Por EDUARDO CRUZ
Quando a gente pensa em selos e subdivisões editoriais na DC Comics, pensamos principalmente na Vertigo. Claro, sendo (no passado) o selo mais bem sucedido da editora, excluindo-se, logicamente, a linha super heroística principal, não é difícil entender porque a maioria das pessoas faz essa associação imediata. Porém, a Vertigo não foi a única investida da DC fora do nicho mainstream de super heróis e afins. Inicialmente o selo Vertigo foi idealizado em 1993 para comportar histórias com teor mais adulto ou sem relação com a cronologia principal da editora, inclusive muitas histórias produzidas antes disso migraram posteriormente para o selo, como Skreemer, ou Hellblazer, por exemplo. Histórias de horror, ficção científica e qualquer outro gênero WTF que simplesmente não se enquadrasse nas Action Comics, Superman e Batman que saíam todos os meses, porém ainda assim títulos com potencial comercial. Vide os sucessos de sempre Sandman, Preacher, Fábulas, Transmetropolitan e por aí vai. As séries são discutidas por leitores ao redor do mundo até hoje, as coletâneas vendem bem até hoje. HQs direcionadas a um público que não o infanto juvenil, e ainda assim êxitos comerciais. Inegavelmente HQs mainstream, mesmo que com palavrões, sexo e violência e questões nada leves.
Mas até aí beleza, hoje em dia qualquer leitor novato conhece a trajetória da Vertigo, o foco das publicações e coisa e tal. O que nem tanta gente sabe é que existiram dois selos, também da DC comics, com propostas similares, que renderam ótimos títulos enquanto existiram. Um deles é o Piranha
"Why I Hate Saturn", do inigualável Kyle Baker! |
Isso aqui é HQ sofisticada, não é pra gente da sua laia, não! Voltem pras suas mensais de super heróis! ;>))) |
Mas se vocês acham que a história acaba com o fim do Piranha Press, se enganam. Ainda em 1993, Nevelow fica a cargo do selo que seria o sucessor do Piranha Press, batizado Paradox Press, e que teria o mesmo foco do Piranha: graphic novels autorais produzidas por autores independentes, fora do gênero de super heróis, e que não possuíssem os elementos de horror, fantasia e ficção científica da linha Vertigo. Graphic Novels como Uma História de Violência e Estrada para a Perdição, ambas mais famosas por suas versões cinematográficas do que as próprias HQs, são alguns dos títulos mais conhecidos do selo.
Paradox Press |
"Uma História de Violência", adaptada para o cinema por David Cronenberg |
"Estrada Para a Perdição", adaptada para o cinema por Sam Mendes |
Mas o troféu de "material WTF" da Paradox Press fica por conta da série Factoid Books, uma antologia de álbuns divididos em temas. Uma espécie de enciclopédia de fatos, acontecimentos e personalidades bizarras e incomuns. Publicados entre 1994 e 2000, cada volume é um Big Book of... trazendo um tema específico, com várias histórias de 1 a 4 páginas cada, um belo trabalho de pesquisa histórica - o lado B da História da humanidade, pra ser mais preciso -, os volumes são compilados e roteirizados por nomes como John Wagner, Doug Moench, Gahan Wilson, entre outros, com dados VERÍDICOS (exceto pelo de lendas urbanas, por razões óbvias) e todos ilustrados por nomes como Joe Sacco, Arthur Adams, Sergio Aragonés, David Lloyd, Bryan Talbot, Tony Harris, Peter Kuper, Steve Dillon, Paul Pope, J. H. Williams, Kevin Maguire, Seth Fischer, Charles Vess, Dave Cooper e até mesmo um novato chamado Frank Quitely ;>). A lista é imensa e quase todo artista bom (e até uns fraquinhos) que vocês puderem imaginar dos últimos 30 anos desenhou pelo menos uma história em um Big Book da Paradox Press...
