sexta-feira, 30 de setembro de 2016

GUERRA DO VELHO, de John Scalzi, ou "Jovem, você que completou 75 anos, aliste-se já nas Forças Coloniais de Defesa!"

Por EDUARDO CRUZ






"No meu aniversário de 75 anos fiz duas coisas: visitei o túmulo da minha esposa, depois entrei para o exército."


Esse é o trecho que abre "Guerra do velho", primeiro livro de John Scalzi, uma ficção científica militar que é uma homenagem descarada ao clássico "Tropas estelares", mais um bem vindo lançamento da editora Aleph, que não precisava de mais esse pra ter um catálogo incrível. Mas eles fizeram mesmo assim rs. E já começo essa resenha adiantando o seguinte: se você gosta do "Tropas estelares", vai adorar "Guerra do velho"! e, se você não curte "Tropas estelares", pode ser que mesmo assim goste de "Guerra do velho"! O texto de Scalzi é extremamente envolvente e a leitura possui um ritmo absurdamente ágil, mesmo para uma história de ficção científica, um gênero que por vezes, pode ser bem hermético e excludente, dependendo do autor em questão. A leitura em "Guerra do velho" engrena já em suas primeiras páginas e à medida que a história vai avançando, o ritmo aumenta, fazendo com que o livro, de cerca de 360 páginas, seja devorado em uma questão de poucos dias, e até os leitores mais lentos ou com mais dificuldades para conciliar um tempo livre à leitura poderão se surpreender com a velocidade com que se chega ao final,  que, aliás, vai deixar uma tremenda sensação de "quero mais".

Normalmente sou muito ressabiado com séries literárias. Não as vejo com bons olhos. Sem citar nomes (cof, cof, CREPÚSCULO!!, cof, cof!!), pode me chamar de ranzinza, mas a maioria delas, pra mim, não passa de caça níqueis, esperando para serem abocanhados por produtores e estúdios de Hollywood, em troca dos direitos de adaptação para TV e cinema, Bonequinhos e sabe-se lá mais o quê. O céu (e a ganância) é o limite. Não me acostumo com o fato de livros serem usados para gerar uma moda comercial, uma tendência de consumo. Existem raras exceções e essa série, que já está no oitavo volume lá fora, é uma exceção honrosa!

Meus amigos mais próximos devem estar de saco cheio pela quantidade de vezes que recomendei este livro em conversas. Alguns até compraram, possivelmente para se verem livres da minha ladainha. Com um deles até brinquei: "Ei, se você não gostar eu compro seu exemplar e fico com um para dar de presente!". Mas estou seguro que não vou perder essa grana. Meu amigo não vai se desfazer dele. Assim que começar a ler, se é que já não o fez, não há volta. Resta apenas esperar ansiosamente os próximos livros da série, que a editora Aleph já confirmou que vai publicar aqui no Brasil.


The ghost brigades, próximo volume da série a sair no Brasil

Bom, chega de mimimi e vamos à história: Ambientada em um futuro não tão próximo, "Guerra do velho" conta a história de John Perry, um idoso da Terra que havia planejado, junto com sua esposa, se alistar nas Forças Coloniais de Defesa. As FCD são uma instituição poderosa, independente dos governos da Terra, com tecnologia ostensivamente superior à qualquer coisa encontrada no planeta Terra, e que promove o colonialismo humano em nível cósmico, protegendo e garantindo a instalação de colonos humanos em planetas com recursos necessários à espécie humana. Porém, o universo é muito grande e existem incontáveis raças alienígenas, com tecnologia igual ou superior à humana. Por "tecnologia", leia-se "poder de fogo" mesmo. Isso significa que, na maior parte dos casos, é preciso lutar para manter território conquistado. Matar ou morrer. Uma guerra sem fim.

