quarta-feira, 10 de maio de 2017

30 E POUCOS ANOS E UMA MÁQUINA DO TEMPO, ou “Viagem no tempo + Indie rock + Astrofísica = Crise nas infinitas versões de nós dois”



Por EDUARDO CRUZ



"Wayne e eu compartilhávamos daquela aflição comum que assola homens solteiros com perspectivas limitadas e tendências autodestrutivas: víamos nosso passado com tamanho amor e sensação de perda que todo dia à frente era uma facada nas entranhas. Nossos vinte anos tinham sido cheios de rock e coragem. O futuro nos deixou mais velhos, mas a nossa sabedoria era duvidosa. Wayne e eu evitávamos a dor do amanhã com álcool e velhas bandas de rock. Pavement na jukebox, o brilho avermelhado divino dos letreiros de néon e frases que começavam com "Lembra quando..."."




Eu consigo viajar no tempo.

Não, é sério, pessoal! Vocês não conseguem???

Pessoalmente, o gatilho das minhas viagens no tempo é a música. Sempre a música. Pra mim a música funciona como savepoints em um jogo, então se determinada música tocou em determinado momento da minha vida, é só dar o play de novo e consigo reviver a cena em minha cabeça com perfeição. É assim que eu costumo viajar no tempo. A música, seja ela boa (Qualquer uma dos Pixies), ruim (Step By Step – New Kids on The Block), brega (Ordinary World – Duran Duran), tocante (Grace – Jeff Buckley) ...... eu consigo voltar àquele momento, me transportar àquela época inteira, se resumindo a uma canção.


Monique Daviau



Essa é a maneira convencional de viajar no tempo, mas algumas pessoas conseguem o mesmo resultado com filmes, viagens e até mesmo ao sentir o cheiro de um perfume ou com comida. Mas e se realmente fosse possível voltar no tempo, digo, fisicamente? Quais momentos você escolheria?





 30 e Poucos Anos e Uma Máquina do Tempo pode ser resumido à motivação inicial de seu protagonista, Karl Bender: “Se você pudesse voltar no tempo para ver qualquer banda tocar, quais bandas você escolheria?”. Karl é um barman de 40 anos recém completados e que já passou de seus melhores dias há muito tempo, quando ainda era o guitarrista da Axis, uma banda de Indie Rock que alcançou um relativo sucesso com um hit dedicado a moças... cheinhas, lá nos anos 90. Um dia, Karl descobre que um buraco de minhoca surgiu dentro de seu closet, e essa passagem pode transportá-lo pelo tempo. Junto com seu amigo Wayne, Karl começa a cobrar por essas viagens a shows do passado, sempre sem interferir ou alterar nada. Você paga, assiste o show e volta para o presente. Até que Wayne decide interferir e pede a Karl que o envie a 1980, para impedir o assassinato de John Lennon.



"Regra número um da casa: o buraco de minhoca só deveria ser usado para ir a shows de rock do passado. Isso mantinha a experiência pura e livre da tentação de obter uma vida melhor. Além disso, por que precisaríamos de música se nossa vida fosse exatamente como gostaríamos que fosse?
Outras regras da casa: nada de trazer suvenires. Não falar com ninguém no passado. Não tocar em nada. Não beber nem usar drogas. Não fotografar. Não gravar áudio. Não ficar no passado por mais tempo que a duração do show. Não sair do local do show. Sei que você gostaria de ver os carros antigos e as roupas fora de moda e a data na primeira página do jornal na própria pilha de jornais, mas não.
Regras da casa."



Por um erro bisonho de Karl, Wayne acaba parando em 980 ao invés de 1980, sem meios de retornar! Sem o conhecimento técnico para reverter a cagada, Karl decide contatar Lena, uma astrofísica que ele supõe ter interesses em comum por conta de uma foto sua na internet, onde ela veste uma camiseta dos Melvins, uma das bandas favoritas de Karl. A conexão entre os dois é imediata e eles acabam se envolvendo. Porém Lena é uma pessoa complicada, que carrega muitas cicatrizes de seu passado: uma madrasta com quem nunca conseguiu conviver, um estupro sofrido durante um show, sua pesquisa roubada por um colega na universidade, enfim: Lena é uma pilha de problemas, uma grande cicatriz emocional ambulante. Karl decide pôr de lado sua regra de não interferir com o passado e decide ajudar Lena, apagando alguns de seus traumas do passado.




A partir desse ponto as coisas saem de controle e as viagens a shows memoráveis são substituídas por uma revisitação do passado doloroso de ambos, passando por antigos relacionamentos fracassados, parentes falecidos, ex companheiros de banda e outros traumas. Daviau conduz a história de maneira cuidadosa, não forçando demais a barra nos aspectos técnicos dos paradoxos temporais e as conseqüências de cada alteração no passado, utilizando sua pseudociência apenas o suficiente para continuar se mantendo plausível. Apesar de alguns furinhos em alguns pontos na história, mas isso é compensado pelo desenvolvimento: várias linhas temporais se desenrolando, no passado, presente e futuro, derivando reflexões interessantes como “Qual o significado de viajar no passado quando você já vive no passado?” ou “Como seria minha vida se eu tomasse uma decisão diferente a respeito de...“, como se precisássemos de um livro pra essa última questão ficar pairando em nossas cabeças heheheh.....