Um Quitely em início de carreira ilustrando de lendas urbanas... |
... até a sofrida biografia de John Merrick, o Homem Elefante. |
A série teve estupendos dezessete volumes publicados, com previsão para um décimo oitavo, The Big Book of Wild Women tendo sido anunciado, mas que nunca chegou a ser lançado. Os volumes da série Factoid Books, por ordem cronológica de publicação, são:
The Big Book of Urban Legends
Publicado em 1994, com Robert Boyd, Robert Loren Fleming e Jan Brunvand como escritores, o Big Book das Lendas Urbanas ganhou o Eisner de 1995 de Melhor Antologia. O livro reúne 200 contos reunidos por Brunvand de nosso folclore contemporâneo, as lendas urbanas, todas aquelas histórias que aconteceram com "um amigo de um amigo".
The Big Book of Weirdos
Publicado em 1995 and escrito por Carl Posey, o Big Book dos Esquisitões traz a biografia ilustrada de 67 dos maiores excêntricos do mundo. Figuraças como Nikola Tesla, Calígula, Henry Ford, Harry Houdini, o Marquês de Sade, entre outros.
The Big Book of Death
Publicado em 1995 e escrito por Bronwyn Carlton, o Big Book da Morte já começa mostrando os segredos e bastidores dos métodos de execução - do enforcamento à cadeira elétrica. Em seguida aborda suicídio bizarros, mortes estranhas, métodos de sepultamento e o grande além vida. Também desvenda a origem da guilhotina, mostra como funciona a preservação de corpos por criogenia e nos mostra que até mesmo um queijo pode ser usado como arma fatal (!?!?).
The Big Book of Conspiracies
Publicado em 1995 e escrito por Doug Moench, o Big Book das Conspirações venceu o Eisner de 1996 de Melhor Antologia. O livrão foca em conspirações e esquemas de encobrimento, como o escândalo Watergate, o escândalo Irã-Contras, e os assassinatos de John F. Kennedy, Malcolm X, Robert Kennedy e Martin Luther King. O livro investiga todos esses esquemas e muitos mais, transitando pelo real e fatos "imaginários" para explicar como forças obscuras - incluindo a CIA, a Maçonaria, os Illuminati e até mesmo os extraterrestres - podem estar conspirando para moldar o mundo segundo seus interesses.
The Big Book of Freaks
Publicado em 1996 e escrito por Gahan Wilson, o Big Book das Aberrações traz várias histórias de pessoas com características ímpares e interessantes, das aberrações de circo à criaturas mitológicas - como ciclopes e gigantes -, os protagonistas do filme maldito Freaks, do diretor Tod Browning e o empresário circense P. T. Barnum, sem esquecer, é claro, de John Merrick, O Homem Elefante.
The Big Book of Little Criminals
Publicado em 1996, o Big Book dos Criminosos Pé-de-Chinelo detalha a biografia de alguns dos meliantes mais incompetentes do mundo, como Shanghai Kelly, que sequestrava homens e os forçava a trabalhar em navios. Também há histórias de falsificadores dos tempos coloniais, o falsário dos diários de Hitler, e um vigarista que quase foi bem sucedido na venda de Portugal (sim, o país!!).
The Big Book of Hoaxes
Publicado em 1996, o Big Book dos Embustes aborda os maiores embustes, pegadinhas e esquemas de trapaça da História, incluindo casos notáveis como o de Mary Toft, a "Mamãe Coelha", que convenceu a corte da Inglaterra de ter dado à luz a pelo menos dezesseis coelhos. Outros embustes relatados no livro incluem Charles Ponzi e seus esquemas de enriquecimento rápido, a infame "Princesa Caraboo," os diários de Hitler, e um plano para serrar Manhattan ao meio.