As coisas não saem como planejado para John e Kathy, sua esposa, padece de um AVC antes de completar a idade mínima para o alistamento. Sozinho no mundo, John resolve seguir em frente com seu plano, já que, a seu ver, não lhe resta mais nada pelo que ficar se agarrando em seus últimos anos de existência na Terra. Se despede dos parentes e amigos que restaram e parte rumo ao desconhecido. Muito pouco se sabe a respeito do modo como as FCD conduzem seus negócios universo afora, e para descobrir é preciso se alistar, por um prazo mínimo de 2 anos, que pode ser prorrogado por até uma década! A comunicação entre as colônias e a Terra é restrita e quem parte, seja como colono ou soldado, não pode nunca mais retornar. Por esse motivo, é um grande mistério e motivo de enorme especulação na Terra a forma como as Forças Coloniais de Defesa conseguem transformar um idoso de 75 anos em um soldado apto a lutar contra raças alienígenas perigosíssimas. Alguns suspeitam de terapia de genes, rejuvenescimento, troca de órgãos velhos por novos, mas ninguém na Terra sabe nada de concreto quanto ao procedimento real. Bem, pelo menos até que se assine o documento de alistamento, e bem longe do planeta, seja submetido à verdade: A FCD cultiva corpos novos para seus recrutas idosos e com o auxílio de nanotecnologia, transfere as mentes dos idosos para estes corpos, jovens e enormemente aprimorados em relação a um corpo humano: com desempenhos físicos incríveis como conseguir extrair energia de luz solar, enxergar no escuro, força ampliada, correr 20km em uma hora, ou ficar pelo menos 6 minutos sem precisar respirar, entre outras façanhas, Scalzi aborda temas atuais como pós-humanismo, transhumanismo, etc. Humanidade 2.0. Mas a maioria dos "ex-velhos" pensa logo em outro uso mais urgente para seus novos corpos: S-E-X-O!
"A ferocidade com a qual os recrutas se lançaram ao sexo sem dúvida parecia inadequada se vista de fora, mas fazia todo o sentido pela nossa posição (fosse em pé, deitada ou curvada). Pegue um grupo de pessoas que, em geral, fazia pouco sexo por falta de parceiros ou declínio de saúde ou libido, enfie-as em corpos jovens, novos em folha, atraentes e de alto desempenho e jogue-os no espaço, longe de tudo que conheciam e de todos que amaram. A combinação desses três elementos era uma receita para o sexo. Fazíamos porque podíamos e porque era melhor que a solidão"
Juntamente com este corpo aprimorado geneticamente, a FCD oferece aos recrutas o BrainPal, um computador integrado ao próprio cérebro dos soldados, uma ferramenta incrível utilizada para comunicação não verbal, repasse de dados de batalha, interface com equipamentos e armamentos e até mesmo para fins de entretenimento. Imagine fazer como Perry e armazenar todos os episódios de Looney Tunes em sua cabeça para assistir entre uma missão e outra? Além disso, o sangue desses corpos novos é substituído pelo SmartBlood: um enxame de nanomáquinas que carregam oxigênio com o quádruplo de eficiência da hemoglobina humana, além de impedirem o soldado de morrer por perda de sangue, independente da extensão do ferimento. Nos trechos em que tem de explicar a tecnologia do universo que criou, Scalzi dá um show: não chega realmente a complicar nada (exceto a parte em que um dos personagens explica o funcionamento teórico da propulsão das naves das FCD, aquilo é de entortar o cérebro! ;>)) a ponto de ficar incompreensível, mas também não menospreza a inteligência do leitor. Inclusive, as cenas de batalha que ele constrói se assemelham muito a algumas cenas que Robert Heinlein narra em "Tropas estelares", quando vemos os trajes de combate e suas funcionalidades e opções de armamento. Aquela sensação que o Heinlein, genial, já em 1959 nos passa, de estar imerso em um empolgante jogo de tiro em primeira pessoa, Scalzi consegue reproduzir, com batalhas empolgantes contra as mais variadas raças alienígenas. 


