Por EDUARDO “A BESTA”
CRUZ
''O que é a vida?
É o princípio da morte.
O que é a morte?
É o fim da vida.''
Se eu tivesse que definir em
apenas uma palavra o cidadão José Mojica Marins, bem, eu não conseguiria! Uma
palavra só? Nada justo! Melhor seria se me dessem um estoque ilimitado de adjetivos,
isso sim faria maior justiça a Mojica: Paixão, resiliência, garra (com trocadilho
mesmo!), criatividade, determinação, coragem, astúcia.... só mesmo essa soma de
qualidades para explicar a longevidade da carreira de um cineasta em um país
que não valoriza a cultura de um modo geral, ainda menos quando falamos em uma
arte tão cara quanto o cinema. Mojica tem uma filmografia extensa, e mesmo
assim provavelmente poderíamos somar os orçamentos de todos os filmes em que
ele produziu, dirigiu, atuou.... ainda assim essa soma não ultrapassaria o
orçamento do último filme dos Transformers. Nesse quesito, deveria ser
inaugurada uma cadeira em universidades ensinando o método Mojica de realizar
longas metragens com valores irrisórios.
Lembro do primeiro contato que eu
tive com a persona fictícia de Mojica Marins, um personagem que acabou ficando
maior e, de certa forma, mais real que o próprio Mojica: O Zé do Caixão. Eu era
garoto, e ele participava de um programa do Gugu ou Silvio Santos, um desses
programas de TV de domingo à tarde que exploram de forma sensacionalista seus
convidados “exóticos”, na guerra para ganhar alguns pontos de audiência. Eu não
fazia idéia de quem era aquele maluco de cartola, bradando pragas sinistras
para os telespectadores, usando uma capa de Exu caveira e unhas compridas, que
mais lembravam garras, mas os mais velhos lá em casa reconheceram a figura, o
tal “Zé do Caixão”. Fiquei intrigado com aquela criatura, nunca tinha visto
nada parecido com aquilo em minha curta vida antes. Tentei descobrir o máximo
possível daquela figura perguntando aos meus tios e avós, mas basicamente, as
pessoas só se lembram do José Mojica Marins enquanto Zé do Caixão, e não de seu
trabalho, sua filmografia. Esse meu primeiro contato com Mojica, como figura pitoresca - e imagino que eu não seja o único a ter tido esse primeiro contato dessa forma - só demonstra o ostracismo em que se encontrava o cineasta no início dos anos 90, pouco antes de seu reconhecimento no exterior. Zé do Caixão sempre fascinou adultos e crianças, e
embora esse nosso lindo país de memória curta não consiga enxergar com acuidade
seu imenso valor e contribuição para a cultura popular nacional, uma coisa é
certa: ele soube se fazer enxergar. Ponto. Até porque, como o próprio Mojica diz: "Quem não aparece, praticamente desaparece!".
Alguns anos depois, ainda na era
do VHS (a maioria dos que lêem esse texto não faz idéia do que foi um VHS rs),
esbarrei com “O estranho mundo de Zé do Caixão” escondido em uma locadora (a
maioria dos que lêem esse texto nem sabe o que é uma locadora rs) e finalmente
consegui ter uma fração de idéia do que era o Zé do Caixão. Mas ainda era uma
época de internet discada (a maioria que lê isso nem sabe é internet discada rs),
e muito pouca informação atravessava o fio telefônico até o meu PC, comparado
com a velocidade e abundância de informação de hoje. Avance mais uns 6 anos e,
novamente, em outra locadora empoeirada, encontrei a obra máxima de Mojica: “À meia noite levarei sua alma”, ode suprema à iconoclastia e desobediência do
indivíduo perante as normas opressivas da sociedade, o filme que te faz compreender
porque Mojica é comparado à Luis Buñuel, e que dá orgulho de ter sido produzido
no Brasil.
