Por EDUARDO CRUZ
A maioria dos leitores de quadrinhos, após um contato inicial
com o trabalho de Alan Moore, (“O Rouxinol de Northampton” para os íntimos ou
“O Autor original” para os desafetos rs) acaba, por razões óbvias, se
encantando com a qualidade de seus trabalhos e não raro, enveredam em uma
pesquisa arqueológica para escavar trabalhos anteriores do bruxo (Não fazemos
isso com todos os autores, diretores e músicos de que gostamos???). Em se tratando de Alan Moore, essa brincadeirinha arqueológica em torno de sua obra pode
render ótimas surpresas, como se pode conferir em “The Bojeffries Saga”.
Alguns anos antes da tal “Invasão Britânica”, a estratégia
iluminada da DC Comics de olhar do outro lado da poça do atlântico e importar
talentos do Reino Unido para dar um revamp em alguns de seus personagens de
segunda linha, já sem brilho (na verdade, alguns sem brilho desde sua criação,
mas nada que um Moore, Morrison, Milligan ou Gaiman não resolvam, porque, meus
amigos, não existe personagem ruim, o que existe é a mulher que não conhece os
produtos Jequiti! - ou algo assim), Moore já batalhava no mercado de HQs
Inglesas. Começou como cartunista na revista musical Sounds, e logo em seguida dedicou-se exclusivamente como roteirista
em títulos como a Doctor Who Weekly,
Marvel UK, 2000A.D. e a Warrior, onde
produziu V de Vingança, Miracleman e as
primeiras histórias de “The Bojeffries saga” (em 1983, contudo outros arcos
seriam produzidos depois, mas com o fim da Warrior, estes foram publicados em
diversas revistas, sem regularidade definida), com arte de Steve Parkhouse, um
dos pilares das HQs britânicas, com mais trabalhos no currículo do que eu
disponho de espaço aqui para listar.
Alguns anos depois, em 2008, Moore resolveu retomar a
história do clã Bojeffries, enquanto dava um break dos roteiros de “A Liga
Extraordinária”, HQ que produz em conjunto com Kevin O’Neil, a fim de dar uma
conclusão apropriada, uma história de despedida, por assim dizer.
Uma HQ de humor, algo raro na
bibliografia de Moore, “The Bojeffries Saga” nos traz o dia a dia da família Bojeffries,
uma espécie de Família Monstro residente num bairro de casas
populares em Northampton, típicas de classe operária britânica, as famosas
council houses. Seria um plot banal, se não fosse por um detalhe bizarro:
alguns membros dessa família suburbana “banal” nem humanos são! A saber:
Jobremus Bojeffries, o patriarca da família; Ginda Bojeffries, a filha, um
brucutu ameaçador; Reth Bojeffries, irmão de Ginda; O bebê, que produz energia
atômica suficiente para iluminar a Inglaterra e o País de Gales; Tio Raoul
Zlüdotny, um lobisomem aparvalhado que adora os poodles da vizinhança (no
sentido gastronômico mesmo); Tio Festus Zlüdotny, um vampiro inepto e Vovô
Podlasp, uma criatura muito antiga, amorfa e poderosíssima que quando irritado,
brada palavras como “Y-YUG
FNATAGH! N’GAR! YULLOTH RHUGAH! H’RRUN SHLUGATH! IËI CTHLUR-XOTEP”, numa ostensiva
homenagem ao vocabulário profano inventado por H. P. Lovecraft, escritor do
qual Moore é admirador confesso.
Vovô resolve o problema do aluguel atrasado. |
Como toda boa sátira, a família Bojeffries foi apenas
um palco para apontar e rir da feiúra cotidiana da cinzenta Inglaterra, com tons abertamente autobiográficos, que remetem diretamente à infância de Moore:
Apesar de ser um dos primeiros trabalhos de Moore, a HQ é impregnada de um espírito anárquico, de um jovem Alan Moore querendo se divertir e contar histórias, como o infeliz destino de Trevor Inchmale, um cobrador que examinando registros, descobre que os Bojeffries não pagam o aluguel há mais de um século, ou a saída à noite do tio Raoul, que graças a um colega de trabalho com uma agenda velha, confunde as fases da lua, o que dá a Raoul a certeza de que ele pode sair de casa para uma social sem se transformar, mas adivinhem? É noite de lua cheia! Ou as desventuras românticas de Ginda Bojeffries e até mesmo uma ópera! Sim, uma história “cantada” em formato de ópera pelo “elenco” da HQ. Moore ousa nos formatos desde sempre.
