domingo, 21 de janeiro de 2018

NOITE DE TREVAS - UMA HISTÓRIA REAL DO BATMAN, de Paul Dini + Eduardo Risso, ou "Eu TAMBÉM tenho uma história real com o Batman!!!"





Por EDUARDO CRUZ



Se preparem, porque por incrível que pareça essa HQ me obrigou a botar pra fora. A alma, eu quis dizer! Noite de Trevas - Uma História Real do Batman é um relato autobiográfico do roteirista Paul Dini, mais conhecido pela já clássica série animada do Batman, o desenho animado Tiny Toons e aquela série de graphic novels dos principais heróis da DC ilustradas por Alex Ross e compiladas aqui no encadernado Os Maiores Super Heróis do Mundo pela Panini. A sinopse de Noite de Trevas é a seguinte:
Nos anos 1990, o roteirista Paul Dini tinha uma carreira em ascensão escrevendo para os desenhos incrivelmente populares BATMAN: A SÉRIE ANIMADA e TINY TOONS. Era uma fase áurea para roteiristas de televisão, e Dini e seus amigos autores estavam na vanguarda dos holofotes de Hollywood. Em uma noite, tudo mudaria.
Caminhando para casa num fim de noite, Dini foi cercado e cruelmente espancado. Com vários ossos quebrados e o rosto destruído, Dini passou por um processo árduo de recuperação, dificultado pelas excentricidades dos vilões imaginários sobre os quais escrevia para a televisão, incluindo o Coringa, Arlequina e o Pinguim. Mas apesar de ser uma situação desoladora, ou talvez por causa disso, Dini também imaginava sempre o Batman ao seu lado, constantemente incentivando-o durante os seus momentos mais sombrios.
Embora a maioria das pessoas conheça o Cavaleiro das Trevas como o ícone perseverante de justiça e autoridade, nesta história surpreendente, vemos o Batman sob um novo olhar. Não mais como o vingador noturno, mas como o salvador que ajudou um homem abatido a se recuperar mentalmente de um ataque brutal que o deixou incapaz de enfrentar o mundo.
NOITE DE TREVAS: UMA HISTÓRIA REAL DO BATMAN é o conto autobiográfico angustiante e eloquente da luta corajosa de Dini para superar uma situação realmente desesperadora. É uma história do Batman diferente de todas as outras, e uma que irá ressoar de verdade entre os fãs, com a arte do incrível e talentoso Eduardo Risso (100 Balas, Cavaleiro das Trevas III: A Raça Superior).



Assim como Dini, eu também tenho uma história pessoal com o Bátemã. Tão pessoal que ao ler a sinopse dessa HQ e constatar o que é a tal história real de Batman, não pude evitar um arrepio e um pouco de sudorese ocular, por essa história do Dini ser tão similar à minha própria experiência pessoal em muitos aspectos, tornando o Noite de Trevas talvez o produto de cultura pop com o qual eu mais tive identificação em toda a minha vida até hoje. Então senta que lá vem história:
Como todo mundo da minha geração que aprendeu a gostar da Morcega, tive os filmes do Tim Burton como referencial de Batman, e foram tão marcantes que ficaram associados nas minhas memórias de infância ao período de festas de fim de ano, e até hoje quando jogo Arkham Asylum, Arkham City, etc, bate aquela sensação de "Natal de 90/91". "I'M BATMAN!" era o mantra da molecada da época e essa predileção pelo personagem é uma coisa que eu já carrego na pele. Uma semi obsessão saudável, ou pelo menos é no que quero acreditar rs...


Agora avancemos uma década e meia. Em 2014 eu praticava Krav Maga, e tudo ia muito bem até que numa bela noite de treinamento fiz um movimento banal de forma errada e estilhacei minha clavícula. Vejam bem, não fraturei, fissurei ou quebrei em duas partes. 

ESFACELEI. MINHA. CLAVÍCULA. 

Beirando uma fratura exposta. Só isso. Depois disso passei a dizer "Se sou capaz de fazer isso comigo mesmo, imagine o que posso fazer com você...". Claro que falo isso com aquela voz de Batman rs.
Estando nessa situação delicadíssima, a partir daí foram 13 meses de licenças médicas, duas cirurgias (na primeira tive uma breve parada cardíaca, mas não, não cheguei a ver nenhum túnel de luz, nem gente morta, nem meu corpo na mesa de cirurgia. Não, peraí! Nessa última estou mentindo: meu tio era amigo do médico que me operou e teve acesso ao centro cirúrgico, onde morbidamente filmou alguns momentos da cirurgia para a família assistir depois de um almoço de domingo. Eu sei... WTF, né? Vocês não imaginam o som de uma broca furando um osso, e nem vão querer saber como é. Eu mesmo queria poder apagar aquele barulho meio molhado e quebradiço da memória rs...), um enxerto ósseo feito de forma errada, o que acarretou uma segunda cirurgia que seria desnecessária se não fosse por esse erro, o pós operatório sempre doloroso, típico de cirurgias ósseas, e meses de fisioterapia. Em momento nenhum em meio a tudo isso, senti (muito) medo, desanimei, ou entrei em depressão. 

