OS PRÓPRIOS DEUSES, de Isaac Asimov, ou "A humanidade estaria mais segura sem a presença do homem"
Por RICARDO CAVALCANTI
A
humanidade necessita de novas fontes de energia. Hoje dependemos
muito do petróleo e seus derivados, que nada mais é que um recurso
limitado de energia e que é consumida em escala cada vez maior.
Responsável por guerras, golpes, assassinatos, disputas políticas e
econômicas, o “ouro negro” é fonte de imensurável riqueza para
um grupo muito restrito. A melhor solução é buscar outras fontes
de energia, de preferência, renováveis. No último século,
buscaram-se novas fontes de energia que pudessem ser usadas em grande
escala. Energia eólica, solar, hidrelétrica e biomassa, por
exemplo, não são capazes de substituir o petróleo. A energia
nuclear poderia assumir esse papel, mas sabemos que costuma causar
sérios problemas. Pegando como base a questão energética que é
um tema tão preocupante para a humanidade, Isaac Asimov nos traz o
que é considerado um dos clássicos do autor: Os Próprios Deuses.
Lançado originalmente em 1972, foi o vencedor do prêmio Nebula
daquele ano e do Hugo Award no ano seguinte. De toda obra do Bom
Doutor, este é um dos livros em que o sexo está mais presente.
Antes da edição lançada pela Aleph, Os Próprios Deuses já
havia sido lançado por aqui anteriormente com o nome de “O
Despertar dos Deuses”, e sai agora com o seu título traduzido
literalmente (The Gods Themselves). Este título se origina de uma
frase do alemão Friedrich Von Schiller “Contra a estupidez, os
próprios deuses lutam em vão?” em sua obra A Donzela de
Orleans, que trazia uma diferente versão para a vida e morte de
Joana d’Arc (Donzela de Orleans, ou Virgem de Orleans também são
formas de se referir à heroína e mártir francesa). A história é
dividida em três partes e cada uma recebe como título, um fragmento
da expressão de Von Schiller.
Na primeira parte, chamada de “Contra
a estupidez...”, conhecemos Frederick Hallan, um físico nada
excepcional, que se depara com a transmutação da matéria se
transformando em energia diante de seus olhos. Por estar no local
certo na hora certa, não precisou fazer nada, a não ser pegar para
si a descoberta, aproveitando para ganhar fama, poder e dinheiro com
a chamada Bomba de Elétrons - uma fonte de energia limpa, com custo
muito baixo e que poderia suprir as necessidades da terra por
centenas de anos. Benjamin Allan Denison, que trabalhava no
escritório em frente, sabia das limitações de Hallan como
cientista, acompanhou de perto a ascensão daquele cientista medíocre
ao status de grande nome de seu tempo e ganhador do Prêmio Nobel,
simplesmente por estar no lugar certo na hora certa. Peter Lamont, um
até então admirador do Pai da Bomba Eletrônica, tenta provar que
tal bomba pode ser muito perigosa e acaba encontrando muita
resistência por parte de quem poderia fazer algo, mesmo que essas
pessoas não se simpatizassem com Hallan, por conta de sua postura de
arrogância e prepotência.
Na segunda parte, chamada de “...os
próprios deuses...” entendemos o motivo de este livro ser tão
admirado. Com a primeira parte bastante ágil, a segunda gera certo
estranhamento inicial. Mas logo esse sentimento se dissipa, ao
entendermos um pouco os para-seres daquela realidade paralela. Asimov
nos apresenta e desenvolve seres que são, principalmente, conceitos.
Os Racionais, os Parentais, os Emocionais e os Duros são alguns dos
seres que fogem do senso comum em retratar outros serem com
característica humanoide. São seres que não possuem forma
definida; podem transpassar a matéria e se fundir a um outro ser,
por exemplo. São estes para-Seres que desenvolvem a maneira de
trocar energia entre os universos. Também naquele universo,
encontram um cenário parecido com o da terra. Enquanto uns se
beneficiam da troca de energia entre as duas realidades, um desses
seres sente o perigo dessa troca aparentemente inofensiva de energia
entre as terras paralelas. A forma com que é feita a comunicação
entre as terras paralelas, é praticamente uma poesia com toques de
fantasia e ficção científica.
Na terceira parte, estamos de volta
à nossa realidade, no capítulo que recebe o nome de “...lutam em
vão?”. A Lua já estava sendo colonizada, tendo pessoas que já
nasceram em solo lunar e que nunca chegaram a pisar na Terra. Os Terráqueos são considerados uma civilização ultrapassada e de
serem dotados de inteligência inferior. Esta nova sociedade que se
firmou desenvolvendo costumes próprios foi ficando cada vez mais
distante culturalmente da Terra. Benjamin Alan Denison, que foi desprezado
e humilhado por Hallan, encontra na Lua uma forma de encontrar
isolamento e distanciamento de tudo que havia acontecido, buscando um
novo começo e encarando como uma oportunidade de esquecer tudo. Logo
que chega conhece Selene, uma espécie de
“garçonete-sensual-inteligente-cientista” (que parece mais uma
personagem criada pela mente fantasiosa de algum adolescente, ou uma
espécie de fetiche para satisfazer os sonhos secretos do próprio
autor). Paralelamente, grupos clandestinos conspiradores que buscam
fomentar a independência da Lua em relação à Terra (em tempos de
Catalunha querendo se separar da Espanha ou sul do Brasil querendo se
separar do resto do país e raciocínios sendo desenvolvidos
separando argumentos de lógica, conseguimos contextualizar bem a
sociedade em solo lunar).
São três historias que se passam em
momentos distintos, que se ligam pela influência de Hallan e sua
Bomba Eletrônica através do tempo (e mundos), repletas de ambição,
vaidade, egoísmo, arrogância e ganância, ignorando os riscos em
lidar com uma energia tão poderosa.
Asimov tratou de alguns temas em
seu livro Escolha a Catástrofe (que pode ser encontrado com
facilidade em qualquer sebo virtual) e entre eles, fala um pouco
sobre a energia atômica. Não se trata de uma ficção, mas sim de
uma reflexão sobre as várias formas com que a humanidade pode se
extinguir e mostrando que algumas delas podem ser causadas pelo
próprio homem. No capítulo em que ele classifica como “Catástrofes
do Quinto Grau”, menciona os riscos de uma energia atômica. Mesmo
o homem sabendo de todo o risco e potencial destrutivo deste tipo de
energia, isso não o impediu de desafiar os limites provocando acidentes
com efeitos devastadores, como em Chernobyl, o vazamento na usina de
Angra e mais recentemente, em Fukushima, no Japão. Com tantas
situações semelhantes, continuamos com a pergunta: “contra a
estupidez, os próprios deuses lutam em vão?”
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Chernobyl |
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