Soldado das FCD Vs. um Consu (fan art)

Aliás, as raças alienígenas são outro destaque de "Guerra do velho". Bastante diferentes entre si tanto fisicamente quanto em costumes, somos brindados com criaturas peculiares como os Consu, uma raça que combate os humanos num misto de competição com propósitos religiosos, e que apesar da superioridade tecnológica, utilizam tecnologia similar a seus oponentes nas batalhas. Os Consu possuem uma crença a respeito de não se macularem em contato com raças "inferiores", e que, quando obrigados a realizarem uma assembléia com os humanos, matam seu próprio emissário ao final da audiência e as instalações utilizadas para o encontro são lançadas no buraco negro mais próximo. Suas definições de esnobismo foram atualizadas. Vemos também os Rraey, uma espécie descrita como mais próxima de um pássaro do que um humanóide, e com um gosto por carne humana; inclusive se especializando em diversos pratos utilizando essa iguaria. Ou os Covandu, bem semelhantes aos humanos, exceto por um detalhe: possuem dimensões liliputianas. Mas não os considere menos perigosos por isso.
"(...) Então, você combate uma criatura dessas assim: pisando nela. Simplesmente põe o pé sobre ela, aplica pressão e pronto. Enquanto você está fazendo isso, o Covandu está disparado sua arma em você e gritando a plenos pulmõezinhos, um guincho que talvez seja impossível de ouvir.
(...) Mas, na maioria das vezes, era apenas pisar. Godzilla, o famoso monstro nipônico, que estava em seu milionésimo remake quando deixei a Terra, teria se sentido em casa." 
Um Rrraey (fan art)


O livro é dividido em atos muito bem definidos, onde passamos pelo ingresso às FCD, o treinamento  com o Sargento-mor Ruiz (um sargentão linha dura que coloca o Sargento Hartman, de "Nascido para matar" no chinelo!) e finalmente as missões a serviço das FCD, e ao longo dessa viagem conhecemos personagens coadjuvantes com quem desenvolvemos uma boa empatia, os amigos que John faz antes mesmo que a troca de corpos aconteça, o "Esquadrão velharia", como o grupo se apelidou. Mas não se apegue a ninguém: assim como em "Tropas estelares", as coisas mudam em uma fração de segundo e vários destes personagens são descartados em fins cruéis. Mas ei, não falei que isso era guerra?

Abordando temas como os valores que nos mantém humanos, amizade, lealdade, honra, ética em relação a outras formas de vida e até mesmo sobre o significado de fazer parte de um relacionamento a dois, "Guerra do velho" surpreende por sua aparente superficialidade, por ser uma história de ficção científica, gênero que sofre preconceito pelos motivos que mencionei lá em cima, mas com muito conteúdo filosófico logo abaixo da (eletrizante) superfície.


Arte da capa da primeira edição americana de "Guerra do velho"

Enfim, se você tiver que ler apenas mais um livro nesse ano, que já está em seus espasmos finais, ou se você quer se iniciar na ficção científica, mas não está atrás de algo hard como William Gibson ou Philip K. Dick, por exemplo, por que não dar uma chance a "Guerra do velho"? Não posso prometer que compro o exemplar de todos que não gostarem, como prometi ao meu amigo, mas acho que nem vai ser necessário....

A propósito, pra finalizar, por que só aceitar idosos para formar um exército? esse trecho do livro responde:
"Esse é um dos motivos pelos quais as FCD selecionam idosos para se tornarem soldados. Não é porque vocês todos estão aposentados e são um peso para a economia. É também porque vocês já viveram o bastante para saber que há mais na vida do que a própria vida. A maioria de vocês criou famílias, teve filhos, netos, e entende o valor de fazer algo além de seus objetivos egoístas. Mesmo se nunca se tornarem colonos, ainda vão reconhecer que as colônias humanas são boas para a raça humana, algo pelo qual vale a pena lutar. É difícil enfiar esse conceito na cabeça de alguém com 19 anos. Mas vocês são experientes. Neste universo, o que conta é a experiência."
Na dúvida do que ler esse ano, não perca "Guerra do velho".






quinta-feira, 22 de setembro de 2016

ATENÇÃO: Você está entrando no território dos Warriors, de Coney Island! Prossiga por sua conta e risco!

Por Ricardo Cavalcanti









Este filme de 1979 de Walter Hill (que também nos trouxe em 1982 o filme 48 Horas, com a estréia de Eddie Murphy no cinema e Ruas de Fogo em 1984, com Willem Dafoe), acabou virando um sucesso cult e foi ganhando cada vez mais fãs ao longo dos anos.