"Ai, isso deve doer!" E sim, doeu mesmo. Mas você nunca vai encontrar uma certidão de óbito com "Dor" como causa da morte...
O que aconteceu, por conta do acidente, somado ao meu background cultural de leitor voraz de gibis, foi uma transição da minha visão do Batman: de vigilante mascarado e personificação catártica do homem comum que batalha por um pouco de justiça em meio a uma sociedade cada vez mais caótica e violenta, a essência do Batman em minha visão pessoal se transfigurou em outra faceta, a do humano comum que ignora e supera suas limitações porque, bom, simplesmente porque a alternativa é se entregar e morrer. Em resumo, e para ficar um pouquinho mais polêmico: Tanto eu quanto Paul Dini passamos por um momento de dificuldade e sofrimento extremos em nossas vidas e buscamos forças em um conceito que apesar de imaginário, é poderoso o suficiente para surtir resultado. As pessoas fazem isso todos os dias no mundo todo. Algumas buscam Deus nesse momento de perrengue. Nós buscamos o Batman. E fomos tocados pela Sua graça. Mas não tinha pomba branca, e sim um grande morcego negro rs. Vejam bem, não se trata de acreditar na possibilidade de o Batman ser real, e sim visualizar o arquétipo que ele representa e as características desse arquétipo adequadas àquele momento em questão, e dali extrair a força necessária para alcançar a tal da superação. Alguns chamam isso de fé, eu acho. E foi assim que virei devoto de Nossa Senhora de Bátimã.



E aqui termina o meu testemunho. Bizarro, não? Mas gosto de pensar que o Grant Morrison entenderia heheheh...



Voltando à HQ, onde o próprio Dini apresenta sua história aos leitores prendendo ilustração por ilustração em um grande quadro, como se construísse um storyboard de sua vida, viajamos por flashbacks, desde sua infância como uma criança "invisível" para os coleguinhas de escola, e por isso muito voltado para a própria imaginação, sempre em devaneios - uma característica que ele carregaria por toda a sua vida - passando por sua juventude, sua vida pessoal, até a época em que começou a trabalhar no estúdio de animações da Warner, onde emplaca junto com toda a equipe de que fazia parte, as animações de sucesso já citadas lá em cima. E é por volta dessa época que a agressão acontece, enquanto andava em uma rua próxima de sua casa à noite. 







A partir daí, presenciamos Dini catando os cacos, literal e figurativamente, de sua própria vida (e de seu rosto, ugh...), e onde vemos todo esse povo imaginário de Gotham interagindo subjetivamente com Dini em momentos muito delicados de sua vida real, cada personagem representando uma faceta da consciência do próprio Dini perante toda essa situação, como procrastinação e indolência (Coringa), autodepreciação (Duas Caras), medo (Espantalho), inclinação para recorrer à saída fácil do álcool (Pinguim) e claro, o Batman sempre dando aquela força, mesmo que de um jeito ríspido. O Morcego, durante todo esse difícil período, era aquela parte da mente de Dini  responsável por gritar "FORÇA! VAMOS SAIR DESSA FOSSA E TOCAR A VIDA!". 















Funcionou. Dini eventualmente voltou pro eixo, retomou sua vida pessoal, casou-se e continua trampando como roteirista de filmes para TV, jogos e animações até os dias atuais. 



