Por EDUARDO CRUZ
A literatura de horror ocidental teve um ponto
de virada no início do século XX, quando houve uma transição do horror gótico
para o horror cósmico, e isso se deu quase que graças a um escritor somente:
Howard Philips Lovecraft (ou agápê Lovecraft pros íntimos rs). Essa virada
aconteceu a partir do momento em que alguns autores de horror passaram a não
mais basear suas histórias em mitos e lendas, no folclore ou em qualquer outra
base já existente, mas sim criar do zero toda uma cosmogonia
onde o ser humano tinha muito pouca ou nenhuma relevância, e onde criaturas de
proporções e poderes incomensuráveis, comparáveis a deuses eram o horror
absoluto, ampliando em muito o escopo e o alcance do gênero, levando o horror a
um direcionamento impensado até então. Nas palavras do próprio Lovecraft: "As efabulações sobre temas mundanos e o
lugar-comum não satisfazem as mentes mais criativas e sequiosas de novos
estímulos".
Como muitos artistas que não tiveram
reconhecimento em vida, mas postumamente se tornaram referências incontestáveis
em suas respectivas áreas, como Van Gogh, Oscar Wilde, Edgar Allan Poe,
Rembrandt, entre outros, o legado de H. P. Lovecraft está cada vez mais
popular. Considerado um dos escritores mais influentes do século XX, foi um dos
fundadores do nicho de Horror Cósmico, ou Cosmicismo, junto com autores como
August Derleth, Robert Bloch, Frank Belknap Long e Robert E. Howard, com quem
trocava muitas correspondências, e ajudou originar uma espécie de universo
compartilhado que hoje conhecemos como “Os Mitos de Cthulhu”. A popularidade de
Lovecraft só cresce, apesar de já termos deixado o século XX para trás faz
alguns anos, mas sua presença ainda se faz sentir, direta ou indiretamente no
cinema, videogames, quadrinhos, RPGs, card games e até na música! Se não o era
antes, nos dias atuais H. P. Lovecraft é leitura obrigatória em matéria de
horror, a fonte onde muitos nichos da cultura pop bebem até hoje para
produzir horror impactante e de qualidade.
O Horror Cósmico é um nicho literário que retrata
o universo como um lugar vasto e hostil, ou na melhor das hipóteses,
indiferente ao ser humano. Conceitos como civilização, amor, democracia, IPTU,
religião, família, hambúrguer gourmet, guerra, ascensão profissional, gasolina
barata, amor verdadeiro, política, sexo.... esqueça! Em uma história de
Lovecraft percebemos a total indiferença a qualquer crença, ideologia ou
atividade humana, e o próprio lugar do ser humano no universo é irrelevante.
Tais conceitos e construtos sociais são como uma pequena jangada no oceano
turbulento e caótico que é o universo. Por essa mesma razão Lovecraft não é
indicado para qualquer pessoa que simplesmente goste de ler. Suas histórias
geralmente são carregadas de cinismo, nada romantizadas e com um alto teor de
pessimismo, onde além do horror gráfico, não raro vivenciamos situações de
horror psicológico nas tramas, e sua ambientação lenta que conduz a um ápice
(melhor dizendo, à beira do abismo ;>)) quase sempre desastroso e com muito
terror psicológico são mais uma razão para afirmarmos que a prosa de Lovecraft
não é para qualquer leitor.
É claro que não estamos sozinhos em um universo
Lovecraftiano tão vasto e hostil: essa oposição direta a valores como o
Iluminismo e o Humanismo traz a reboque a noção de que dividimos nosso espaço
neste universo com entidades, seres e monstros ancestrais, um verdadeiro
panteão de criaturas extradimensionais - a maioria delas com propósitos insondáveis
à nossa compreensão - algumas mais antigas do que a própria humanidade, algumas
tão poderosas que foram cultuadas como deuses por humanos no passado, tendo
reinado sobre a Terra há milhões de anos atrás. Algumas apenas dormentes,
esperando o momento de retornar e reclamar nosso mundo para si novamente. Essas
sim as verdadeiras responsáveis por intervenções tanto entre os humanos, quanto
no restante do universo. Não somos donos de nossos próprios destinos, e segundo
Lovecraft, até mesmo a criação de nossa espécie é trabalho desses seres! Seus
protagonistas, geralmente jogados de encontro a revelações dessa amplitude
acabam enlouquecendo ou recorrendo ao suicídio, tamanho o abalo que tais
conhecimentos provocam na psique frágil dos indivíduos.
