Por EDUARDO CRUZ
Um post duplo para manter acesa a chama da treta
“A experiência que eu tenho de vida não é dividida em gêneros; ela é um romance policial faroeste sci-fi horripilante e tragicômica, com um tiquinho de pornografia, se você der sorte.” (PARKIN, Lance. Mago das Palavras: A Vida Extraordinária de Alan Moore, Ed. Marsupial, 2016, p.194)
“Flash-Curiosidade: nosso universo é apenas um de muitos, sendo gestado em hipertempo amniótico. Ele pode até ser um holograma, projetado numa megamembrana chata, a qual, por sua vez, está presa, junto a várias outras iguais, num espaço dimensional superior que alguns cientistas chamaram de “o todo”. No modelo das branas, toda história é uma camada fina como a emulsão de um tecido celestial que flutua em um imenso oceano brahmânico de... metacoisas. Entendeu?(MORRISON, Grant. Superdeuses, Ed. Seoman, 2016, p.136)
Hoje
vamos fazer algo um pouquinho diferente aqui na Zona. Queria falar não sobre um livro nesse
post, mas DOIS. Sim, vai ser um post duplo, e tem uma boa razão pra isso, já
que - por mais que os fãs xiitas de um ou do outro roteirista detestem admitir
- existem tantos paralelos entre Alan Moore e Grant Morrison que nada mais
justo que colocar os livros pra brigarem entre si rs. Ambos os roteiristas são
britânicos; ambos foram ponta de lança da invasão britânica de roteiristas, realizada
através da DC Comics, que levou ao nascimento do selo Vertigo, especializado em quadrinhos direcionados ao público adulto; ambos alegam mexer com experimentos de.... bom, não tem
jeito de dizer isso sem soar insano, então lá vai: Magia!; ambos já foram retratados pelo artista Frank Quitely (como se pode ver nesse post rs); ambos escreveram Watchmen
(mas o do Morrison se chama Pax Americana rs), e os dois
inspiraram o visual do personagem Spider Jerusalém, o protagonista da série Transmetropolitan...
De Moore a Morrison em apenas uma visita ao barbeiro! |
Talvez esse tenha sido o jeito que o Ellis arrumou para deixar claro que "Ei, eu sou amigo dos dois, me deixem fora da treta de vocês, porra!" |
Do
início dessa década pra cá, o mercado editorial brasileiro tem lançado muitas
publicações/republicações de alto valor histórico para os pesquisadores e
entusiastas de HQs britânicas, para ser mais específico com foco nos primeiros
trabalhos tanto de Alan Moore quanto de Grant Morrison. A editora Mythos,
por exemplo, tem publicado atualmente tanto os primeiros trabalhos de Moore
quanto de Morrison na 2000AD, revista britânica que é
passagem obrigatória dos talentos nascidos na terra da Rainha. Junte isso a
publicações anteriores, pulverizadas em várias outras editoras, como Panini e
Devir, e o leitor brasileiro é capaz, como nunca antes, de montar uma bela
bibliografia de ambos os roteiristas, que só tem crescido e se equiparado pouco
a pouco ao volume do que foi lançado lá fora.
Em
2012, além de boa parte de suas bibliografias já publicadas por aqui, vimos
também as biografias do Barbruxão de Northampton e do Carequinha Superstar dos
Comics serem lançadas no Brasil. Alan Moore: O mago das histórias, da
Mythos, e Superdeuses, da editora Seoman, vieram preencher mais uma
lacuna, já que são poucas as biografias de artistas ou roteiristas de HQs
lançadas no Brasil. Pois bem, deixemos um pouco de lado a biografia Alan
Moore: O mago das histórias, que é muito mais um guia visual sobre a
obra de Moore. Uma biografia da bibliografia rs. Não é um livro ruim. Muito pelo
contrário! Mas se vamos fazer biografia VS. biografia aqui no post, precisaremos
de um livro que aborde vida E obra do artista, e Mago das Palavras: A vida
extraordinária de Alan Moore, se enquadra muito melhor nessa Book
Battle hehehe. Então, vamos lá?
A
mais recente biografia de Alan Moore a ser lançada por aqui, Mago das Palavras: A Vida Extraordinária de
Alan Moore (PARKIN, Lance, Ed. Marsupial, 2016), mais do que um apanhado
geral detalhado da vida e obra do roteirista de HQs / escritor / performer / mago,
é uma linha do tempo muito rica que envolve outros roteiristas britânicos e o
panorama geral dos quadrinhos britânicos, especialmente por volta do fim dos
anos 70, época em que Alan Moore, Steve Moore, Jamie Delano, Alan Davis, Steve
Dillon, David Lloyd e muitos outros começavam a se fazer notar em seus
primeiros trabalhos em revistas como 2000AD, Warrior, Eagle,
entre outras publicações, a maioria delas já finada. Vemos também as primeiras
rusgas de Moore no mercado de quadrinhos britânico, relacionadas a direitos
autorais, uma bandeira que o escritor viria a agitar por toda a sua carreira.