A HQ é extremamente agradável de ler. Certamente deixará os fãs do Batman satisfeitos com seu desenvolvimento, mesmo não sendo uma história habitual do Homem Morcego. Os entusiastas de histórias padrão Vertigo, com teor mais adulto, também não têm do que reclamar, com as situações e o enredo entregues aqui. Dini mostra, mais uma vez, que é um mestre da narrativa e nos enreda forte desde as primeiras páginas. As suas 120 e poucas páginas se esvaem em uma hora, isso lendo sem pressa e parando pra admirar o trabalho do artista argentino Eduardo "100 Balas" Risso, que não mostra grandes surpresas aqui, conduzindo a arte com a competência de sempre, que nos deixou mal acostumados esses anos todos. Entretanto, fica difícil recomendar positivamente essa HQ, de uma leitura fluida e redonda, muito bem casada com a arte, por conta de um fator: o preço. Que o material em si é ótimo, não há dúvidas! O problema aqui é o preço. Desde o final do ano passado, a Panini tem reajustado os preços de suas publicações de luxo de forma drástica, o que tem desagradado muito os consumidores. O que se vê nas redes sociais é cada vez mais um coro gritando por boicotes à editora, muito compreensivelmente. 130 páginas por R$72,00 (preço de capa, sem descontos!), sendo que encontramos muitos encadernados similares em bancas de jornais, com o mesmo número de páginas e o mesmo acabamento em capa dura por cerca de R$30,00!! (Preço de capa!). Cumassim? Panini, explica essa matemática pra gente, que nós não entendemos! Eu também estava boicotando, mas consegui um exemplar por outros meios. Caso contrário, vocês não leriam esse texto nem tão cedo rs.





Ah, um destaque especial para as aparições de Sandman e sua irmã Morte, num flashback de uma conversa de com o produtor Alan Burnett, onde Dini tenta emplacar um roteiro com estes dois personagens em um episódio na série animada do Batman, mas que acabou sendo vetado por Burnett. Além de mostrar com inteligência e sagacidade a essência do Batman, Dini brincou com os brinquedos de Neil Gaiman e não fez feio. Muito pelo contrário: o que Dini apresenta em três páginas encaixaria o Batman com perfeição no universo de Sandman!!! Este conceito que Dini desenvolve para o roteiro, nunca utilizado, associando Batman com o universo onírico... Como o Gaiman não pensou nisso antes, em 75 edições de Sandman????



Hoje, surpreendentemente, fora uma dorzinha chata de vez em quando, o que é normal para quem passou por um procedimento cirúrgico dessa magnitude DUAS vezes, não tenho nenhuma sequela que comprometa minha força ou meus movimentos nesse braço. Faço tudo que fazia antes do acidente. Busquei a MINHA força interior e achei o suficiente para me arrastar pra fora do buraco novamente. Só quem passou por um momento de fragilidade extrema para em seguida se reerguer sabe a sensação de empoderamento e autoconfiança que vem ao fim de uma jornada tortuosa assim. Acima de tudo, Noite de Trevas é recomendadíssimo pra quem está passando por uma barra difícil, como um tratamento, uma cirurgia, um processo de reabilitação ou qualquer outro perrengue pessoal. O Batman, o Grilo Falante, o Coelhinho da Páscoa ou o que for pode até estar ali sussurrando no seu ouvido, mas no final das contas, o triunfo é seu. Foi VOCÊ quem venceu a batalha. Com uma ajudinha do Cavaleiro das Trevas? Você decide. Eu e Paul Dini garantimos que, real ou não, ele vai estar lá por você. É só querer.




E essa sequência de 5 quadros aí em cima resume bem meu 2014...


PALAVRA DA SALVAÇÃO!


domingo, 14 de janeiro de 2018

CREEPSHOW, de Stephen King e Bernie Wrightson, ou "Mais uma colaboração entre três monstros, digo, três MESTRES!"




Por EDUARDO CRUZ


Então, aproveitando a deixa do último post, que trazia uma parceria improvável de dois pesos pesados na HQ Espíritos dos Mortos, a improvável, mas bem vinda dobradinha Edgar Allan Poe + Richard Corben, o ano de 2017 nos trouxe (com só três décadas de atraso, mas ei, antes tarde do que nunca!) outra parceria impressionante: Stephen King e Bernie Wrightson. Me recuso a falar sobre King por razões óbvias. Quem não conhece Stephen King, o autor de horror mais vendido de todos os tempos? Quem não conhece o palhaço Pennywise ou a cidade de Castle Rock, onde são ambientadas a maioria das histórias de King? Carrie, a Estranha? Conta Comigo? À Espera de Um Milagre? Um Sonho de Liberdade? A Dança da Morte? Louca Obsessão? quem não conhece nada disso que eu citei aí em cima pode ir embora.

Old Stephen had a farm... IA IA IO!

OK, agora que aquele pessoal que estava lá no cantão com o dedo no nariz e que não conhece Stephen King foi embora, vamos continuar. Creepshow é um empreendimento transmídia: em 1982 saíram, quase que simultaneamente, uma HQ, roteirizada pelo próprio King, nosso monstro nº1, e ilustrada pelo co-criador do Monstro do Pântano, Bernie Wrightson, nosso monstro nº2; além disso foi também lançado um filme adaptando a HQ (ou seria a HQ a quadrinização do filme? hmmm...), também roteirizado por King e dirigido por George Romero, nosso monstro nº3. Uma brincadeira transmídia no início dos anos 80.


