sexta-feira, 18 de maio de 2018

Graphic MSP – JEREMIAS: PELE, de Rafael Calça e Jefferson Costa



Por RICARDO CAVALCANTI


Os personagens de Mauricio de Sousa sempre fizeram parte da minha vida, desde a infância até a vida adulta. É um prazer ver que esses personagens podem se tornar multidimensionais e tratar de variados assuntos. A iniciativa do projeto Graphic MSP alcança a maturidade ao tocar em um assunto espinhento em seu 18º título. Tratar de preconceito racial de forma direta, dura e seca e mesmo assim se mostrar uma história forte e inspiradora é o grande mérito da dupla Rafael Calça e Jefferson Costa (roteirista e desenhista, respectivamente). As situações do roteiro e a arte mostram situações que estão longe de confirmar o mantra que alguns gostam de repetir: “Não existe racismo no Brasil”.

Os nossos tempos de criança sempre nos reservam memórias marcantes. Mas nem sempre nos damos conta de como algumas delas podem nos marcar pelo resto da vida. Romantizamos nossa infância com lembranças alegres e divertidas, mas escondemos de nós mesmos aquelas que nos machucam. Palavras e atitudes que nos ferem e que podem nos destruir, nos enfraquecer, acabar com nossa autoestima e nos fazer carregar traumas que podem se transformar em diversos tipos de sentimentos, como revolta, raiva, medo, tristeza, depressão e etc. É nesse momento que a importância da família é essencial para nossa formação. Nesse quesito, a Graphic MSP do Jeremias nos dá uma aula.


Como todas as Graphic MSP, a história é precedida de uma introdução feita por Maurício de Sousa; desta vez como forma de um mea culpa por ser a primeira vez que o personagem protagoniza uma história. Nas páginas nos deparamos com outros personagens: Astronauta e sua nave, Cebolinha e Cascão implicando com a Mônica, a Magali de olho numa enorme melancia, o Rolo dormindo no ônibus...

Jeremias é uma criança que gosta de ler quadrinhos do Batman Guardião da Noite, é estudioso, inteligente, tem uma família carinhosa e sonha em ser astronauta. Mas nem tudo é fácil para ele, pois começa a ter contato com um tipo de reação contra ele, que na condição de criança, ainda não compreende. Mas as diversas formas com que Jeremias vai sendo diminuído, ridicularizado e xingado começa a reduzir a sua tolerância com aquilo tudo, até o momento em que acaba sendo levado a brigar na escola. A apatia da professora e do diretor da escola e a vergonha de tocar no assunto, acaba levando a uma dolorosa conversa/discussão com seu pai.


Jeremias tem a grande sorte de poder contar com pais que tocam no assunto, fazendo-o conseguir enxergar as dificuldades que enfrentará na vida e os caminhos a serem trilhados. O seu crescimento precisa ser antecipado, pois a cor da sua pele precisa deixá-lo preparado para tudo que virá.

Crianças não são racistas por conta própria. Seu caráter e seus valores são nada mais que a reprodução de situações presenciadas por elas. Se encontrar alguma criança com alguma atitude discriminatória, pode ter certeza que ela “aprendeu” a se enxergar em uma suposta “posição superior”. No ano em que se completam 130 anos da assinatura da lei que aboliu a escravidão no papel, ainda convivemos com situações que provam que na prática, a mentalidade escravagista ainda está muito presente. 

 

As formas de racismo e preconceitos surgem no seio familiar e se fortalecem já nas primeiras relações sociais, como na escola. Nesse ambiente encontramos gente despreparada e incapaz de perceber sua responsabilidade e uma estrutura que ajuda a perpetuar o preconceito fingindo que o racismo não existe. O despreparo de alguns professores é tão grande, que vemos “educadores” se orgulhando de bater no peito e dizer que não gostam de ler livros (é sério isso!), ou outros que se dizem estar acostumados a lidar com o racismo (na visão de um branco acostumado a achar normal chamar alguém de negão), mas sem um pingo de empatia. Pode parecer que estou só jogando conversa fora, mas estou mencionando diretamente dois youtubers conhecidos. Escolas costumam tratar esse tema da maneira mais fácil: ignorando que o racismo exista. A própria Graphic MSP mostra a forma como a escola costuma agir em situações como essa. Certamente os autores passaram por situações semelhantes para conseguir retratar um quadro de maneira tão certeira.



Infelizmente é uma realidade que ainda reside em nossa sociedade e precisamos SIM tratar muito desse assunto. Enquanto continuarmos vendo cada vez mais gente sem vergonha de se mostrar racista, tratando como mimimi, vitimismo ou se referir a algo como “coisa de preto” (nas palavras de William Waack) e não tendo nenhum tipo de punição para isso, só mostra como vivemos em uma sociedade doente.



Palmas para os autores Rafael Calça e Jefferson Costa pela excelente obra, para Sidney Gusman pela iniciativa e para Mauricio de Sousa por continuar sendo tão relevante para o quadrinho nacional. Maurício de Sousa é muito maior e melhor que Stan Lee. Isso é fato!


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