RICARDO
CAVALCANTI
Por
muitos anos, uma das HQs mais pedidas para ser incluída na lista de
republicações da Panini era “Superman – Entre a Foice e o
Martelo”. Finalmente, depois de um longo e tenebroso inverno
siberiano, resolveram atender aos milhares de pedidos, súplicas e
lamentações de seus leitores. A revista que estava inflacionada no
mercado de quadrinhos usados “raros”, finalmente poderá voltar
ver a luz do sol. Para quem não teve a oportunidade de ler na época,
ou estava esperando a versão encadernada (a versão anterior havia
saído em três edições), está é uma grande oportunidade de
adquirir esta grande obra.
Nascido
da definição do super homem de Nietzsche (da mesma forma que
surgiram Miracleman
e SHAZAM.
Leia Assim
Falava Zaratustra, por exemplo, e comprove), Superman é um
dos personagens mais complicados que existem para se obter êxito em
criar boas histórias. Ele é muito mais um conceito que apenas
músculos e força. É a perfeita definição de o que é um super
herói. Infelizmente nem todos os autores conseguem captar sua
essência e acabam, por muitas vezes, transformando-o em um brucutu
que é somente um amontoado de músculos, força bruta, descerebrado
e sem nenhuma virtude. Ver o personagem quebrando
o pescoço de Zod, matando
o Coringa ou virando
uma espécie de motoqueiro badass, é quase um crime contra tudo
o que ele representa.
Felizmente,
de tempos em tempos surgem umas histórias que conseguem captar o
personagem em toda sua essência: Grandes
Astros Superman
(uma história fantástica, que é na verdade uma declaração de
amor de Grant Morrison ao personagem); Superman -
Paz na Terra (em que ele vê que mesmo com seus superpoderes
não pode solucionar alguns problemas comuns e mais humanos do nosso
dia a dia); Reino
do Amanhã (Apesar de não ser uma história só do Superman, sua
presença imponente mostra quem ele é e o que representa) e Entre a
Foice e o Martelo, são alguns exemplos mais famosos.
Para
quem acreditava que o Superman comunista era somente uma skin do jogo
Injustice -
Gods Almong Us, refere-se, na verdade, a uma história auto
contida que fazia parte da linha Elseworlds (que
conhecemos aqui como "Túnel do Tempo"), e apresentava
histórias fechadas que não faziam parte do "universo e
cronologia regulares" dos heróis, dando mais liberdade aos
autores para reimaginar a mitologia e o universo desses personagens.
Por
aqui, recebemos uma enxurrada de histórias do Batman, como: "Batman
- O Corsário"; "Tempestade de Sangue"; , "Batman & Houdini - A
Oficina do Diabo" e "Um Conto
de Batman - Gotham City 1889" etc. Esta última, inclusive, em que o Batman caça Jack, O Estripador, vai
ganhar uma adaptação e será um dos próximos longas animado da DC.
Enquanto
Philip
K. Dick, com seu "O
Homem do Castelo Alto" imagina um mundo em que os países
do eixo venceram a segunda guerra mundial, Mark Millar, em "Entre
a Foice e o Martelo" imagina como seria se, ao invés de cair
nos Estados Unidos, a nave com o pequeno Kal-El chegasse à terra com
12 horas de diferença, caindo na Ucrânia, durante o regime
comunista da antiga União Soviética.
O
escocês Mark Millar (Nemesis, Superior, O Legado de Jupiter) é o
autor de quadrinhos que teve mais obras adaptadas por Hollywood. Suas
historias normalmente parecem ter saído de uma tela de cinema: Os
Supremos, que serviu de base para o filme dos Vingadores; Old Man
Logan, que gerou o único filme bom do Wolverine;
Guerra Civil; Kick-Ass; O Procurado e Kingsman, que já tem sua
continuação a caminho.
I'M RICH, BABE! |
Lançada
em 2003, essa obra só pôde sair pois não tínhamos mais a
presença da ameaça comunista e já havia sido criado um
novo vilão mundial a ser combatido. Com o fim da segunda guerra
mundial, uma outra guerra se iniciou e que permeou boa parte da
segunda metade do século passado. A divisão do mundo e a disputa
militar, política e econômica entre Estados Unidos e União
Soviética, beirava a uma guerra nuclear que extinguiria a vida
no planeta. O mundo estava em ebulição.
Durante
a guerra fria ter algum tipo de discussão sobre socialismo e
capitalismo era quase proibitivo. Seja pelo assunto tabu, que
despertava "paixões" de um lado ou de outro, seja pela
falta de conhecimento dos principais pontos de vista de cada regime e
seus reais interesses (ainda bem que hoje temos acesso a todo tipo de
informação, nos proporcionando discussões racionais, sadias,
avançadas e embasadas).
Para
quem se interessa pelo assunto [Costinha Mode On], aproveito para dar
uma dica de série que retrata bem aquele período: Deutschland
83. Uma série alemã de suspense e espionagem que se passa no
início dos anos 80, no período pré-Gorbachev.
Diferentemente do que estamos acostumados a ver nas produções
americanas, a sensação do perigo de um ataque nuclear é sentida de
uma maneira diferente e muito próxima. Afinal de contas, o "perigo
mora ao lado", literalmente. Vale muito a pena! [Costinha Mode
Off].
Na
HQ, a descoberta de um super homem alienígena comprometido com os
ideais comunistas, causa uma sensação de terror em boa parte de
população. O anúncio do governo soviético é alarmante:
“Superman: Estranho visitante de outro mundo, que pode mudar o curso de poderosos rios, dobrar o aço com as próprias mãos... e que, como campeão dos proletários, trava uma interminável batalha por Stalin, o socialismo e a expansão internacional do Pacto de Varsóvia.”
