sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

CAMA DE GATO, de Kurt Vonnegut, ou "Sarcasmo em Doses Cavalares"





Por RICARDO CAVALCANTI



Kurt Vonnegut é o sarcasmo em pessoa. Suas obras estão sempre permeadas de críticas ácidas e engraçadas, que nos fazem se dar conta do absurdo em que vivemos. O autor escreveu obras como “Café da Manhã dos Campeões” (uma história em que aproveita para satirizar questões como guerra, sexo, racismo, sucesso, política, etc.), “Um Homem Sem Pátria” (reunindo várias crônicas do autor, sobre sua indignação com seus compatriotas norte americanos) e seu maior sucesso “Matadouro 5” (em que o personagem viaja no tempo em vários momentos de sua própria história e que chegou a ganhar uma adaptação para o cinema em 1972), que é um livro que aguardo o relançamento ansiosamente em uma versão que não seja aquela famigerada versão pocket. Cama de Gato, que estava fora de catálogo há alguns anos (como grande parte da obra do autor no Brasil), recebe agora uma nova edição pela editora Aleph.







Existem momentos marcantes na história da humanidade e que todos se lembram do que estavam fazendo e onde estavam nesse determinado dia. Todos os que viveram estes momentos, se lembram dos detalhes e das sensações vivenciadas. O 11 de setembro de 2001; a chegada do homem à Lua em 1969; a queda do Muro de Berlim em 1989; a Tragédia do Sarriá em 1982, ou a histórica goleada de 7 x 1 que fez até uma Presidente da República cair (Não! Agora me lembrei... Ela caiu num golpe, com o Supremo e tudo). 





Cama de Gato parte também de um dia marcante que mudou a história da humanidade e nos mergulhou por décadas no terror da guerra fria. No dia 6 de agosto de 1945, colocando em prática o seu Projeto Manhattan, os Estados Unidos nos mostraram como se matar (em apenas um dia) 160 mil civis inocentes de forma totalmente injustificada para forçar a rendição do Japão e ainda conseguir posar de mocinho na história (três dias depois foi lançada outra bomba, em Nagasaki, matando cerca de 80 mil pessoas... UM SUCESSO!!).


Parecem pessoas comuns, mas são terroristas assassinos.


Harry Truman. Um simpático senhor que ordenou a morte de 240 mil pessoas



No livro, acompanhamos Jonah (ou John), que quando mais jovem pensou em escrever um livro sobre o que os americanos ilustres estavam fazendo no fatídico dia do lançamento da primeira bomba no Japão, em Hiroshima. Essa busca inclui tentar conhecer quem eram os cientistas responsáveis pela construção da bomba atômica. Durante esse percurso, John vai esbarrando com personagens que acabam, de muitas formas, mudando completamente sua vida.



Suas buscas acabam levando-o a conhecer uma nova arma e o direciona a um país caribenho comandado por um ditador que declara a proibição de uma inusitada religião. John acaba se deparando com essa nova religião chamada Bokonismo, que apresenta logo na primeira frase de “Os Livros de Bokonon”: Todas as verdades que estou prestes a contar são mentiras descaradas.”




Sem contar que é uma religião que nos mostra a resposta definitiva para grandes questionamentos como: O que um homem sensato espera da humanidade na Terra, dada a experiência dos últimos milhões de anos?”. Para saber a resposta, só lendo o livro mesmo. Só posso adiantar que é de uma simplicidade e uma genialidade sem igual.



Conhecido por sempre usar o discurso antibélico em suas obras e aproveitando para satirizar o mundo ao nosso redor, Vonnegut conheceu a realidade (e a estupidez) da guerra enquanto serviu ao exército americano durante a Segunda Guerra Mundial, chegando a ser feito prisioneiro pelo exército nazista. Essa experiência, certamente mudou (ou aguçou) sua visão sobre esse tipo de conflito. 


O jovem Vonnegut



E proponho a vocês, para prestarmos nossos sinceros respeitos às cem crianças perdidas de San Lourenzo, que passemos o dia desprezando justamente aquilo que as matou: a estupidez e a violência de toda humanidade.

Talvez, para manter viva a lembrança das guerras, devêssemos tirar nossas roupas, pintar o corpo de azul e grunhir como porcos, permanecendo assim durante os quatro dias. Certamente isso seria mais apropriado do que nobres discursos e exibições de bandeiras e armas polidas.”



Não se trata de um livro com uma simplória mensagem pacifista, mas sim uma criativa e forte crítica à política de guerra, causadora de tanta destruição, tanta morte, desgraça e que ainda é responsável por financiar políticos pelo mundo afora, inclusive no Brasil. Ou você acha que quando algum deputado defende o porte de armas para os “cidadãos de bem se defenderem de vagabundos”, fazem isso de graça? Lamento lhe informar, mas a mão invisível que controla o fantoche é a da indústria de armas.




Esteja preparado para altas doses de sarcasmo e ironias acidamente corrosivas. Uma excelente sátira, engraçada e alarmista sobre absurdos que o homem pode desenvolver ao não se preocupar com as consequências de seus atos. Ou será que um cientista, por exemplo, pode fazer tudo em nome de um “progresso”? Tire suas próprias conclusões e aproveite essa ótima obra antiguerra. Se você achar que esse não é o tipo de argumento que você quer, certamente é a obra que você precisa.




2 comentários:

  1. Tem alguma treta envolvendo o Matadouro 5 da L&PM?

    ResponderExcluir
  2. Não tem não, Pedro. Eu só não compro a ideia do formato pocket. Principalmente quando é a única opção disponível. Alguns Livros como "As Veias Abertas da América Latina" do Eduardo Galeano, existem em dois formatos na própria L&PM, mas "Matadouro 5", assim como "Café da Manhã dos Campeões", só existem no formato pocket (existiam, pois ambos estão fora de catálogo).

    ResponderExcluir