À meia noite levarei sua alma (1963)
O estranho mundo de Zé do Caixão (1968)
Em “À meia noite levarei a sua
alma” vemos o surgimento do personagem Zé do Caixão, o indivíduo que não se
conforma com o pensamento de rebanho, um monstro tipicamente brasileiro, que se
crê superior à massa, numa distorção Nietzschiana do conceito de Übermensch, com um mantra que tenta executar a qualquer
preço: A CONTINUIDADE DO SANGUE! Na busca por gerar o sucessor perfeito, Zé do
Caixão era o homem tornado monstro por meio das barbáries que perpetrava em nome de seu objetivo supremo.
Depois disso, e de alguns anos já
usufruindo o reconhecimento no estrangeiro – enquanto aqui a maioria das
pessoas ainda o enxergavam apenas como “pitoresco” – foi lançado um Box com 6 filmes altamente relevantes de sua filmografia (como o destruidor “Ritual dos sádicos” ou “Esta noite encarnarei no teu cadáver”, a continuação do “À meia
noite...”) e, paralelamente a isso, a internet melhorou o suficiente para possibilitar
o download de mais alguns filmes, e os que não achávamos online, encomendávamos
de sites de colecionadores, como o falecido site Putrescine, com um acervo que
era uma mina de ouro do cinema nacional.
Aí, um dia você acorda, passa
tudo isso em retrospecto na memória e PAH! se descobre fã de José Mojica Marins.
Um fã? Melhor dizendo, um seguidor ávido, fascinado com a visão desse diretor
autodidata, que aprendeu cinema assistindo filmes, de dentro da cabine de
projeção do cinema de bairro onde seu pai trabalhava como projecionista no
subúrbio de São Paulo.
Seguindo o rastro da obra de
Mojica assim tão obsessivamente, era evidente que uma hora eu esbarraria em
“Maldito”, a biografia de José Mojica Marins, de André Barcinski e Ivan Finotti, outros dois Mojicólatras aficionados (é preciso um para reconhecer um),
e foi exatamente o que aconteceu! Era mais uma excelente aquisição para quem
estava “estudando” Zé do Caixãologia há quase uma década sem nem se dar conta
disso. Não contente em assistir ao máximo de seus filmes que eu pudesse
pôr as mãos, eu queria conhecer os percalços dessa vida, o que motivou essa
imaginação sem amarras e, quem sabe, conhecer o segredo de sua persistência na
execução de sua obra. Os autores fizeram um trabalho de pesquisa bem
abrangente, e é uma das biografias mais completas em que já tive o prazer de
pôr as mãos.
Nada contra quem costuma ler biografias
de artistas, mas eu sempre preferi apreciar diretamente a arte produzida a ler
a respeito dos acontecimentos da vida do artista em questão, com raras
exceções, e Mojica é “A” exceção: os esquemas rocambolescos bolados para
arrecadar verba para realizar seus filmes, os casos hilários e pitorescos por
trás das filmagens, como o roubo das árvores plantadas ao longo do Largo do
Arouche, roubadas de madrugada pela equipe de Mojica para compor o cenário da
floresta de “À meia noite...”, ou quando Glauber Rocha levanta da cadeira no meio de uma sessão de "À meia noite..." berrando "Putaquipariu, esse cara é um gênio!", seus rolos com mulheres (Mojica chegou a ter 4
mulheres simultaneamente, uma verdadeira maratona de casa em casa para “bater o
ponto”!), o infarto sofrido por conta da dieta em época de filmagens (cachaça,
salame e alguns comprimidos para se manter acordado), o tardio e merecido
reconhecimento da crítica internacional, os prêmios recebidos no exterior....
tudo estava lá, para quem quisesse conhecer mais a fundo o “Mestre” (como era
carinhosamente chamado pelos alunos do curso de artes dramáticas fundado e
administrado por ele, uma maneira de sempre ter elenco barato à disposição),
além da sua obra cinematográfica, os percalços de uma vida que sempre foi
febril no tocante a fazer cinema. O livro cobre desde a chegada de seus pais,
imigrantes espanhóis, ao Brasil, passando pela infância e adolescência de
Mojica, os tempos bons e os ruins, as dificuldades financeiras, a fase em que o
diretor teve que trabalhar em produções pornográficas da boca do lixo para
sobreviver... enfim, muitas histórias dentro de histórias, e tudo verdade, mesmo que algumas sejam absurdas de acreditar! Tudo
isso embalado em um texto ágil e envolvente.
