segunda-feira, 21 de maio de 2018

SUICIDAS, de Raphael Montes, ou "O lado oculto da playboyzada carioca."







Por EDUARDO CRUZ




"Acredito que existe uma força oculta que nos empurra em direção ao precipício. Uma hora você chega à beirada e percebe que precisa enfrentá-la, apesar das dificuldades...
Mas alguns não conseguem, e preferem se jogar...
Eu preferi me jogar. Analisando as opções, antevendo as perspectivas, percebi que nada mais fazia sentido: estava fadado a um funcionalismo público de merda, esquecido entre papéis, processos e regras de conduta. Não quero isso pra mim. É uma opção. Talvez a morte traga algo que a vida não me proporcionou: reconhecimento, fama, respeito..."



Raphael Montes é um pioneiro. Antes do jogo da Baleia Azul e da série 13 Reasons Why, o escritor carioca já havia abordado o suicídio numa obra de cultura de massas oriunda do século XXI. O tema é explorado pelo autor em Suicidas, seu primeiro livro, de 2012, e que foi republicado em 2017 pela Companhia da Letras. Raphael aproveita para contar uma história com muito suspense, que vai do tenso ao doentio numa simples transição de capítulos, apontando os podres que a high society esconde atrás de suas fachadas impecáveis, com comentários sociais nada sutis. O primeiro livro de Raphael que lemos aqui na Zona foi Jantar Secreto, grotescamente arrebatador do início ao fim e com as críticas sociais afiadíssimas. Como eu falei lá naquela resenha, Jantar Secreto foi um dos melhores livros que li em 2017.


"Na verdade, todos temos medo de morrer, daquela incerteza escondida de saber se voltaremos vivos para casa, se teremos mais uma noite de sono, mais uma noite de sexo, assistiremos a mais um bom filme ou conseguiremos terminar aquele livro. Afinal, tudo acaba. E ninguém morre vazio de sonhos. O morto é enterrado com seus projetos, desejos, tudo... Num átimo, o tudo vira nada, e é isso. A vida continua. Deus aperta o "stop", e acabou sua vez neste mundinho.
De certa forma, o suicídio deturpa todo esse projeto predeterminado de vida e morte. Seria como se você mesmo roubasse o controle das mãos do Divino e apertasse o "stop na hora que quisesse. Assim, roubaria Dele o direito de mandar na sua vida. Legal, não?"

Mas eu sabia que estava fazendo errado e precisava dar um confere nesse romance de estréia do rapaz, visto que Suicidas é elogiadíssimo desde sempre. Então, depois do gostinho bom que Jantar secreto deixou - heheheheh - Fui à cata do Suicidas.





A história de Suicidas narra os eventos antes, durante e depois de uma fatídica partida de roleta russa entre nove jovens, todos bem nascidos, privilegiados, de classe média/alta, e aparentemente sem motivos para fazer algo do tipo. O livro se divide em três linhas narrativas diferentes: O diário de Alessandro, personagem principal, encontrado em seu quarto após os eventos do jogo de roleta russa, onde ele registrava os acontecimentos do dia a dia. Aqui conhecemos os personagens da história e os eventos que conduziram ao jogo fatal. A segunda linha narrativa é o registro de tudo que se passou durante o jogo de roleta russa em si: os insultos trocados, as mortes, uma a uma, e outros eventos grotescos (até mesmo uma perturbadora cena de necrofilia!), incluindo um acontecimento que muda drasticamente o andamento da partida! aqui estão as cenas cruentas e polêmicas da história. A terceira e última linha narrativa se passa cerca de um ano depois e é a transcrição de uma reunião organizada pela delegada encarregada do caso, que junta as mães dos jovens para uma leitura do diário do jogo de roleta russa, a fim de tentar trazer à luz algum detalhe desapercebido. Reações incomuns, silêncios desconfortáveis e possíveis pistas, tudo está lá. Junte essas três linhas e caminhamos para um final realmente surpreendente à la Os Suspeitos (Lembram do Keyser Soze?).

 "Suicidas, Alê. É isso que somos. Suicidas! Covardes demais para enfrentar a merda do mundo. Covardes demais para acabar com nossa própria vida sozinhos. Precisamos disto aqui, sabe? Desta merda toda. Deste porão, desta bosta de cerveja quente, da companhia de pessoas tão fodidas quanto nós... Nem pra meter uma bala na cabeça temos coragem."
 


Com um timing para o suspense digno de um Hitchcock e um tino para o humor negro que deixaria Tarantino ou Palahniuk orgulhosos, Raphael Montes já mostrou que não é autor de um sucesso só. Não opta pelo caminho fácil do grotesco gratuito, o choque pelo choque, e mostra horrores além do óbvio, desmascarando convenções sociais familiares de nosso cotidiano e expondo as farsas e hipocrisias grotescas da tradicional família brasileira frente a situações que surgem em seu próprio seio e que ela não é capaz de compreender: homossexualidade, gravidez indesejada, abuso de drogas, depressão. Esperamos aqui na Zona que o autor ainda tenha muitas histórias perturbadoras para contar. Certamente os esqueletos nos armários dos cidadãos de bem não vão faltar como combustível e inspiração para novas prosas...

Até tu, Bátemã???


"A caneta riscando o papel sem parar. Sem omissões ou interferências, com todos os detalhes. Eu não posso modificar nada. Estou aqui para narrar a realidade imunda deste porão, onde deficientes pedem permissão para estourar os miolos e apaixonados fodem defuntas. Esse é o microcosmo a que me entrego a poucas horas - talvez minutos - de encarar a morte. Aqui está o ser humano plenamente dotado de livre-arbítrio. Não há regras. Não há limites. O álcool e as drogas deixam as máscaras caírem, os verdadeiros rostos se revelam diante de um público também despido de normas. Racionais, mas antes de tudo, animais."



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