Por
RICARDO CAVALCANTI
Os
personagens de Mauricio de Sousa sempre fizeram parte da minha vida, desde a infância até a vida adulta. É um prazer ver que esses
personagens podem se tornar multidimensionais e tratar de variados
assuntos. A iniciativa do projeto Graphic MSP alcança a maturidade
ao tocar em um assunto espinhento em seu 18º título. Tratar de
preconceito racial de forma direta, dura e seca e mesmo assim se
mostrar uma história forte e inspiradora é o grande mérito da
dupla Rafael Calça e Jefferson Costa (roteirista e desenhista,
respectivamente). As situações do roteiro e a arte mostram
situações que estão longe de confirmar o mantra que alguns gostam
de repetir: “Não existe racismo no Brasil”.
Os
nossos tempos de criança sempre nos reservam memórias marcantes.
Mas nem sempre nos damos conta de como algumas delas podem nos marcar
pelo resto da vida. Romantizamos nossa infância com lembranças
alegres e divertidas, mas escondemos de nós mesmos aquelas que nos
machucam. Palavras e atitudes que nos ferem e que podem nos destruir,
nos enfraquecer, acabar com nossa autoestima e nos fazer carregar
traumas que podem se transformar em diversos tipos de sentimentos,
como revolta, raiva, medo, tristeza, depressão e etc. É nesse
momento que a importância da família é essencial para nossa
formação. Nesse quesito, a Graphic MSP do Jeremias nos dá uma aula.
Como
todas as Graphic MSP, a história é precedida de uma introdução
feita por Maurício de Sousa; desta vez como forma de um mea
culpa por
ser a primeira vez que o personagem protagoniza uma história. Nas
páginas nos deparamos com outros personagens: Astronauta e sua nave, Cebolinha e Cascão implicando com a Mônica, a Magali de olho numa
enorme melancia, o Rolo dormindo no ônibus...
Jeremias
é uma criança que gosta de ler quadrinhos do Batman Guardião
da Noite, é estudioso, inteligente, tem uma família carinhosa e
sonha em ser astronauta. Mas nem tudo é fácil para ele, pois começa
a ter contato com um tipo de reação contra ele, que na condição de criança, ainda não
compreende. Mas as diversas formas com que Jeremias vai sendo diminuído,
ridicularizado e xingado começa a reduzir a sua tolerância com
aquilo tudo, até o momento em que acaba sendo levado
a brigar na escola. A apatia da professora e do diretor da escola e a
vergonha de tocar no assunto, acaba levando a uma dolorosa
conversa/discussão com seu pai.
Jeremias
tem a grande sorte de poder contar com pais que tocam no assunto,
fazendo-o conseguir enxergar as dificuldades que enfrentará na vida
e os caminhos a serem trilhados. O seu crescimento precisa ser
antecipado, pois a cor da sua pele precisa deixá-lo preparado para
tudo que virá.
Crianças
não são racistas por conta própria. Seu caráter e seus valores
são nada mais que a reprodução de situações presenciadas por
elas. Se encontrar alguma criança com alguma atitude discriminatória,
pode ter certeza que ela “aprendeu” a se enxergar em uma suposta
“posição superior”. No ano em que se completam 130 anos da
assinatura da lei que aboliu a escravidão no papel, ainda convivemos
com situações que provam que na prática, a mentalidade
escravagista ainda está muito presente.
As
formas de racismo e preconceitos surgem no seio familiar e se
fortalecem já nas primeiras relações sociais, como na escola.
Nesse ambiente encontramos gente despreparada e incapaz de perceber
sua responsabilidade e uma estrutura que ajuda a perpetuar o
preconceito fingindo que o racismo não existe. O despreparo de
alguns professores é tão grande, que vemos “educadores” se
orgulhando de bater no peito e dizer que não gostam de ler livros (é
sério isso!), ou outros que se dizem estar acostumados a lidar com o
racismo (na visão de um branco acostumado a achar normal chamar
alguém de negão), mas sem um pingo de empatia. Pode parecer que
estou só jogando conversa fora, mas estou mencionando diretamente
dois youtubers conhecidos. Escolas costumam tratar esse tema da
maneira mais fácil: ignorando que o racismo exista. A própria
Graphic MSP mostra a forma como a escola costuma agir em situações
como essa. Certamente os autores passaram por situações semelhantes
para conseguir retratar um quadro de maneira tão certeira.
Infelizmente
é uma realidade que ainda reside em nossa sociedade e precisamos SIM
tratar muito desse assunto. Enquanto continuarmos vendo cada vez mais
gente sem vergonha de se mostrar racista, tratando como mimimi,
vitimismo ou se referir a algo como “coisa de preto” (nas
palavras de William Waack) e não tendo nenhum tipo de punição para
isso, só mostra como vivemos em uma sociedade doente.
Palmas
para os autores Rafael Calça e Jefferson Costa pela excelente obra, para Sidney Gusman pela iniciativa e para Mauricio de Sousa por
continuar sendo tão relevante para o quadrinho nacional. Maurício
de Sousa é muito maior e melhor que Stan Lee. Isso é fato!
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