Por RICARDO CAVALCANTI
O inglês China Miéville é
um dos autores mais badalados do chamado “New Weird” (gênero que
está dando uma nova roupagem à “ficção do estranho” ou
“ficção do bizarro” desenvolvido por autores como H. P.Lovecraft) e que vem ganhando cada vez mais espaço na ficção
científica e fantasia. Apesar de sua aparência ameaçadora,
lembrando muito os Hooligans ingleses, ou um Skinhead mais radical,
esse escritor prova que nada tem a ver com impressão que se tem à
primeira vista, e que a imagem que passa não está nem um pouco
ligada à sua personalidade. Miéville é formado em Antropologia
Social pela Universidade de Cambridge, com Mestrado e Doutorado em
Filosofia do Direito Internacional pela London School of Economics,
professor da Universidade de Warwick, além de um ativo
militante de esquerda e marxista de carteirinha (para alguns, isso
pode soar como um crime).
O autor já teve seu romance
“Rei Rato” lançado por aqui pela Tarja Editorial, mas
infelizmente está esgotado e, quem tem não se desfaz. Agora temos
seu premiado romance “A Cidade e a Cidade” chegando através da
Boitempo Editorial, que vai publicar todos os seus livros no Brasil
(não existe editora que se encaixe melhor no perfil do autor, que a
Boitempo). A obra foi vencedora de vários prêmios, entre eles o
Nébula Award, Arthur C. Clarke Award, Hugo Award (o mais importante
do gênero) e World Fantasy Award, só para citar alguns.
O troféu da World Fantasy Award é a reprodução da imagem do nosso amigo H. P. Lovecraft |
Todo escritor inglês que se
preze, precisava dar uma passadinha na Vertigo para dar a sua
contribuição na revista Hellblazer. Com ele não foi diferente. Na
edição 250, Miéville escreve a história “O Cair da Neve”, que
saiu por aqui na Vertigo #43, lançado pela Panini em junho de 2013.
Para a DC Comics, trouxe sua leitura para o mundo dos Novos 52 de
“Dial H for Hero” (cultuada HQ dos anos 60), chamada apenas de
Dial H. A sinopse já alimenta a nossa curiosidade.“O que
aconteceria se você descobrisse um poderoso artefato que o
transformasse em um super-herói? E se esse dispositivo ameaçasse o
mundo inteiro? As
capas parecem uma mistura de Homem Animal e Patrulha do Destino do
Grant Morrison. Lá fora, chegou a sair uma edição de luxo de 368
páginas com toda a elogiada fase do autor. Ainda nos Novos 52,
escreveu um dos episódios de Vilania Eterna, na Revista da Liga da
Justiça edição #23.3.
Falar sobre A Cidade e a
Cidade não é uma tarefa das mais simples. Como falar sobre uma
história em que, qualquer coisa a ser dita, pode acabar se revelando
pontos importantes da trama? A própria sinopse da editora, já nos
deixa no limite do que deve ser dito. Mas o que podemos dizer sem que
isso diminua seu impacto, é que se trata de um romance policial no
estilo Noir, que a princípio parece mais uma simples história sobre
investigações de um assassinato. A história é narrada pelo
investigador Tyador Borlú, detetive da cidade-Estado chamada Besźel,
que se depara com o corpo de uma mulher não identificada. Nada de
extraordinário em mais um dia de trabalho policial.
Borlú acaba tendo que
continuar a investigação e, aos poucos, percebe que muitas pessoas
poderiam ter motivação para desejar a morte dela. Algumas pistas
começam a surgir e que são um pouco fora do normal. O corpo da
mulher foi encontrado em uma cidade, mas ao que tudo indica, o crime
aconteceu em outra cidade-Estado, Ul Qoma. A princípio, podemos
imaginar que aconteceu algo como a “malandragem” brasileira
mostrada no filme Tropa de Elite 2, em que o batalhão da Maré 2
joga o corpo na área de Maré 1 para diminuir seu índice de
criminalidade, e vice-versa. Mas as coisas são um pouquinho mais
complexas que isso.
São duas cidades muito distantes e muito próximas ao mesmo tempo. Cada uma com sua própria língua, com sua própria moeda, seus próprios costumes, diferentes aeroportos, códigos de discagem internacionais. Tudo completamente diferente e funcionando de forma independente. O que acontece em uma cidade, obviamente não é visto pela outra. Elas não fazem fronteira uma com a outra, mas possuem algo que as liga e conecta. O que ambas têm em comum, além de estarem em um país fictício do Leste Europeu, é apenas um pequeno detalhe: As duas estão no mesmo lugar, ocupando o mesmo espaço físico. As ruas, as praças, os prédios. Os carros andam pelas ruas, desviando dos veículos da outra cidade. Os pedestres fazem o mesmo com os habitantes da outra cidade.