Numa época muito antes de Netflix, PirateBay, YouTube... Não, espera... Muito antes da popularização do VHS, fomos apresentados ao filme The Warriors, ou Selvagens da Noite, se preferir. Filme este que foi responsável por fazer uma molecada ficar acordada até tarde (sem que os pais soubessem, claro) para acompanhar a saga de um grupo de Coney Island (os Guerreiros), lutando por suas vidas, acusados injustamente pela morte do lider da gangue dos Riffs, Cyrus.




Os Riffs, além de possuírem um verdadeiro exército são os mais organizados, contando com uma eficiente rede de informações, que inclui a DJ de uma rádio que monitora a movimentação dos nossos Guerreiros. Por falar nisso, lembrei de uma coisa: (Costinha mode ON) Esse recurso, de utilizar um DJ “acompanhando” um personagem, foi utilizado antes, no filme Vanishing Point, de 1971, que foi chamado em Terras Tupiniquins de “Corrida Contra o Destino” (que acabou virado base para o videoclipe “Show Me How To Live” do Audioslave). Mas deixa eu voltar ao assunto antes que me perca (Costinha mode OFF). Voltando a falar dos Riffs: eles são, claramente, uma referência aos Panteras Negras (Não, amiguinhos. Não estou falando do personagem da Marvel), que nos anos 60, era o principal grupo de luta pelos direitos da população negra. Com seus membros armados e uma organização quase militar, chegaram a ser considerados pelo FBI a principal ameaça à segurança interna dos Estados Unidos.



Voltando ao filme: Cyrus propõe uma trégua e reúne 9 membros das principais gangues de Nova Iorque. Com seu discurso quase messiânico, conclama a união de todas as gangues, pois assim, dominariam não só o crime organizado, mas também toda a polícia. No auge do seu discurso, Luther – líder dos Rogues – atira em Cyrus, no momento em que a polícia chega ao local (Coincidência? Furo no roteiro? Nada disso! Leia a Teoria Warriors, do nosso amigo Eduardo Cruz e você entenderá). Uma confusão generalizada toma conta do local e Luther acusa os Guerreiros pela morte de Cyrus. “Olha ele ali! É o Guerreiro. Ele atirou em Cyrus!”. A partir desse momento, começam os problemas para o grupo de Coney Island.

Assim como todas as gangues da cidade, os Rogues também resolvem perseguir os Guerreiros para que ninguém descubra quem foi o real responsável pelo atentado. A cada esquina, um novo perigo. Uma nova gangue para enfrentar (exceto os Orfãos. Eles não oferecem perigo algum...rs).


Os órfãos, uma turma da pesada.... só que não.

Numa jornada pela sobrevivência a caminho de casa, vamos sendo apresentados aos personagens que nos fascinavam (e ainda fascinam). Como não amar odiar o Ajax, com seu jeito explosivo e rebelde? Como não ficar fascinado com o carismatico Cyrus? Como não acreditar que, SIM, o Cisne era agora o verdadeiro lider dos Guerreiros? Como não ficar ansioso para ver como eles iriam enfrentar os Baseball Furies correndo pelo parque, ou os Punks no banheiro do metrô (para mim, a melhor luta do filme) e ainda conseguir fugir da fúria dos Riffs?






Nem todos os Guerreiros chegam ao seu destino. Algumas baixas ocorrem no caminho. Mas Nada disso é spoiler. É somente o plot do filme. Mesmo que considere spoiler, não vai estragar a sua experiência em assistir o filme. Afinal de contas, já assisti tantas vezes e ainda me empolgo e me divirto.

Ok.... Toma um spoiler então: Ajax vai preso!



A editora Dynamite lançou em 2009, uma HQ que é uma continuação direta do filme. Com a presença de algumas gangues conhecidas do filme, além de outros membros que haviam ficado em Coney Island, “The Warriors, Jailbreak” é dividida em quatro edições, em que os Guerreiros vão se organizar para tirar Ajax da prisão. “Ajax é um de nós. Nós somos tudo que temos”. Afinal de contas, como Cisne aprendeu com Cleon: “Nós nunca deixamos outro Guerreiro para trás”.


The Warriors - Jailbreak, pela Dynamite Comics

Vale a pena ler e revisitar os personagens que assistimos por tantas vezes. É fácil de encontrar para baixar, digo, comprar.

