terça-feira, 26 de dezembro de 2017

OS PRÓPRIOS DEUSES, de Isaac Asimov, ou "A humanidade estaria mais segura sem a presença do homem"


  Por RICARDO CAVALCANTI

 

A humanidade necessita de novas fontes de energia. Hoje dependemos muito do petróleo e seus derivados, que nada mais é que um recurso limitado de energia e que é consumida em escala cada vez maior. Responsável por guerras, golpes, assassinatos, disputas políticas e econômicas, o “ouro negro” é fonte de imensurável riqueza para um grupo muito restrito. A melhor solução é buscar outras fontes de energia, de preferência, renováveis. No último século, buscaram-se novas fontes de energia que pudessem ser usadas em grande escala. Energia eólica, solar, hidrelétrica e biomassa, por exemplo, não são capazes de substituir o petróleo. A energia nuclear poderia assumir esse papel, mas sabemos que costuma causar sérios problemas. Pegando como base a questão energética que é um tema tão preocupante para a humanidade, Isaac Asimov nos traz o que é considerado um dos clássicos do autor: Os Próprios Deuses. Lançado originalmente em 1972, foi o vencedor do prêmio Nebula daquele ano e do Hugo Award no ano seguinte. De toda obra do Bom Doutor, este é um dos livros em que o sexo está mais presente. 

 

 

Antes da edição lançada pela Aleph, Os Próprios Deuses já havia sido lançado por aqui anteriormente com o nome de “O Despertar dos Deuses”, e sai agora com o seu título traduzido literalmente (The Gods Themselves). Este título se origina de uma frase do alemão Friedrich Von Schiller “Contra a estupidez, os próprios deuses lutam em vão?” em sua obra A Donzela de Orleans, que trazia uma diferente versão para a vida e morte de Joana d’Arc (Donzela de Orleans, ou Virgem de Orleans também são formas de se referir à heroína e mártir francesa). A história é dividida em três partes e cada uma recebe como título, um fragmento da expressão de Von Schiller. 

 

 

Na primeira parte, chamada de “Contra a estupidez...”, conhecemos Frederick Hallan, um físico nada excepcional, que se depara com a transmutação da matéria se transformando em energia diante de seus olhos. Por estar no local certo na hora certa, não precisou fazer nada, a não ser pegar para si a descoberta, aproveitando para ganhar fama, poder e dinheiro com a chamada Bomba de Elétrons - uma fonte de energia limpa, com custo muito baixo e que poderia suprir as necessidades da terra por centenas de anos. Benjamin Allan Denison, que trabalhava no escritório em frente, sabia das limitações de Hallan como cientista, acompanhou de perto a ascensão daquele cientista medíocre ao status de grande nome de seu tempo e ganhador do Prêmio Nobel, simplesmente por estar no lugar certo na hora certa. Peter Lamont, um até então admirador do Pai da Bomba Eletrônica, tenta provar que tal bomba pode ser muito perigosa e acaba encontrando muita resistência por parte de quem poderia fazer algo, mesmo que essas pessoas não se simpatizassem com Hallan, por conta de sua postura de arrogância e prepotência. 

 

 

Na segunda parte, chamada de “...os próprios deuses...” entendemos o motivo de este livro ser tão admirado. Com a primeira parte bastante ágil, a segunda gera certo estranhamento inicial. Mas logo esse sentimento se dissipa, ao entendermos um pouco os para-seres daquela realidade paralela. Asimov nos apresenta e desenvolve seres que são, principalmente, conceitos. Os Racionais, os Parentais, os Emocionais e os Duros são alguns dos seres que fogem do senso comum em retratar outros serem com característica humanoide. São seres que não possuem forma definida; podem transpassar a matéria e se fundir a um outro ser, por exemplo. São estes para-Seres que desenvolvem a maneira de trocar energia entre os universos. Também naquele universo, encontram um cenário parecido com o da terra. Enquanto uns se beneficiam da troca de energia entre as duas realidades, um desses seres sente o perigo dessa troca aparentemente inofensiva de energia entre as terras paralelas. A forma com que é feita a comunicação entre as terras paralelas, é praticamente uma poesia com toques de fantasia e ficção científica. 

 

Na terceira parte, estamos de volta à nossa realidade, no capítulo que recebe o nome de “...lutam em vão?”. A Lua já estava sendo colonizada, tendo pessoas que já nasceram em solo lunar e que nunca chegaram a pisar na Terra. Os Terráqueos são considerados uma civilização ultrapassada e de serem dotados de inteligência inferior. Esta nova sociedade que se firmou desenvolvendo costumes próprios foi ficando cada vez mais distante culturalmente da Terra. Benjamin Alan Denison, que foi desprezado e humilhado por Hallan, encontra na Lua uma forma de encontrar isolamento e distanciamento de tudo que havia acontecido, buscando um novo começo e encarando como uma oportunidade de esquecer tudo. Logo que chega conhece Selene, uma espécie de “garçonete-sensual-inteligente-cientista” (que parece mais uma personagem criada pela mente fantasiosa de algum adolescente, ou uma espécie de fetiche para satisfazer os sonhos secretos do próprio autor). Paralelamente, grupos clandestinos conspiradores que buscam fomentar a independência da Lua em relação à Terra (em tempos de Catalunha querendo se separar da Espanha ou sul do Brasil querendo se separar do resto do país e raciocínios sendo desenvolvidos separando argumentos de lógica, conseguimos contextualizar bem a sociedade em solo lunar). 

 

 

São três historias que se passam em momentos distintos, que se ligam pela influência de Hallan e sua Bomba Eletrônica através do tempo (e mundos), repletas de ambição, vaidade, egoísmo, arrogância e ganância, ignorando os riscos em lidar com uma energia tão poderosa. 

 

 

Asimov tratou de alguns temas em seu livro Escolha a Catástrofe (que pode ser encontrado com facilidade em qualquer sebo virtual) e entre eles, fala um pouco sobre a energia atômica. Não se trata de uma ficção, mas sim de uma reflexão sobre as várias formas com que a humanidade pode se extinguir e mostrando que algumas delas podem ser causadas pelo próprio homem. No capítulo em que ele classifica como “Catástrofes do Quinto Grau”, menciona os riscos de uma energia atômica. Mesmo o homem sabendo de todo o risco e potencial destrutivo deste tipo de energia, isso não o impediu de desafiar os limites provocando acidentes com efeitos devastadores, como em Chernobyl, o vazamento na usina de Angra e mais recentemente, em Fukushima, no Japão. Com tantas situações semelhantes, continuamos com a pergunta: “contra a estupidez, os próprios deuses lutam em vão?” 

 

Chernobyl

 



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