terça-feira, 12 de dezembro de 2017

GHOST WORLD, de Daniel Clowes, ou "O terrível Limbo entre a adolescência e a vida adulta"





Por EDUARDO CRUZ


Existem momentos da vida que são, sei lá... meio nebulosos. Tem aquela época por volta dos dez ou onze anos, em que não somos mais crianças, mas também não dá pra ser classificado como "adolescente" ainda. Não nos encaixamos em mais lugar nenhum, e parece que até pessoas que sempre foram próximas a nós a nossa vida inteira não sabem mais como lidar conosco. Dadas as condições normais de temperatura e pressão, essa época, curta mas ao mesmo tempo interminável, pode variar de difícil a dolorosa, podendo chegar a ser traumática na vida de algumas pessoas. Aí você finalmente entra na adolescência, encontra sua manada e - espera-se - as coisas melhoram um pouco. Você pensa: "Crescer é foda!", e torce pra nunca mais vivenciar algo parecido. Até que no fim da adolescência, você passa por tudo de novo. Só que não é exatamente igual. É pior. Você termina o ensino médio, vai procurar trabalho, mas ninguém te contrata porque se exige experiência, e não dá pra adquirir experiência se ninguém te contrata. Os relacionamentos, tanto de amizades como familiares ou conjugais ficam mais complicados, mas ainda falta experiência para lidar com essas complicações do sempre imprevisível fator humano nesse quesito também, e apesar de se perceber como não mais um(a) adolescente, você ainda se sente a anos luz dos adultos. E pensa, mais uma vez: "É, crescer é foda!". Dessa vez com uma nota extra de fúria e frustração.

Daniel Clowes, por Daniel Clowes

Essas áreas cinzentas da vida são confusas, e o quadrinista indie Daniel Clowes, conhecido por Graphic Novels como Wilson, Paciência e Como Uma Luva de Veludo Moldada em Ferro, todas já publicadas no Brasil, produziu sua obra prima, que enfoca justo esse momento delicado de ingresso à vida adulta. Essa HQ se chama Ghost World. E se você ainda não leu, faça uma favor a si mesmo(a) e leia!








Ghost World, originalmente publicada no ano de 1989 em capítulos na revista Eightball - título onde Clowes publicava suas histórias autorais -, conta a história de Enid Coleslaw e Rebecca Doppelmeyer, duas amigas de infância que terminado o ensino médio, se vêem às voltas com os muitos dilemas desta fase de transição, passando por uma crise existencial e tentando adaptar sua amizade a esse admirável mundo novo do pós ensino médio. O que, a princípio parecia ser todo um universo de possibilidades, acaba se tornando uma torrente de decepções, incertezas, apego à antigas memórias, medo de mudanças, busca da identidade própria e uma sucessão de personagens bizarros gravitando em torno das meninas, e que o próprio autor, no final da HQ, afirma serem pessoas reais. Enid é inteligente, sarcástica e intensa, enquanto Rebecca é um tanto blasé e conformista em certos momentos. Apesar da vontade de permanecerem unidas, cada uma tem um caminho a trilhar.










Como Uma Luva de Veludo Moldada em Ferro, publicada entre 1989 a 1993. O Twin Peaks das HQs.

A graphic novel já havia sido publicada anteriormente no Brasil, com o título Mundo Fantasma pela editora Gal, em formato americano e sem extras, apenas com a história principal. Já a edição especial de 20 anos da editora Nemo vem lotada de extras, com uma introdução do próprio Clowes e tradução do onipresente Érico Assis, além de uma seção com material promocional do filme e outros produtos relacionados à HQ, páginas com esboços originais, capas de edições gringas... tudo compilado em formato magazine (25cm x 19cm) de 144 páginas. Uma edição definitiva desse tesouro da nona arte.

Alguns dos extras da edição da Nemo, que incluem esboços...

... Notas explicativas do próprio Clowes...

... Algumas capas da revista Eightball...

.... E artes promocionais de merchandising.
 


Em 2001, a HQ foi adaptada pelo diretor Terry Zwigoff (que também assina o excelente documentário Crumb, de 1994, sobre a vida e obra de Robert Crumb, o papa dos quadrinhos underground dos EUA), e que aqui no Brasil ganhou o título Ghost World - Aprendendo a Viver :>P. O filme é bastante fiel à HQ, com a adição do personagem Seymour, um quarentão esquisitão, o arquétipo do loser, colecionador de discos antigos de blues, que é interpretado por Steve "Mr. Pink" Buscemi. Em alguns momentos o tom do filme me remeteu à série de TV My So Called Life, ou Minha Vida de Cão, estrelada por Claire Dames Claire Danes e o pior Coringa de todos Jared Leto, e que foi cancelada depois de apenas 19 episódios por ser inteligente demais...



Filme completo. Mas dublado. Foi mal aí...



A Scarlett que me desculpe, mas sou mais a Thora...
Ainda sobre Ghost World - Aprendendo a Viver (e essa mania de bolarem subtítulos esdrúxulos para os filmes aqui, hein? Nossa...), o destaque vai para a trilha sonora, repleta de pérolas obscuras do blues, jazz e até música indiana! Cool sem ser seboso rs.



Sem tramas exageradamente complexas, com uma abordagem sensível e intimista, a HQ Ghost World foca em gente comum (bom, pelo menos a maioria heheh), dúvidas e incertezas com o pé no chão, fala das dificuldades do amadurecimento sem divagar em filosofismos prolixos, e ponderando, acima de tudo, que "Crescer é foda..."











Nenhum comentário:

Postar um comentário