Por mais que você já conhecesse bem a história e os personagens, esse é um daqueles filmes que sempre nos deixava com um gostinho de “quero mais”. Até que, em 2005, a Rockstar lança o game The Warriors para o Playstaion 2.






Sim!! Estava acontecendo!! Você finalmente podia se tornar um Guerreiro e explorar mais daquele mundo. Quando vemos a roda gigante de Coney Island, já sentimos logo: opa!! Isso está legal! Mas quando entra a abertura do jogo tocando a música tema, somos imediatamente catapultados diretamente para o meio daquele universo.

Entre pixações, roubo de toca-fitas, uso de drogas e brigas com outras gangues e a polícia, você vai avançando e ganhando respeito no grupo. O trabalho cuidadoso de ambientação da produtora do game, nos proporcionou uma imersão completa na vida de um Guerreiro.


Desperte o guerreiro em você!

Nos lembrando em muito o estilo GTA, o game vai nos apresentando fatos que antecedem o filme, indo até o enredo original. Esse é um jogo que ainda hoje me diverte bastante, me prendendo por horas e horas.

Ainda assim, a experiência não estava completa.

Na abertura do filme víamos nos créditos iniciais “Based on The Novel by Sol Yurick”. Ou seja, ainda tinha uma peça faltando. Era um livro que nunca havia saído no Brasil e as esperanças de te-lo nas mãos era zero. Se não saiu antes, porque alguém resolveria lançar agora?

Mas surpreendentemente, a Darkside Books nos presenteia com essa pérola esquecida no tempo.





Com uma belíssima edição e com uma capa que lembra o couro dos coletes dos personagens do filme, o livro traz ainda, um prefácio de 36 páginas escrito pelo autor.

O autor, Sol Yurick, trabalhou no Departamento de Bem Estar Social de Nova Iorque e teve contato com uma realidade que não lhe era familiar. Pessoas que viviam na extrema pobreza e que viviam excluídos e marginalizados pela sociedade. Algumas das crianças dessas famílias eram delinquentes e pertenciam a gangues de brigas, em uma quantidade tão grande, que se assemelhavam a verdadeiros exércitos. Com essa realidade na cabeça, surgiu em sua mente a ideia de escrever sobre o assunto.

Apesar de serem personagens de de ficção, não podemos negar que trata de uma realidade muito mais próxima que gostaríamos. A projeção de uma vida sem futuro, acaba com qualquer tipo de “humanidade” em uma pessoa; levando-a, muitas vezes, a encontrarem na violência uma forma de revidar tudo que sofrem, alimentando ainda mais o ódio da sociedade e entrando num círculo vicioso de violência infinita.

Mesmo os nomes dos personagens e do grupo sendo diferentes, conseguimos identificar cada um através de suas personalidades. O livro se passa, principalmente, entre a noite do feriado de 4 de julho e a madrugada do dia seguinte.

Ismael queria que todas as gangues se unissem e mostrassem sua força. Afinal de contas, unidos, eles eram cerca de cem mil, enquanto que na cidade, só haviam vinte mil policiais. Se eles permanecessem desunidos, lutando uns contra os outros, isso ajudaria o sistema. Sendo uma coisa só, eles poderiam dominar tudo e cobrar impostos da cidade e do crime organizado.“Quem liga para nós?” “Os inimigos são os adultos, que nos humilham” - Ismael possuía um ressentimento abaixo da superfície e conseguia manter seus “soldados” sempre carregados de ódio.

Depois de um discurso que motivou a todos, um grande mal entendido ocorreu no meio da multidão, causando brigas e um caos generalizado. Descobrimos então, que nem todos cumpriram a promessa de comparecer sem armas. Ouve-se um tiro e Ismael é atingido. A partir desse momento, acompanhamos a luta dos Dominadores para chegar em casa, em Coney Island.

Por favor, não faça isso no seu exemplar!