"Wayne ficou ali parado  me observando chorar. Tentei aproveitar a bondade de vegetação farta e ar adocicado de 980, mas desejava o conforto de escapamento de carros, a dor fácil da existência como eu conhecia em minha vida no bar. Se eu soubesse que tinha provocado dor em alguém, pelo menos eu sabia que teria essa dor devolvida a mim se eu estivesse em casa na cidade, em 2010, aos quarenta anos, com meus anos bons para trás. Eu seria agredido. (...) Meu coração iria sofrer por causa de uma física. Nada na ilha utópica de Wayne conseguia me tocar, e eu não aguentava isso. O que isso dizia sobre Wayne, que ele precisava de uma vida sem solavancos? Você não pode compor música em uma vida dessas. Você não precisa de música. Eu precisava estar onde meu coração pudesse sofrer."




“Tá, mas e todo esse Indie Rock que disseram que pontua a história?” Ora, já no título original (Every Anxious Wave, trecho da letra de Kath, da banda Sebadoh), você vê que tudo está encharcado de Indie Rock ao longo das 300 páginas do livro, e recheado de referência a bandas que vão de Galaxy 500 a The Replacements, passando por Elliott Smith, que francamente eu não conhecia, mas o amor dos personagens Karl e Lena por esse artista (ambos ostentam tatuagens com um trecho de uma letra do Smith) despertou minha curiosidade e corri atrás para apagar essa mancha do meu histórico e conhecê-lo. Na verdade, todos os vídeos espalhados pelo post são músicas referenciadas no livro, então a playlist está espalhada ao longo do texto. Ou vocês podem ouvir essa lista inspiradíssima AQUI nesse link do Spotify, perfeita pra acompanhar a leitura. Obrigado. De nada.






30 e Poucos Anos... é essencialmente como De Volta Para o Futuro, no sentido de que toda a ciência apresentada é somente pra sustentar esse recurso de se usar viagens do tempo na história, mas a alma, o core do livro, o padrinho espiritual é o Alta Fidelidade, de Nick Hornby. Portanto, aos que têm a expectativa de ler uma história mirabolante, com explicações convincentes sobre viagem no tempo, paradoxos temporais impressionantes, reviravoltas de proporções cósmicas e reverberações incomensuráveis no continuum espaço-temporal (como eu, que alimentei todas essas expectativas antes do livro chegar rs), é melhor correr atrás de O Fim da Eternidade, de Isaac Asimov (qualquer dia desses a gente fala sobre ele aqui na ZN!).





A história tem algumas tramas paralelas bem bacanas, mas que foram pouco desenvolvidas, como a história de Sahlil, senhorio de Karl, que ao descobrir que seu inquilino tem um buraco de minhoca no closet, pede para voltar e conhecer Freddie Mercury, se apaixona, resolve sair do armário (sem trocadilho rs), abandonar a esposa e.... bem, pouca coisa é desenvolvida além desse ponto. Daviau poderia dar um pouco mais de atenção aos coadjuvantes, que tinham todo um potencial inexplorado. É muito bom quando a gente esbarra em um livro que, além de uma ótima trama principal entrega tramas paralelas de personagens menores, mas tão interessantes quanto tudo que está se passando em primeiro plano. Ainda assim, nada mal para um romance de estréia, e não vejo motivos que impeçam Daviau de fazer melhor em seu próximo livro.




30 e Poucos Anos e uma Máquina do Tempo é uma história mais intimista, contida ao máximo em seu núcleo de personagens principais (Karl-Lena-Wayne-Glory). Um drama sensível sobre amadurecimento, superação de antigas dores, sobre encontrar seu lugar no mundo (a às vezes ter que rever essa posição!), e sobre a dicotomia “o que realmente precisamos X o que queremos”, que está para o Alta Fidelidade assim como Guerra do Velho está para o Tropas Estelares. Ou sejE, apesar do título, vai agradar mais a quem está atrás de um bom romance do que aos fanáticos por deep Sci-Fi.





Contido, sensível, intimista, mas acima de tudo intenso. Exatamente como aquele showzinho da banda indie de um amigo(a) seu, onde você por acaso, conheceu alguém especial, que já foi embora, mas que sempre volta na memória se certas músicas tocam por perto...



"(...) Mas, depois de algum tempo, percebi que o corpo continua a chorar pela mesma coisa para sempre. O cérebro humano, quando exposto a anos de tristeza, nunca compreende nada nem se aperfeiçoa, e viagens no tempo só pioram as coisas."


Pra fechar, deixo aqui meu Top 5 de shows através da história que eu gostaria de ter assistido:



5 – Daminhão Experiença nos anos 80, qualquer show!

4 – The Cramps, ao vivo no Napa State Mental Hospital, junho de 1978

3 – Impacto Cinco, qualquer show da época do álbum “Lágrimas Azuis”

2 – Faith no More, Brixton Academy, 28/04/1990

1 – Os Pixies, Metro Chicago, 10/08/1989



E a sua lista? Deixe aí nos comentários!!!

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