The Big Book of Thugs
Publicado em 1996 e escrito por Joel Rose, o Big Book dos Bandidos documenta criminosos que conseguem o que querem não por meio da esperteza, e sim através de ação direta e pura força bruta, incluindo os Thuggees (de onde deriva o termo "Thug", do inglês) da Índia, Os Hashishin do Oriente Médio, a "Ohio Gang," e os "Night Terrors", bem como muitas outras gangues e bandos criminosos notórios.
The Big Book of Losers
Publicado em 1997 e escrito por Paul Kirchner, o Big Book dos Perdedores é a prova de que o azar dos outros (como Elisha Gray, que inventou um protótipo de telefone antes de Alexander Graham Bell, mas foi esquecido pela história) realmente pode ser divertido.
The Big Book of The Unexplained
Publicado em 1997 e escrito por Doug Moench, o Big Book do Inexplicado tem como narrador o espectro de Charles Fort (um escritor falecido e pesquisador de fenômenos anormais). Histórias de animais impossíveis, continentes perdidos, e fenômenos bizarros, como a maldição da múmia, dinossauros vivos, o Monstro do Lago Ness, abduções alienígenas, o Pé-Grande e chuvas de sapos (!?!?!).
The Big Book of Martyrs
Publicado em 1997 e escrito por John Wagner, o Big Book dos Mártires examina as vidas e mortes de mártires cristãos, incluindo São Valentim, Joana D'Arc, Santa Úrsula e São Jorge, com todos os detalhes grotescos de seus martírios. O último capítulo fala de pessoas que foram torturadas por sua fé em tempos mais recentes, demonstrando que o fanatismo religioso não é algo do passado..
The Big Book of Scandal!
Publicado em 1998 e escrito por Jonathan Vankin, o Big Book dos Escândalos chafurda no mundo sórdido das notícias de tablóides em tretas que destruíram carreiras, empresas, casamentos e vidas. Fatty Arbuckle, Charles Chaplin, John DeLorean, Richard Nixon, Oliver North, e O.J. Simpson são alguns dos retratados.
The Big Book of Bad
Publicado em 1998, o Big Book do Mal é escrito por Anina Bennett, Jonathan Vankin e Paul Kirchner. Esse décimo terceiro volume da coleção examina o mal em diversas formas, como Heinrich Himmler, o arquiteto da "Solução Final" dos nazistas, os depravados imperadores da Roma Antiga, como Calígula e Heliogábalo, além de diversos serial killers. Por fim, o livro dedica espaço a vilões da ficção como Professor Moriarty, Lady Macbeth e Drácula.
The Big Book of The Weird Wild West
Publicado em 1998 e escrito por John Whalen, o Big Book do Velho Oeste Estranho traz mais de sessenta histórias de fatos incomuns, bizarros e simplesmente pavorosos que aconteceram na fronteira norte americana no tempo das diligências. Histórias de personagens do Oeste como George Maledon, "O Príncipe dos Carrascos", homossexualidade entre cowboys (supostamente) machões, e vários dos fantasmas que assombraram o Velho Oeste.
The Big Book of Vice
Publicado em 1998 e escrito por Dave Stern e Steve Vance, o Big Book do Vício examina o álcool, as drogas, o tabaco, sexo e a jogatina. Os temas variam desde a história do tabaco, escravidão sexual, até a origem das máquinas de pinball.
The Big Book of Grimm
Publicado em 1999 e escrito por Jonathan Vankin, o Big Book dos Grimm examina os contos de fadas. Vankin transcreve as versões originais, não-Disneyficadas dos contos que os irmãos Grimm coletaram no século XIX, detalhando abuso infantil, incesto, canibalismo, membros mutilados e olhos arrancados.
The Big Book of The '70s
Publicado em 2000 e escrito por Jonathan Vankin, o Big Book dos anos 70 documenta dez anos de "cafonice e tumulto". Da música disco à moda do poliéster, o último Big Book da coleção lista as tendências, personalidades, gírias e a insanidade social que infectou a década de 70 (bem como a Guerra do Vietnã e alguns filmes clássicos).