Enquanto o filme traz um aspecto quase romântico para a existência das gangues, no livro vemos essa realidade muito mais crua e cruel. Os membros de gangues não são homens adultos. Elas são formadas por adolescentes e pré-adolescentes, tentando mostrar força dentro do grupo, ganhando respeito e provando que não eram mais crianças. Parecia que a qualquer momento apareceria alguém falando como o Dadinho em Cidade de Deus: “Criança? Eu fumo, eu cheiro, já matei e já roubei. Sou sujeito homem!” A violência é algo catártico para eles. Não importando o tipo de violência, nem contra quem é cometida; nos lembrando, por muitas vezes, Alex DeLarge e seus druguis, em Laranja Mecânica.




Sem me aprofundar nos acontecimentos do livro, posso garantir que você pode mergulhar de cabeça na história. Você será envolvido pelo livro e terá sentimentos antagônicos em relação a alguns personagens e suas atitudes. Sem dúvida, uma leitura que vale muito a pena. Principalmente por ser a última peça que faltava no “universo” The Warriors, pelo menos aqui no Brasil.

Obs.: Hollywood já sinalizou algumas vezes que pretende fazer um remake do filme. Obrigado, mas não quero! Definitivamente, vai ser um filme que eu não vou querer ver. Prefiro ficar com o trailer feito por fãs:




Se você não assistiu o filme, não jogou o jogo, não leu o livro e não sabe por onde começar, pode fechar os olhos e escolher qualquer um sem medo. Você estará certamente muito bem acompanhado. Afinal de contas, os Guerreiros não são só bons, ou muito bons... eles são os melhores!

Então, vista seu colete de couro, coloque "Nowhere To Run" bem alto na vitrola e tente chegar à salvo em casa.



COME OUT TO PLAY!!!





sábado, 17 de setembro de 2016

CLUBE DA LUTA 2, de Chuck Palahniuk e Cameron Stewart, ou "Desculpe o transtorno, precisamos falar sobre Clube da Luta 2"

Por EDUARDO CRUZ








Sejam sinceros: quando Chuck Palahniuk anunciou a sequência de seu livro mais conhecido, “Clube da luta”, vocês sentiram um arrepio de medo, se perguntando “Pra quê?”, ou foi só eu? seria mais uma obra sofrendo do mal dessa década, essa urgência em se revisitar obras (comercialmente ou não) bem sucedidas da cultura pop e extrair mais algumas gotinhas de sangue da obra em questão, seja ela uma HQ, um filme ou um livro? ou ainda haveria sim algo mais a ser dito?


Calma, já respondo isso ali embaixo. Sigam comigo.


De volta à Paper Street...


Seja seu primeiro contato com Tyler Durden e sua sombra (ou seria o inverso?) através do livro, ou como no meu caso, do filme, “Clube da luta” foi uma obra explosiva, recebida com a intensidade de um soco no estômago, ou melhor seria dizer, um murro bem no meio do nariz, daqueles que enchem os olhos de lágrimas involuntárias, forçando a reavaliar a situação e repensar o terreno onde se está pisando, antes que o inevitável próximo murro chegue. O teor anarco-niilista da história cai como uma luva nesses tempos, onde o homem comum é cada vez mais esmagado e desumanizado por regras arbitrárias e sem sentido, e as instituições que guiam as massas nada têm a oferecer ao indivíduo senão modos de vida pré fabricados, que o encerram em seu próprio casulo de alienação, consumismo imponderado e conformidade. O personagem Tyler Durden, seu clube da luta, e um pouco mais à frente, seu projeto caos e destruição, partilham da mesma motivação: criar um mundo melhor a partir da destruição do mundo capitalista. Uma ruptura violenta. Para que o novo se instale, é preciso destruir o antigo. Uma alegoria que não poupa na violência e humor negro para transmitir sua mensagem: o homem precisa repensar a maneira com que se relaciona com o planeta, com o próximo e com si mesmo para continuar seu caminho evolucionário, seja ele qual for. Ou então não haverá caminho algum para ninguém. Niilismo, eu repito.





É ano de eleição!