Trecho de 24 horas de sexo explícito (1985)
Em 2015, o canal Space produziu
uma mini série em seis episódios adaptando alguns dos principais acontecimentos
da vida de José Mojica Marins descritos na biografia. A mini série, intitulada
simplesmente “Zé do Caixão”, cobre o início das primeiras experimentações com
cinema, passando pelos maiores sucessos, o pesadelo que inspirou Mojica a criar
Zé do Caixão, a fase de dificuldades financeiras, onde Mojica só conseguiu trabalhos como diretor em produções eróticas,
entre outros causos da vida do diretor, com Matheus Nachtergaele no papel
principal. Semelhança estarrecedora. O próprio Mojica declarou ter ficado
impressionado ao entrar no set de filmagens e ver Nachtergaele trajado à
caráter, como Zé do Caixão. Aproveitando o espaço, deixo aqui uma entrevista com a lenda conduzida pelo pessoal do Podtrash, um podcast altamente
especializado em comentar filmes trash e congêneres. Aposto que para o pessoal
do podcast, foi um sonho realizado. Inveja branca de vocês, guys heheheh.....
Caracterização perfeita |
A minissérie Zé do Caixão
Infelizmente
para as novas gerações, esse fantástico livro, da Editora 34, publicado
originalmente em 1998, já estava esgotado havia alguns anos, até que a Darkside Books entra na jogada e apronta novamente. Sim, a editora da caveira não dormiu
no ponto e adquiriu os direitos de publicação da biografia para editar um
tijolo fantástico de 666 (!!!) páginas. Zé do Caixão, nosso próprio bicho papão
bem brasileiro, estava em casa! A diferença do número de páginas em relação à
edição anterior permitiu que o livro fosse ainda mais ricamente ilustrado do
que sua versão anterior, com fotos ampliadas e muitas outras fotos inéditas. Na
verdade, não somente as fotos, mas toda a parte gráfica do livro é
impressionante, com uma capa belíssima, que captura seu olhar por muitos
minutos. Um pacote à altura para um livro excelente e um tributo mais que
apropriado à vida e obra do Mestre, com todo o conceito visual da edição
perfeitamente alinhado com a obra de Mojica, ou seja, é um livro dark,
imponente, assustador, de meter medo já na capa, e que lembra um grimório de
magia. Além disso, “Maldito, a biografia” possui uma extensa seção, esforço
hercúleo dos autores em
catalogar TODA A OBRA de mojica: seus filmes, curtas
metragens, programas de TV, novelizações, histórias em quadrinhos... Todas
as produções com um grau de envolvimento de José Mojica Marins constam lá. Com esse guia em mãos, só posso desejar uma
coisa: Bom garimpo!
Fui obrigado a comprar pela segunda vez o mesmo livro rs. Obrigado, Darkside.
Termino
esse texto rogando uma singela praga aos leitores da Zona: QUE VOCÊ SEJA ACORRENTADO(A) A UMA CADEIRA DE PREGOS DE FERRO
FERVENTE, E UMA TEVÊ REPRISANDO O ESPECIAL DE NATAL DO ROBERTO CARLOS COM
PARTICIPAÇÃO ESPECIAL DE SIMONE, CANTANDO “ENTÃO É NATAL” ... POR TODA A
ETERNIDADE!!!!, caso não corra atrás de seu exemplar de “Maldito – A biografia”.......
Fica aí duvidando de praga do Zé, fica.... |
BRINCADEIRINHA!!! SEM PRAGAS, VAMOS SÓ PULAR NO SALÃO, ATÉ CAIR!!!!!
A paixão com que esse grande cineasta executa sua obra é arrebatadora!
ResponderExcluirEle tem uma verve intensa e uma visão única!
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