terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

HERÓI NENHUM, de Warren Ellis e Juan Jose Ryp, ou "Heroísmo: agora também em xarope e pastilhas"







Por EDUARDO CRUZ

Dando sequência à trilogia da superhumanidade de Warren Ellis (Já comentamos sobre a primeira mini série, Verão Negro aqui), um conjunto de três mini séries sem nenhuma relação entre si, e que partilham de apenas uma temática em comum entre elas: a condição super-humana e seus desdobramentos e contrastes dentro de vários aspectos da sociedade humana, sobretudo no campo da política e também na religião. Uma tentativa de abordagem realista sobre seres com poderes sobre-humanos interagindo no "mundo real". Herói Nenhum foi originalmente lançada em 8 partes (das edições #0 à #7) entre 2008 e 2009 pela Avatar Press, editora que publica bastante material autoral de Warren Ellis, Garth Ennis, Alan Moore, entre outros distintos roteiristas que fizeram parte da já histórica Invasão Britânica.







Assim como em Verão Negro, podemos resumir o mote filosófico da história em apenas uma pergunta, a pergunta que Ellis joga pro leitor logo na capa da HQ:
"O QUANTO VOCÊ QUER SER UM SUPER-HUMANO?"
Herói Nenhum se passa em um mundo onde super-humanos existem desde os anos 60 nos EUA, época da efervescência da contracultura, das lutas por igualdade e pelos direitos civis. O grupo conhecido como "Os Niveladores" surge para proteger a população da violência policial e do crime de rua, em crescimento desde o fim da guerra do Vietnã. O mentor do grupo é Carrick Masterson, um químico visionário, misto de Timothy Leary e Lex Luthor, que promove a revolução da Era de Aquário riponga à maneira bicho grilo: através das drogas. Porém, com uma diferença: O FX7, a substância que Masterson desenvolve, com base na Triptamina, possui algumas alterações, que ele guarda em segredo do resto do mundo. Sua droga, além de alucinações violentamente realistas e pesadelos vívidos, entre outros efeitos colaterais bem adversos, também concede capacidades super-humanas ao seu usuário, como superforça, poder de vôo, mudança de densidade corporal, projeção de raios de calor, etc. Enfim, o pacote completo. 



Pense numa droga que só dá bad trip... além disso, uma droga que faz ver Ctulhu em pessoa na sua frente é uma droga da qual eu jamais vou chegar perto!!! kkk
Entendeu agora porque o Ellis faz aquela pergunta logo na capa da HQ?

Alguns anos depois, Carrick rebatiza seus Niveladores de A Linha de Frente, mas aparentemente ainda mantendo o mesmo propósito. As décadas passam, gerações de membros do grupo vão e vêm, e nos dias atuais, seus membros estão sendo assassinados misteriosamente. Agora Carrick precisa correr contra o tempo para remontar sua equipe, fragmentada com os sucessivos atentados e descobrir quem está fazendo isso.



Esquina da Haight com a Ashbury, o berço da contracultura sessentista.

É aí que entra em cena Joshua Carver. Josh é jovem, idealista, vegano, tem um condicionamento físico impecável, lê bastante sobre política e sociologia. Ah, e sai à noite para fazer justiça com as próprias mãos, espancando marginais. Joshua está fazendo de tudo para chamar a atenção de Carrick Masterson. E finalmente consegue. Convidado a abrir mão de sua vida e integrar as fileiras da Linha de Frente, Joshua passa pelo "sacramento" e toma o FX7. Apesar de reações adversas horríveis e desfigurantes, a droga funciona e Josh se torna um super-humano. Agora, dentro desse turbilhão que a Linha de Frente se tornou, Joshua (e nós também!) descobre que nada é o que parece, e assim como em Verão Negro, presenciamos uma torrente de morte, caos e destruição como poucas vezes se vê em uma HQ de super heróis... 


"Olha só isso! É como acertar aquele truque da toalha de mesa na primeira tentativa!"

Herói Nenhum, na proposta dos assuntos abordados, é riquíssima: além de trazer mais uma vez para a mesa de debates o transhumanismo, Ellis traça um paralelo entre Os Niveladores/Linha de Frente com o movimento da contracultura, que azedou e teve seus ideais desvirtuados e corrompidos. Além disso, a HQ enfoca questões como justiça e vigilantismo: é considerado justiça apenas o que é realizado pelas autoridades estabelecidas? e se o cidadão resolve praticar justiça por iniciativa própria? 




Apesar de todos esses questionamentos, Herói Nenhum é uma grande promessa não cumprida em sua plenitude. Seu andamento por vezes é apressado, principalmente em sua conclusão, e faltou mais um pouco de desenvolvimento de personagens, mais flashbacks de outras formações da Linha de Frente e mais desenvolvimento no final da trama, apesar do excelente plot twist e seu final apocalíptico. Não estou dizendo que Herói Nenhum é ruim. Muito pelo contrário, é a minha favorita da trilogia super-heróica (talvez por causa da elevada dose de cinismo, onde não há um personagem realmente ético, e é repleta de tons de cinza), mas na minha opinião talvez o problema tenha sido apenas o formato de mini série. Herói Nenhum merecia bem mais que suas oito edições, para ser desenvolvida sem pressa e todos os temas abordados serem entregues de forma mais orgânica na trama. Mesmo assim, é tão divertida quanto Verão Negro, um blockbuster muito bem desenhado - por Juan Jose Ryp, artista de Verão Negro - e recheado de ação, violência e loucura, tudo à moda Warren Ellis de contar histórias.


As capas variantes de Herói Nenhum prestam tributo a algumas HQs já consagradas em vários momentos chave da história dos quadrinhos, como algumas dessas que eu pincei aí embaixo:


















Enfim, a segunda das três mini-séries que engloba o Watchmen de Ellis esmiuçada aqui na Zona. E AQUI a resenha da última mini dessa fantástica trilogia, Superdeus. Até +!!  



FX7 ou "Jujuba de Nietzsche", como é conhecido nas ruas rsrs



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