Da esquerda para a direita: King, Romero, e à frente Tom Savini, o eterno Sex Machine.

Uma curiosidade: O menino do filme, que tem seu gibi jogado no lixo pelo pai, é ninguém menos que Joe Hill, filho do Próprio Stephen King! Hoje em dia Hill também escreve, e tem bons trabalhos como A Estrada da Noite, O Pacto e NOS4A2, e a HQ Locke and Key, que já resenhamos aqui na Zona.




 Como não encontrei o filme no YouTube pra postar aqui, 
fiquem só com o trailer mesmo...

 ... e com o Ed Harris (ainda com cabelos!) e dançando Disco!

A HQ Creepshow é uma homenagem a um gênero consagrado já perdido no passado: as antologias de horror. Revistas em quadrinhos como Creepy, Crime SuspenStories e Eerie, só pra mencionar as mais famosas, que traziam histórias curtas pavorosas, que iam de "simples" homicidas insanos a horrores sobrenaturais. Esse gênero fez a cabeça da garotada nos anos 50, até que a histeria coletiva provocada pelo psiquiatra Fredric Wertham, que alegava um desejo de sanear moralmente a população, acabou provocando a extinção do gênero, com a ajuda do famigerado Comics Code Authority. Somente as revistas que portassem esse selinho, através de regulamentação governamental, poderiam ser comercializadas. Obviamente, histórias com sexo, violência, e qualquer outra coisa que ofendesse a sensibilidade exacerbada dos delicados censores era vetada. Hoje em dia temos reedições desse material na íntegra, lá fora pela Dark Horse, que publica volumes de Creepy. Aqui no Brasil, tanto a Mythos quanto a Devir estão republicando material da Creepy e da Cripta, como era conhecida aqui no Brasil a publicação mais famosa do gênero.



Se não quiser ir para o inferno, só leia gibis com esse selinho na capa!
Edição da RGE
Edição da Record
Reedição da Devir
Reedição da Mythos

Ao que parece, o juvenil King foi criado lendo justamente as famigeradas revistinhas de horror (e isso explica muita coisa hehehehe), e é disso que se trata Creepshow: uma saudosa homenagem aos bons tempos em que a molecada podia ver esquartejamentos, estrangulamentos e outras atrocidades nos seus inocentes gibizinhos. Jack Kamen, artista oriundo da EC Comics, editora responsável por muitos destes títulos, assina a capa de Creepshow, só para deixar a homenagem mais descarada.






A HQ, assim como o filme, tem cinco histórias curtas. Pra quem já assistiu o filme, nenhuma novidade aqui. São os contos:

Dia dos Pais


O conto que abre a HQ é uma história de relações familiares um tanto... drásticas. 


 

A Morte Solitária de Jordy Verrill


Um fazendeiro (interpretado no filme pelo próprio Stephen King) presencia a queda de um meteoro em seu terreno e acha que se deu bem. Ele não poderia estar mais enganado...


 

A Caixa


Neste conto vemos que a curiosidade mata muito mais do que apenas gatos, quando empregados de uma universidade decidem mexer em um caixote que estava intocado há décadas. 


 

Indo Com a Maré


Marido traído decide aprontar com a esposa e seu amante, mas claro, as coisas não saem como o planejado...


 


Vingança Barata


Um milionário germófobo passa por um problema de infestação de baratas em seu apartamento aparentemente estéril. As consequências são grotescas. Tenho uma tia que desenvolveu fobia de baratas depois de assistir a esta história adaptada no filme do Romero. É sério! rsrsrsrsrsrsrs...




Não dá pra negar que as situações de horror contidas na HQ estão um tanto quanto datadas para essa geração perversa do leite com pêra de hoje em dia, mas o valor histórico do gibi é inegável: a parte gráfica a cargo de Wrightson, que nunca decepcionou, e o fato de ser a primeira incursão de King em histórias em quadrinhos fazem de mais esse lançamento da coleção DarkSide Graphic Novel um clássico instantâneo, um registro documental de um tipo de HQ que não se produz mais. Seus cinco contos estão mais para o divertido, em vários momentos dialogando com um certo humor negro - por vezes involuntário - e o trash rasgado do que para o assustador-de-tirar-o-sono.





Então, fica o aviso: Fãs de Stephen King podem se decepcionar se estiverem esperando um trabalho mais sofisticado do escritor. Creepshow é uma espécie de cápsula do tempo, um lembrete de como eram as HQs de horror no tempo de nossos avós. Mas é uma emulação perfeita dos gibizinhos que o Wertham tanto quis erradicar da face da Terra, só que muito, mas muito bem ilustrados...