sexta-feira, 25 de novembro de 2016

MISTÉRIOS DO MAL, de Carlos Orsi, ou “O horror de ser brasileiro”




Por EDUARDO CRUZ



De Lovecraft a Poe, passando por King, Barker, Shelley, Rice, Quiroga, Machen, Bloch... enfim, temos um leque gigantesco de opções quando decidimos mergulhar na literatura de horror estrangeira. Dos medalhões óbvios aos obscuros subestimados e novos talentos surgindo aqui e ali, o leitor que souber onde procurar fica abastecido com um estoque de boas histórias do gênero ad infinitum. Agora, aumentando a dificuldade do jogo, se refinássemos um pouco essa busca por literatura de horror, mas nos limitássemos apenas a autores nacionais? Será que teríamos um resultado satisfatório, tanto em quantidade como em qualidade? Admito, para a minha profunda vergonha, que não conheço a maioria dos autores nacionais de ficção científica e/ou terror além do nome, salvo quando tenho a sorte de esbarrar em um ou outro eventualmente em coletâneas e antologias, como a “Ficção de polpa”, que apresentou vários novos talentos em meia dúzia de volumes.  Posso não ter lido nenhum livro de André Vianco, o novo queridinho do horror brasileiro, ou conhecer a temática do horror produzido por André Bozzetto Jr. Mas um autor eu conheço bem: Carlos Orsi.


Carlos Orsi
Orsi, além de escritor, não só de contos, como também de romances, é um jornalista especializado em ciência e tecnologia. Mantém um blog de ciência, cultura e atualidades. Vários de seus contos foram publicados em diversas revistas do gênero, como a Isaac Asimov Magazine, Sci Fi News, Dragão Brasil, e também em antologias de contos, como a já citada “Ficção de polpa”, “Imaginários vol.1”, “Vaporpunk”, “Dieselpunk”, “Solarpunk” e “Rehearsals for Oblivion”, uma antologia de contos norte americana que presta tributo a “O Rei de Amarelo”, de Robert W. Chambers.



Meu primeiro contato com a obra de horror de Carlos Orsi foi há cerca de dez anos. Navegando na internet, não me lembro ao certo como fui parar em um site - e é sempre assim que essas histórias tenebrosas se começam, não é mesmo? - onde conheci “Baal-Zabub” (em breve na Amazon, segundo Orsi comentou com a Zona!), um conto com uma forte influência de H. P. Lovecraft, e com a mesma escala épica de horror cósmico. Fiquei impressionadíssimo com a qualidade da prosa - tanto que quase montei e apresentei um monólogo na faculdade inspirado neste conto - e meu radar para o que Carlos Orsi produz de ficção científica e horror não desligou desde então. Com o tempo, encontrei alguns de seus livros: “Tempos de fúria” (que tem o conto “Planeta dos mortos”, a melhor história de zumbis já cometida aqui no Brasil!) e “Campo total”, ambos coletâneas de contos de Orsi. Esse ano, a editora Draco lança “Mistérios do Mal”, uma coletânea com doze contos. A maioria, como o autor explica no prefácio, datando da segunda metade dos anos 90. Como Orsi é um favorito perene aqui na Zona Negativa, é claro que já lemos e mastigamos esse singelo banquete de atrocidades...

Então, vamos aos contos de “Mistérios do Mal”?



  • Rex Ex Machina: Um conto passado durante os anos de chumbo da ditadura militar, onde, por influência de uma estranha mulher, uma equipe de teatro monta uma peça de “O rei de amarelo”, um clássico da literatura de horror.  História com suspense envolvente, que te prende até o final imprevisível. Admito que muitas referências passaram em branco para mim, pois ainda não li “O rei de amarelo”, falha de caráter que pretendo corrigir em breve, para em seguida reler esse conto. Mesmo assim, gostei bastante.

  • O Mal de um Homem: Um conto sobre um funcionário de uma escola, sua obsessão com a bibliotecária, a descida em espiral rumo ao delírio e à loucura e uma vingança morbidamente cômica ao final. Me senti culpado por rir ao fim da história rs.