E por falar em conhecimentos que podem destruir,
não posso esquecer de mencionar a criação mais famosa de Lovecraft, depois do
próprio Cthulhu, o livro profano Necronomicon. O antigo tomo cheio de
conhecimento blasfemo que incautos costumam usar para invocar essas entidades,
e cujo desfecho sempre é trágico foi mais uma contribuição para a construção
dos Mitos de Cthulhu, termo cunhado após a morte de Lovecraft pelo escritor
August Derleth. Posteriormente, o Necronomicon deixou de ser um elemento usado
apenas por Lovecraft e seus amigos escritores, e hoje encontra-se agregado na
cultura pop, com maior destaque para os filmes de “Evil Dead”, de Sam “Homem
Aranha que vale” Raimi. O Necronomicon foi tão bem inserido nos Mitos de
Cthulhu, e posteriormente na cultura pop (Lovecraft inclusive escreveu um falso
ensaio sobre as origens do livro!) que até hoje alguns acreditam que este livro
realmente existe, e sendo autêntico ou não, pode-se comprar um exemplar no Ebay
e até mesmo no Mercado Livre.
Acima, alguns dos Necronomicon "legítimos" que circulam pelas internetes...
![]() |
O Necronomicon de "Evil Dead" |
Essas são as principais razões para o trabalho de Lovecraft ser considerado tão singularmente sólido em termos técnicos e em qualidade também, com muita consistência e atenção aos elementos inseridos nas tramas, principalmente os de cunho psicológico, a grande cartada na obra do escritor.
![]() |
Esse meme resume bem o que é uma história de H. P. Lovecraft: "E eles viveram felizes par... BRINCADEIRA, ELES TODOS MORRERAM OU ENLOUQUECERAM" |
No exterior, o reconhecimento póstumo a
Lovecraft já existe há décadas, e cada vez que eu entrava no site da Amazon ou
dava uma olhada na seção de livros importados da Livraria Cultura, me batia uma
certa tristeza, afinal lá fora existem edições imensas e completas da obra de
Lovecraft, algumas com anotações de rodapé que oferecem informações que
enriquecem muito o entendimento do leitor com relação a detalhes obscuros,
inclusive em relação ao contexto sócio cultural da época em que a história foi
escrita. Entre as mais impressionantes, posso citar “The New Annotaded H. P.
Lovecraft”, com prefácio de Alan Moore! Já aqui no Brasil a situação é um pouco
mais limitada. Fora a Editora Iluminuras, que lançou alguns volumes no final dos anos
90, a independente Clock House, que lançou um livrão robusto de contos do
autor, porém com uma divulgação pequena, já esgotado, e mais recentemente os livros da editora Hedra, com belos acabamentos gráficos, nunca tivemos tanto H. P. Lovecraft
quanto gostaríamos em nossas prateleiras.
Uma compilação norte-americana com introdução do Barbruxão em pessoa! Isso me lembra que "Providence" vai sair esse ano!!! \o/ |
Mas ao que parece, alguma mente iluminada por
Azatoth na editora Martin Claret se deu conta dessa carência, e em um único
lançamento retificou essa mancada do mercado editorial brasileiro com essa
magnífica compilação. A antologia “Grandes Contos” é um tijolo impressionante,
seja pelo seu número de páginas (quase 1100!), seja pelo seu acabamento em capa
dura, seja pelo nível na seleção das histórias. Muito do que Lovecraft produziu
de relevante, inclusive vários poemas e alguns ensaios, constam nesta edição,
num total de 45 trabalhos do autor. Além da capa, com uma ilustração bem adequada
ao tema, onde predomina um tom de amarelo doentio e com os indefectíveis
tentáculos de Cthulhu se insinuando pelos cantos e pelas sombras da ilustração,
as páginas internas - com um papel de gramatura excelente - são tingidas de
verde nas extremidades, o que provoca uma associação imediata aos tais livros
arcanos e blasfemos que vez por outra Lovecraft cita em suas histórias. Nota 10
para esse acabamento gráfico!