Inicialmente,
o Homem de Aço só quer ajudar as pessoas, preferindo ficar longe
das implicações políticas, afinal de contas, ele é só mais um
proletário. Após a morte de Josef Stalin, Superman acaba se vendo
obrigado a assumir o controle do partido.
Após
duas décadas de domínio e controle mundial do "Homem do Amanhã
da Rússia", quase todos os países do mundo se tornaram seus
aliados. Apenas dois ainda resistem e mantêm o sistema capitalista,
mesmo estando à beira de um colapso fiscal e social.
Nesse
cenário, vemos um Lex Luthor que, após ver o surgimento daquela
figura tão poderosa, passa a ter somente um propósito na vida:
derrotar o Superman. O homem mais inteligente
da terra não pode ter sua importância diminuída por um ser de
outro planeta. Para isso, ele não mede
esforços. Com o apoio financeiro do governo americano, Luthor cria
vários seres na tentativa de conseguir exito em seu objetivo.
Bizarro, Parasita e Metallo são só algumas das "armas"
criadas com esse fim. Na verdade, o que ele deseja não é
apenas derrota-lo: ele quer SER o Superman. Apesar dos constantes
embates ideológicos entre os dois, existe uma relação de admiração
mútua. A vida dos dois nunca esteve tão ligada.
Sean Connery, é você??? |
Como
o Grande Irmão, da obra de George Orwell, Superman possui o domínio
total sobre tudo que acontece. Seus opositores e os que incitavam a
desobediência sofrem uma espécie de lobotomia e são transformados
em "robôs" a serviço do Superman. Nesse sistema
absolutista-totalitário imposto por ele, Batman é a foça do
caos, agindo como um anarco-terrorista contra o regime, sendo uma
antítese ao que o Homem de Aço representa e defende.
Enquanto isso, a Mulher Maravilha (que nutre um amor secreto pelo Homem de Aço), deixa Themyscira, se converte ao comunismo e passa a lutar ao lado do Superman pela igualdade no mundo dos homens.
" - Então, como estava a América?"
" - Enojante, Superman. Simplesmente enojante. Estamos em 1978 e ainda há crianças dormindo nas ruas por lá"
As páginas estão recheadas de easter eggs. É muito divertido ficar procurando por eles ao longo da história. Referências ao filme do Richard Donner, a Morte do Superman, a Sala de Justiça do desenho dos Superamigos e até o Elvis podem ser encontrados sem muitas dificuldades. Depois de ler a revista, você pode voltar as páginas e ficar só lendo as figuras.
Mas o Superman apanha do Batman em TODAS as realidades??? |
E você se achando muito moderno com sua barba hipster |
Desconstruir
um ícone e, ainda assim, mantê-lo um ícone é uma tarefa
complicada. A forma com que a história se desenrola em nenhum
momento nos faz deixar de acreditar que aquele é o Superman que
conhecemos. Não só ele, mas todos os personagens tem o seu arco
(mesmo que seja curto) e sua importância. Confesso que me empolguei
bastante com a aparição do Hal Jordan e o momento do Juramento dos
Lanternas Verdes.
A
história passa longe do maniqueísmo a que estamos acostumados. A
divisão entre bem e mal; certo e errado; vilões e mocinhos; fica
tudo em segundo plano. São indivíduos agindo de acordo com suas
convicções, fazendo suas escolhas da maneira que acreditam ser a
correta e, mesmo não concordando, ao se pôr no lugar do personagem,
é possível entender suas atitudes. Esse tipo de profundidade não
costuma ser muito comum nas HQs do mainstream.
Com
um final que nos pega de surpresa, ao fim da leitura vemos que não
estamos simplesmente lendo numa ótima história em quadrinhos.
Estamos diante de uma excelente história de ficção científica,
sem deixar nada a desejar. Me senti extremamente culpado por ter
esquecido do quanto essa história é boa.
A nova edição de Superman - Entre a Foice e o Martelo, além de conter a história completa neste volume em capa dura, também tem vários extras, com destaque para os esboços e artes conceituais dos artistas Dave Johnson, Killian Plunkett e até Alex Ross, que embarcou no projeto para dar uma mãozinha com esse desenvolvimento dos personagens nesta realidade alternativa. Uma bela edição, que nem os colecionadores de lombada vão poder botar defeito!
A nova edição de Superman - Entre a Foice e o Martelo, além de conter a história completa neste volume em capa dura, também tem vários extras, com destaque para os esboços e artes conceituais dos artistas Dave Johnson, Killian Plunkett e até Alex Ross, que embarcou no projeto para dar uma mãozinha com esse desenvolvimento dos personagens nesta realidade alternativa. Uma bela edição, que nem os colecionadores de lombada vão poder botar defeito!
Esboços do camarada Alex Ross |
Esboços do camarada Killian Plunkett |
Esboços do camarada Dave Johnson |
Agora faça uma pausa na sua leitura de O Capital, agarre sua garrafa de vodka, estacione seu Lada no meio da Praça Vermelha e acompanhe o camarada Superman sobrevoando o céu de Moscou.
Essa daí do vídeo está realmente vendo capas vermelhas até de baixo da cama!
ResponderExcluirMuito bom seu texto, cara, Parabéns!!!
Obrigado José Augusto. Nós do Zona Negativa ficamos felizes que tenha gostado. CUIDADO!! ATRÁS DE VOCÊ!!.... Desculpe.. achei que fosse o Karl Marx vestido de vermelho, mas é só o Papai Noel..rs
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