“Clube da luta 2” se situa dez anos após os eventos do primeiro livro - ou filme - e o narrador/protagonista, sem nome na história original, agora conhecido como Sebastian é casado com Marla, a louca dos grupos de apoio. Os dois têm um filho, Júnior. Voltamos ao início do ciclo do primeiro “Clube da luta”: suas vidas são enfadonhas e sem sentido. A persona de Tyler Durden é mantida sob controle com muitos medicamentos. Muitos mesmo. A todo momento vemos pílulas e comprimidos “espalhados” nas páginas por sobre os desenhos, um recurso visual bacana para ilustrar a rotina química na cabeça de Sebastian. Porém, sem o conhecimento de Sebastian, Marla sabota sua medicação, e vemos que Tyler Durden nunca foi realmente embora, e ainda comanda suas ações do Projeto Desordem e Destruição mundo afora “cinquenta minutos, três vezes por semana, nos últimos dez anos…”, durante as consultas a seu psiquiatra, que libera Tyler com o auxílio de hipnose. Um belo dia dentro dessa rotina, acontece um incêndio criminoso, e lá se vão a casa, a mobília, e o Júnior. Exceto por um detalhe: o corpo encontrado nos escombros do incêndio não é o de Júnior, e sim de um dos seguidores de Tyler. Sebastian sabe disso porque Tyler sabe disso. Isso faz com que Sebastian volte à velha casa caindo aos pedaços na Paper Street, esperando na varanda junto a outros candidatos até ser admitido a se tornar um macaco do espaço, um dos recrutas de Tyler no Projeto Desordem e Destruição, se tornando um infiltrado na organização criada por seu alter ego, em busca do paradeiro de Júnior.





Paralelamente a isso, Marla também empreende sua busca por Júnior com o auxílio dos membros do grupo de apoio que ela frequenta, de portadores de síndrome de progeria (crianças com envelhecimento precoce, uma referência ao conto “Anos de cão”, de seu livro “Assombro” - conto esse com uma reviravolta igual ou mais intensa que a do famigerado “Vísceras”!), seguindo os rastros da organização de Tyler.


******** ATENÇÂO: Spoiler aqui!!!


Uma coisa bem interessante, se formos falar do lado bom de existir um “Clube da luta 2”, seria falar do que exatamente seria Tyler Durden. No primeiro livro, fica bem claro que Tyler é um transtorno mental desenvolvido pelo protagonista, uma segunda personalidade, que agia sem conhecimento ou consentimento dele. Em “Clube da luta 2”, Palahniuk foi mais além e lançou um conceito ousado, fazendo uma espécie de retcon de sua obra: Tyler seria um arquétipo, uma idéia transmitida de pai para filho dentro da família de Sebastian, um conceito tão forte, que sobreviveu à gerações de pessoas de carne e osso, indo parar no fim da linhagem, o filho de Sebastian! Tyler Durden é um meme vivo, uma idéia que cultiva pessoas para se perpetuar, e não o contrário.






Chuck reforça uma verdade que vemos por aí em muitas obras: idéias têm mais longevidade que seres humanos, personagens duram mais que seus criadores. Certamente a obra mais popular de Palahniuk suplantou seu criador - dizem que existem clubes da luta de verdade por toda parte! mas você não ouviu isso de mim rs - e ele brinca com isso em uma sequência à la Homem Animal de Grant Morrison, onde a criação encontra o criador, numa cena que é pura metalinguagem.





Criatura vs. Criador: onde já vi isso antes?

********* FIM DOS SPOILERS



Em “Clube da luta 2”, vemos uma sequência de situações, inclusive que se repetem ciclicamente em relação ao primeiro “Clube da luta”, como, além da destruição do lar do protagonista para marcar o início da jornada, os atos de destruição de patrimônio público e particular perpetrados pelos macacos espaciais (aqui veremos uma maneira simples e barata de profanar obras de arte em galerias com seus próprio fluidos corporais 8>0), e várias outras que, sem entregar tudo aqui, vão dar uma sensação de déjà vu em relação ao “Clube da luta” original. Foi como assistir ao novo filme das Caça fantasmas, e perceber que é basicamente a mesma história do original, com poucas diferenças, ou assistir o episódio VII de Star Wars e ver que é uma repaginação do episódio IV, com algumas modificações.