Os contos que integram esse
tijolão monstruoso são:
A fera na caverna
O alquimista
A tumba
Dagon
Além das muralhas do sono
Old Bugs
A transição de Juan Romero
A Nau Branca
A Rua
A maldição que atingiu Sarnath
A árvore
Os gatos de Ulthar
Do além
Nyarlathotep
O pântano da Lua
Os outros deuses
A música de Erich Zann
Hipnos
O que vem com a Lua
Azathoth
Entre as paredes de Eryx
O cão de caça
O medo à espreita
O festival
Debaixo das Pirâmides
O horror em Red Hook
O chamado de Cthulhu
A chave de prata
A estranha casa alta na névoa
A busca onírica da desconhecida Kadath
O caso de Charles Dexter Ward
A cor que veio do espaço
O descendente
A história do Necronomicon
O povo antigo
O horror em Dunwich
Nas montanhas da loucura
A sombra sobre Innsmouth
Através dos portais da chave de prata
O perverso clérigo
O livro
A sombra vinda do tempo
O Assombrador das trevas
O navio misterioso
O horror sobrenatural na literatura
O alquimista
A tumba
Dagon
Além das muralhas do sono
Old Bugs
A transição de Juan Romero
A Nau Branca
A Rua
A maldição que atingiu Sarnath
A árvore
Os gatos de Ulthar
Do além
Nyarlathotep
O pântano da Lua
Os outros deuses
A música de Erich Zann
Hipnos
O que vem com a Lua
Azathoth
Entre as paredes de Eryx
O cão de caça
O medo à espreita
O festival
Debaixo das Pirâmides
O horror em Red Hook
O chamado de Cthulhu
A chave de prata
A estranha casa alta na névoa
A busca onírica da desconhecida Kadath
O caso de Charles Dexter Ward
A cor que veio do espaço
O descendente
A história do Necronomicon
O povo antigo
O horror em Dunwich
Nas montanhas da loucura
A sombra sobre Innsmouth
Através dos portais da chave de prata
O perverso clérigo
O livro
A sombra vinda do tempo
O Assombrador das trevas
O navio misterioso
O horror sobrenatural na literatura
Eu poderia até reclamar um pouco, dizendo que
ficaram de fora contos sensacionais, como por exemplo “Herbert West –
Reanimator” e “O modelo de Pickman”, mas com um livro caprichado assim, com essa
quantidade de contos reunida em um único volume e com esse acabamento gráfico
belíssimo, sinto até uma ponta de culpa. Então esqueçam que eu disse isso! “O
horror de Dunwich”, “A sombra sobre Innsmouth”, “A sombra vinda do tempo”, “Nas
montanhas da loucura”, “O caso de Charles Dexter Ward” e “A cor que veio do
espaço” compilados em um mesmo tomo já fazem dessa coletânea algo excepcional!
Então é isso aí, seus Shoggoths!! SejE você um
mero curioso que conhece a reputação do Lovecraft, mas nunca teve acesso ao
material dele, ou mesmo um leitor já iniciado, mas que porventura tem pouca
coisa do escritor em sua estante, “Grandes Contos” é indicado para ambos os
casos. Um bom começo pros iniciantes, e um volume respeitável na estante pros
freaks que curtem horror clássico de qualidade. Uma antologia com um escritor
desse calibre, com esse número de páginas e essa seleção de contos? Não precisa
nem pensar a respeito! Caia dentro de uma promoção bacana e entregue suas alma
para todas as blasfêmias e horrores inomináveis saídos da mente (mas será que
seriam só imaginação mesmo???) de um dos maiores - na minha opinião pessoal o maior! – autores de
horror de todos os tempos!!!
Obs.: Pra quem quiser se aprofundar em uma visão geral da obra de Lovecraft e os Mitos de Cthulhu, sugiro esse blog, que foi uma das minhas fontes para essa resenha. É um post um pouco extenso, mas rico o suficiente para que mesmo os novatos tenham uma compreensão básica e abrangente do legado Lovecraftiano na literatura e na cultura pop.
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ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ExcluirExcluiu sem querer, sei...
ExcluirAcidente, sei...
ExcluirMas que canalha, semeando a discórdia entre os amiguinhos!!!
ExcluirCthulhu fhtagn!
ResponderExcluirPh'nglui mglw'nafh Cthulhu R'lyeh wgah'nagl fhtagn!
ExcluirHAHAHAHAHAHAH Obrigado pela visita!