São duas cidades muito distantes e muito próximas ao mesmo tempo. Cada uma com sua própria língua, com sua própria moeda, seus próprios costumes, diferentes aeroportos, códigos de discagem internacionais. Tudo completamente diferente e funcionando de forma independente. O que acontece em uma cidade, obviamente não é visto pela outra. Elas não fazem fronteira uma com a outra, mas possuem algo que as liga e conecta. O que ambas têm em comum, além de estarem em um país fictício do Leste Europeu, é apenas um pequeno detalhe: As duas estão no mesmo lugar, ocupando o mesmo espaço físico. As ruas, as praças, os prédios. Os carros andam pelas ruas, desviando dos veículos da outra cidade. Os pedestres fazem o mesmo com os habitantes da outra cidade.
Não se trata de realidade
paralela. As duas sabem da existência uma da outra. No entanto, ir
de uma cidade para outra, trafegando entre seus limites, não é tão
fácil como se possa imaginar. Você me pergunta: “já que as duas
cidades estão no mesmo lugar, como elas não vêem a outra cidade?”
Bom.. Nesse caso, parte da experiência da leitura está em ir
descobrindo com o desenrolar da trama, o funcionamento, a relação e
a dinâmica entre as duas cidades e seus habitantes; e como tudo vai
fazendo certo sentido, na medida em que a história vai se
desenvolvendo.
Com uma excelente narrativa
recheada de intrigas, suspense e conspiração, China Miéville
ultrapassa as fronteiras de realidades na forma de um romance
policial que toma dimensões extraordinárias, construindo uma
excelente metáfora para o que acontece no dia a dia em nossas
cidades. Mostrando na história (assim como na vida real) que existe
um muro invisível e intransponível, separando cidades dentro da
cidade; um muro que segrega, afasta e exclui. Não se trata de um
proselitismo tendencioso, nem uma doutrinação panfletária. Usar
alegorias para apontar as nossas dissonâncias sociais ou fazer uma
crítica às desigualdades produzidas a partir de nossa interação
com a sociedade é bastante comum na ficção. A sutileza do texto
flui de forma orgânica, além de tornar a leitura extremamente
prazerosa (seja lá qual for a ideologia política de quem lê). Caso
suas convicções destoem da ideologia do autor, não se deixe privar
de ter uma experiência em conhecer sua obra. A não ser que prefira
passar o seu tempo batendo palma para a notícia de que "recessão e desemprego aumentam o poder de compra", ou ficar fazendo
blitz em escolas municipais, para que não seja propagada outra
ideologia que não seja a sua.
“A Cidade e a Cidade” pode ser lido com várias perspectivas diferentes. Você pode simplesmente encarar como uma diferente história policial - com todos os elementos necessários para agradar aos amantes do gênero; pode ser lido como um ponto de reflexão social - considerando de que na história, não é nada tão fantasioso quanto parece; Ou você pode usar como um ponto de entrada para as obras do autor. A "BBC Two" anunciou a adaptação do romance para a TV, tendo o ator David Morrissey interpretando Tyador Borlú. O ator interpretou o Governador em The Walking Dead.
Um importante ponto que deve ser destacado, é a fato de a Boitempo ter escolhido o "quase onipresente" Fábio Fernades como o responsável pela tradução desta obra. Especialista em ficção científica, traduziu grande parte das maiores obras do gênero, como Laranja Mecânica, Neuromancer, 2001 - Uma Odisseia no espaço, a Trilogia Fundação, O Homem do Castelo Alto. Só para citar alguns.
Agora retire a venda dos olhos, saia da cidade e entre na cidade e veja a cidade dentro da cidade, dentro da cidade, dentro da cidade...
“A Cidade e a Cidade” pode ser lido com várias perspectivas diferentes. Você pode simplesmente encarar como uma diferente história policial - com todos os elementos necessários para agradar aos amantes do gênero; pode ser lido como um ponto de reflexão social - considerando de que na história, não é nada tão fantasioso quanto parece; Ou você pode usar como um ponto de entrada para as obras do autor. A "BBC Two" anunciou a adaptação do romance para a TV, tendo o ator David Morrissey interpretando Tyador Borlú. O ator interpretou o Governador em The Walking Dead.
Um importante ponto que deve ser destacado, é a fato de a Boitempo ter escolhido o "quase onipresente" Fábio Fernades como o responsável pela tradução desta obra. Especialista em ficção científica, traduziu grande parte das maiores obras do gênero, como Laranja Mecânica, Neuromancer, 2001 - Uma Odisseia no espaço, a Trilogia Fundação, O Homem do Castelo Alto. Só para citar alguns.
Agora retire a venda dos olhos, saia da cidade e entre na cidade e veja a cidade dentro da cidade, dentro da cidade, dentro da cidade...
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