  • A Engrenagem Vulgar: Um membro de uma ordem religiosa, com o corpo modificado de formas estranhas para servir à sua fé, se vê às voltas com os dilemas de sua missão “sagrada” e o antagonismo com um antigo companheiro de mosteiro. História muito boa, ao final deu vontade mandar um email pro autor, suplicando para que ele considere a possibilidade de escrever um livro inteiro aprofundando esta trama.
  • O Planeta Vermelho: Um conto futurista, o cenário é o planeta Marte (obóviamente), com um processo de colonização correndo a pleno vapor, até que uma descoberta arqueológica abala as fundações não apenas da nova casa da humanidade, como de todo o sistema solar. Orsi nos entrega um conto cativante com base nos mitos de H. P. Lovecraft, especificamente a entidade Yog-Sothoth. É claro que com uma criatura dessa amplitude envolvida, nada pode acabar bem...
  • A Maldição do Ang Mbai-aiba: Um conto sobre os experimentos de necromancia de um criminoso nazista, refugiado em uma mansão oculta na mata atlântica, e um livro maldito contendo conhecimentos arcanos capazes de acordar os mortos! Ótimo conto!
  • Noite de Samhain: Mais um conto de vingança, mais um flerte com entidades Lovecraftianas. Desta vez Shub-Niggurath, uma das entidades mais terríveis dos mitos de Cthulhu. O final desse conto é extremamente perturbador, e não desejo o destino do protagonista nem ao meu pior inimigo...
  • A Fábrica: Um conto sobre arquiteturas especificamente concebidas para drenar a energia vital dos seres humanos, roubo de cérebros, conhecimentos arcanos e criaturas extradimensionais tão terríveis que apenas o conhecimento de sua existência pode levar um homem à loucura. Deixou gosto de “quero mais”.
  • Estranhos no Ninho: E se o Brasil tivesse recebido outros imigrantes, alguns inclusive não humanos? Neste conto Orsi brinca com o mito da Striga, um misto de bruxa e vampiro, oriunda do folclore europeu. Como de costume, a construção do suspense que leva ao clímax é o que faz a prosa de Carlos Orsi tão prazerosa de se ler.
  • Projeto Cassandra: Um conto sobre alienígenas completamente fora da curva! Aqui descobrimos finalmente o porquê de todas essas abduções que ocorrem há décadas em nosso planeta. Um exercício de imaginação dentro de um gênero já tão cansado. Os fãs de Arquivo X em especial vão se sentir nostálgicos no fim do conto rs....
  • Ora pro Nobis: Uma caçada a um serial killer força um delegado e um padre a formarem uma parceria para investigar o crime, porém detalhes bizarros em cada cena de cada novo crime os fazem acreditar cada vez mais na existência de anjos. E isso não é nada bom... afinal, no antigo testamento, quem eram as criaturas que faziam o trabalho sujo de Deus mesmo?
  • Criaturas da Noite: Após um bizarro assassinato dentro de uma comunidade carente, um repórter se aprofunda em sua investigação dos fatos e descobre O QUE é o assassino. Horror e subtexto pleno de comentário social. Muito bom.
  • Aprendizado: Um conto de fantasia, em um mundo imaginário, onde um grupo de estudantes desafia a visão dominante sobre a configuração de seu mundo, e empreendem uma viagem para conhecer os verdadeiros limites de seu universo. Porém, essa é uma viagem que seria melhor não ter sido feita. Apesar do flerte com a fantasia, Orsi não esquece que esta é uma coletânea de horror e mancha tudo de vermelho no final do conto.

Considero o forte de Orsi o desenvolvimento de seus personagens e da própria história. Além disso, a construção do suspense que leva à conclusão de seus contos também têm um ritmo excelente. Junte isso com sua imaginação para o grotesco, que provavelmente se deve em boa parte à influência de Lovecraft, e temos aí um dos melhores escritores deste gênero em atividade no Brasil. Aqui na Zona já estamos ansiosos pela próxima coletânea de contos, amiguinhos...

De João do Rio a Carlos Orsi, o Horror nacional está sim em excelentes e terríveis mãos!

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