No primeiro livro, a revolução de Durden pregava a transformação do meio, mesmo que através de métodos radicais. Em “Clube da luta 2”, a revolução de Palahniuk nos convoca a uma transformação interna, subjetiva, o que denota-se pela quantidade de metáforas e sequências metalinguísticas e surreais, e que certamente não vão agradar à maioria dos leitores que esperavam a visceralidade e o texto cru do primeiro livro. Porém, a quem se propuser a passar por cima de quaisquer expectativas pré concebidas, pode encontrar suas próprias soluções e respostas em uma obra assim tão aberta. O retorno de personagens do primeiro livro, alguns aparentemente liquidados na trama do primeiro livro, como Robert Paulson, a paciente em estado terminal Chloe e o Cara de Anjo (no filme interpretado por Jared Leto) também é algo que levantou mais um “por quê??” durante a leitura, sinto dizer. No pior de tudo, valeu também pela experiência de, após ler tantos livros do Palahniuk, reconhecer a narrativa dele em uma HQ, sem perder sua característica e ver como ele aproveitou bem as possibilidades que uma HQ permite. Vejamos se ele volta a escrever algum roteiro de HQ no futuro. Em uma forma de arte complexa, em que o criador tem que controlar tanto as palavras quanto cada detalhe visual da cena, ele se saiu bem pra um novato na mídia.

A arte do excelente Cameron Stewart é um show à parte. Criou a caracterização de cada um dos personagens sem se ater aos traços físicos dos atores que os interpretaram no filme. Você sabe quem é cada um deles sem muito esforço. O que a Panini está fazendo que ainda não publicou “Seaguy” por aqui, a HQ que Stewart desenha em conjunto com o roteiro de Grant Morrison?


Jovem! se você compra gibis para ver tetas balançantes, essa é pra você!

Destaque também para as capas de David Mack, ilustrador conhecido principalmente por seu projeto autoral, “Kabuki”, e que fez as capas das séries “Demolidor” e “Alias” da Marvel Comics. Mack, com seu estilo único, é um desses artistas sui generis, aqueles impossíveis de imitar e que ao batermos o olho automaticamente sabemos de quem se trata, como ver um trabalho de Bill Sienckiewicz.


Capas de David Mack


A edição brasileira, da editora Leya, é o que eu e alguns amigos convencionamos chamar de “formato paraguaio”, algo maior que as dimensões de um livro comum e menor que o formato americano, 23cm x 15,5cm, pra ser exato. Capa cartonada e um papel couchê fosco. Além da mini série completa, essa edição nacional tem uma espécie de adendo ao primeiro clube da luta, onde algumas cenas chave são quadrinizadas, e o final do livro, mostrado em imagens pela primeira vez. Pra quem ficou confuso com aquele último capítulo na primeira vez em que leu o livro (como eu hehe ;>) ), falando sobre estar no “Céu” e “Deus” e seus diplomas na parede, agora está tudo ali, mastigado.


Eu particularmente vejo “Clube da luta”, tanto o livro quanto o filme, como o primeiro “Matrix”: uma história perfeitamente autocontida, com um final em aberto excelente, em que soube-se a hora exata de parar de contar a história. Na minha “cronologia pessoal”, assim como existe apenas “Matrix”, sem levar as continuações em conta, creio que vou adotar o mesmo protocolo com relação a “Clube da luta” heheheh


Entendeu ou quer que desenhe?

Então, respondendo à pergunta lá em cima, aqui na Zona disputamos em uma lutinha amigável pra ver quem faria essa resenha. Depois de perder 6 dentes, quebrar o dedo anelar da mão esquerda, fraturar três costelas, estirar o ligamento da patela, além de muitas luxações e hematomas, e de uma provável concussão, a honra da tarefa ficou para mim, o vencedor. Vendo por esse ângulo, acho que não valeu muito a pena. Mas, de qualquer forma, vocês deviam ver como ficou o outro cara...





Então é isso meus macaquinhos do espaço! para quem se dispuser a dar um confere em “Clube da luta 2”, não se esqueçam de raspar suas cabeças, preparar a mala com duas camisetas pretas, dois pares de calças pretas, um par de coturnos pretos, dois pares de meias pretas e um casaco preto pesado. Ah, e não se esqueçam também dos $300 para o seu funeral, e de não falar sobre isso.