos surreais e matalinguísticos e as já conhecidas teorias Morrisonianas, as semelhanças param por aí, uma vez que, em Os Invisíveis o grupo de King Mob lutava contra o sistema - inclusive descobrindo amargamente que a própria revolução é parte integrante do sistema, mas isso é um papo praquele post dos Invisíveis que eu venho adiando desde a criação do blog hehehehe - enquanto em The Filth, Greg Feely/Ned Slade trabalha a favor da manutenção do status quo. As semelhanças ficam só na loucura mesmo.




Uma sugestão? Ler The Filth ouvindo os Klaxons. Acho que o som desses britânicos, com letras que remetem à vórtices temporais, mundos paralelos, dimensões alternativas, viagens no tempo e outros temas tresloucados de ficção científica hard é a única vibe musical possível, e está na mesma frequência que as pirações dessa HQ. 








Ou o The Mars Volta, mais ou menos pelos mesmos motivos.







Então essa é nossa sugestão para montar sua Filthlist...


Por agora só dá pra encontrar The Filth em encadernados gringos, mas depois de tanta coisa do Morrison sendo lançada pela Panini nos últimos anos, por que não cultivar uma esperançazinha de que isso seja finalmente publicado aqui? Vamos encher o saco da Panini pedindo mais essa puta história, um clássico da fase áurea da Vertigo? Floodando o perfil da Panini em 3, 2, 1...




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