Wild Women
O décimo oitavo volume dos Factoid Books seria The Big Book of Wild Women, programado para 2001, e traria a história de vida de mulheres notáveis que sacudiram o status quo e influenciaram sua sociedade de alguma forma, ultrapassando as fronteiras do comportamento convencional da época. Entre as abordadas, veríamos a deusa dos filmes B Tura Satana, a lendária Cleópatra, a polêmica escritora Anais Nin, e a rainha das Pin-ups Bettie Page. Entretanto, a DC mantém o status da publicação no estágio de "pré-produção", mesmo que boa parte do livro já estivesse pronta na época. Só resta chorar...
Biografia de Zsa Zsa Gabor, do volume que não chegou a ser publicado, The Big Book of Wild Women |
A primeira vez que tive contato com um Big Book da Paradox Press foi por mero acaso, láááááá em 2001, remexendo numa das muitas caixas de gibis na lendária Comicmania, uma convenção de quadrinhos que costumava acontecer no bairro do Flamengo, no Rio de Janeiro, e tentava manter uma periodicidade anual, embora nem sempre conseguisse isso, infelizmente. Entre os tesouros gringos que o organizador da convenção conseguia trazer, encontrei essa HQ de formato magazine, que prometia ser um compilado das lendas urbanas mais conhecidas já espalhadas por aí. Levei na hora! Uma passada com menos atenção pelas caixas de HQs enfileiradas e talvez eu não tivesse conhecido essa série sensacional, e essa seria uma realidade alternativa mais triste pra mim rs. Passei os cinco anos seguintes caçando e lendo o restante da coleção, e digo com força que essa série é um tesouro a ser descoberto pelas novas gerações! Espero que esse post tenha ajudado a lançar uma luz nesse cantinho escuro da DC Comics.
Uma breve história da vida de Calígula. Arte de John Ridgway. |
A clássica lenda urbana do mão de gancho, arte de Hunt Emerson! |
Aragonés ilustrando os maiores mistérios sem solução de todos os tempos! |
Arte de Arthur Adams |
Um material excelente e que vai fascinar os aficionados por História logo na primeira leitura, esses Big Books, apesar de nunca terem ganho reimpressão, são obscuros o suficiente para nunca haver gerado interesse da parte dos especuladores (ainda!), e por isso é possível encontrar a grande maioria dos volumes bem baratinho na internet
Rick Geary ilustrando a história da Ku Klux Klan |
Mortes estranhíssimas, todas reais, pode pesquisar! |
"Silêncio", de Martin Scorcese??? A DC fez primeiro!!! |
Digam o que disserem da produção da DC de hoje em dia, mas iniciativas editoriais como o Piranha Press, Paradox Press, e o Epic da Marvel são os registros - já fossilizados - que demonstram que as grandes editoras um dia já tiveram a coragem para ousar mais, buscar outras fatias do público e do mercado leitor de quadrinhos, o que era tão benéfico para eles quanto para nós. Para quem já começou a ler em plena era Guerra Civil da Marvel e das sucessivas crises da DC pode não fazer diferença, já que nessa época estas iniciativas já estavam todas extintas, mas para quem ainda teve tempo de ver esses magníficos animais nascendo, vivendo mal e mal e morrendo, bate uma ponta de tristeza por presenciar essa diversidade, que já era pouca, minguar ainda mais. Estamos no aguardo aqui por uma nova era de ouro de pirações editoriais e o brilhantismo dos artistas certos para transformar o corriqueiro em fantástico e o fantástico em épico, em novas combinações artísticas e narrativas que tirem essa mídia tão querida da estagnação e das fórmulas repetitivas.
Cara, eu acho esse logo bem melhor do que o anterior...
ResponderExcluirAh, é questão de gosto mesmo. Ninguém está certo, ninguém está errado, não é mesmo? Rs
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