"Eu e o desenhista Steve Parkhouse estamos tentando captar a sensação das coisinhas bem imbecis da Inglaterra que lembramos de quando éramos criança... Resumindo tudo à fantasia de uma paisagem inglesa na qual havia lobisomens e mutantes. É engraçado dizer, mas é mais pessoal que muitas HQs que já fiz." Vinte anos depois, ele ressaltou a mesma questão: "Bojeffries foi importante pelo fato de ser uma das coisas mais pessoais que já fiz... parece muito surrealista para americanos, enquanto, para mim, é uma das coisas que fiz na qual fiquei mais próximo de descrever o sabor que tinha uma infância de classe operária em Northampton." Em alguns momentos, The Bojeffries Saga é simplesmente a infância de Alan Moore com os nomes trocados e leve hipérbole para fins de comédia."
(PARKIN, Lance. Mago das Palavras: A Vida Extraordinária de Alan Moore, Ed. Marsupial, 2016, p.104)
Apesar de ser um dos primeiros trabalhos de Moore, a HQ é impregnada de um espírito anárquico, de um jovem Alan Moore querendo se divertir e contar histórias, como o infeliz destino de Trevor Inchmale, um cobrador que examinando registros, descobre que os Bojeffries não pagam o aluguel há mais de um século, ou a saída à noite do tio Raoul, que graças a um colega de trabalho com uma agenda velha, confunde as fases da lua, o que dá a Raoul a certeza de que ele pode sair de casa para uma social sem se transformar, mas adivinhem? É noite de lua cheia! Ou as desventuras românticas de Ginda Bojeffries e até mesmo uma ópera! Sim, uma história “cantada” em formato de ópera pelo “elenco” da HQ. Moore ousa nos formatos desde sempre.
Todo o poder de sedução de Ginda Bojjeffries... |
A história final, escrita em 2008, no estilo de documentário
para a TV, algo como “Por onde andam os Bojeffries?”, é hilariante e, pasmem,
acaba numa edição de Big Brother Inglaterra!
Ainda não lançado no Brasil (mas não desanimem, perceberam como
nos últimos 3 anos saíram TONELADAS
de material do Moore por aqui, muita coisa inédita?), o encadernado publicado
em conjunto pelas indies Top Shelf (EUA) e Knockabout Comics (ENG), compila
TODAS as histórias da família Bojeffries criadas pela dupla, inclusive a
derradeira de 2008, tão ácida com seu contexto sociocultural quanto as
originais o foram em seu tempo.
Uma ópera light... o que quer que isso signifique... |
Uma rara oportunidade de ver os primórdios do barbruxão, em
um tempo em que ele ainda não era o Mago Supremo, mas já ensaiava seus
primeiros passos rumo a narrativas que revolucionariam a mídia das histórias em quadrinhos, mas isso é uma
história pra outro dia, crianças, e eu vou voltar pro meu caixão porque já está
amanhecendo... CHEERS!!!
"Alan Moore knows the score!"
Olá, cara!
ResponderExcluirGostaria de te pedir sugestões de obras do Moore... Fiquei curiosa para ler!
Blog bacana, parabéns!
Oi Carol!
ExcluirQue bom que o blog te agrada! Cola com a gente e sugestões boas não vão faltar!
Do Moore dá pra se recomendar quase tudo, mas best of the best é Monstro do pântano, Miracleman, Liga Extraordinária, A Piada Mortal, Promethea, V de Vingança, Tom Strong, Do inferno, Choques futuristas (que vai ter resenha em breve!) e claro, Watchmen!
Taí seu top 10, fera! Abraço!