“Considero escrever quadrinhos uma coisa tremendamente fácil... num dia normal, trabalhando em ritmo muito tranquilo, consigo fechar um roteiro para cinco páginas. Num dia mais complicado, consigo fazer duas e ainda encerro o expediente de tardezinha... Adoro o que eu faço. O que não é surpresa, pois já limpei latrinas... Creio que sou bem pago. Na verdade, cá entre nós, acho que pagam grosseiramente mais do que eu merecia... Fecho um roteiro para quatro ou cinco páginas em um dia e esse serviço rende entre sessenta e noventa paus. Ainda por cima eu posso comprar uma quantidade absurda de gibi por mês.” (PARKIN, Lance. Mago das Palavras: A Vida Extraordinária de Alan Moore, Ed. Marsupial, 2016, p.82)
Seguindo
cronologicamente, acompanhamos o êxito inicial de Moore no mercado norte
americano, quando ele foi “importado” pela DC Comics para dar um tratamento a
personagens da casa, com destaque para a revista do Monstro do Pântano, título
que assumiu por 45 edições, onde fez cair o fatídico selo de do Comics
Code Authority, que censurava e regulamentava os comics desde os anos
50 (obrigado Dr. Fredric Wertham, o Sergio Moro dos quadrinhos na década de
50!), viabilizando assim a ascensão do Vertigo, selo da DC de quadrinhos
pensados para adultos. Além disso, sua briga por direitos devidos aos criadores
tomou proporções ainda maiores na DC Comics, de onde saiu para nunca mais se
envolver com nenhuma outra grande editora. Posterior a isso, acompanhamos a
última tentativa de Moore com um projeto de grande porte, o selo America’s
Best Comics, que foi fagocitado pela DC Comics alguns anos após sua
criação, o que exacerbou anda mais a velha briga com a editora. Por fim, vemos
o retorno de Moore às editoras pequenas, com obras autorais e independentes, seus
projetos paralelos envolvendo música, performances multimídia e magia, entre outras
idéias que o ermitão barbudo concebeu nesses quase quarenta anos de carreira.
“Esqueçam Watchmen, esqueçam os anos 1980. A gente não precisa de crueza desgraçada e deprê daqui até o fim dos tempos. Foi só um gibi, diabos. Não era pena capital. (...) Hoje, onde quer que eu olhe, há vigilantes psicóticos que matam sem dó nem piedade! Sabe? Sem um pingo da ironia que eu colocava nos meus personagens. E me sinto um pouco deprimido quando parece que eu, sem querer, encetei uma nova era das trevas... agora as HQs passam por uma espécie de niilismo. E tudo bem se você for um adulto inteligente e cínico: você dá risada com tanta violência. Mas se você tiver nove, dez anos, que tipo de valor elas passam?” (PARKIN, Lance. Mago das Palavras: A Vida Extraordinária de Alan Moore, Ed. Marsupial, 2016, p.195,196)
“Não teria como ser sempre pessoas sadias. Há quem faria isso puramente pela empolgação sexual de se fantasiar, outros pela euforia de espancar. Há quem faça por motivações políticas, muitos fazem por altruísmo, mas é certo que haveria uma porcentagem que teria problemas psicológicos dos mais bizarros... Gente que se fantasia de máscara e uniforme tem alguma coisa que não é muito normal.” (PARKIN, Lance. Mago das Palavras: A Vida Extraordinária de Alan Moore, Ed. Marsupial, 2016, p.204)
“A Piada Mortal é outra coisa da qual tenho certa vergonha. Quer dizer, é uma belíssima obra de Brian Bolland, mas, da minha parte, não acho que a história tenha algo de espetacular.” (PARKIN, Lance. Mago das Palavras: A Vida Extraordinária de Alan Moore, Ed. Marsupial, 2016, p.134)
Além
de relacionar toda a obra escrita de Moore, “Mago das Palavras” aborda outros
aspectos da vida de Moore: os principais acontecimentos de sua vida pessoal,
como sua expulsão da escola por porte de drogas, seu envolvimento com performances
artísticas nos Arts Labs nos anos 70, sua crise da meia idade, que resultou em
suas experiências com magia, as brigas com os estúdios de Hollywood (é fato
notório que Moore alega nunca ter assistido a nenhuma adaptação de suas HQs
para o cinema, e odeia todas. O famoso “Não-vi-e-não-gostei” rs), e a polêmica em cima da HQ Marvelman (depois renomeada Miracleman), uma série de acontecimentos tão espinhosa - o autor chegou a se referir ao título com o amigo Neil Gaiman como "Um cálice de veneno", responsável por cortar relações com o artista Alan Davis - que francamente, é um milagre que esse gibi tenha voltado a ver a luz do dia novamente, agora que pertence à Marvel (aliás, vale dizer que esse é um clássico da Marvel? acho que sim, afinal ela pagou por ele rsrsrsrs).
“Minhas lembranças do processo criativo ficaram maculadas pela disputa política mesquinha, pelos egos inflados e, no fim das contas, pelo fato de que meus trabalhos com Marvelman foram publicados contra a minha vontade pela Eclipse Comics. O fato de nunca ter sido pago é secundário ao fato de que pessoas em quem eu confiava comportaram-se de maneira tão miserável. (...) perderam-se amizades ao longo de Miracleman. Aconteceram muitas coisas que azedaram o projeto.”
(PARKIN, Lance. Mago das Palavras: A Vida Extraordinária de Alan Moore, Ed. Marsupial, 2016, p.190)
Como se isso não bastasse, em ambas as biografias, vemos a versão de cada um para o desafeto entre eles, que já dura décadas. Para os polêmicos de plantão, estão aí as peças desse quebra cabeças hehehe:
“Marvelman (posteriormente rebatizada de Miracleman) não ficou totalmente parada. Moore disse a Skinn (Dez Skinn, editor da Warrior) que, por enquanto, não escreveria mais roteiros de Marvelman. Isso em si não era problema – ele já havia entregado roteiros para várias edições -, mas agora Alan Davis adotava a mesma jogada, segurando suas páginas porque não havia sido pago pela última remessa. Skinn estava tentado a explorar pelo menos um outro recurso: um jovem escritor escocês chamado Grant Morrison enviara um roteiro de teste de Kid Marvelman, e Skinn sondou-o a respeito de tornar-se o roteirista regular de Marvelman. Muitos anos depois, Morrison lembraria:
Eu não queria fazer sem permissão de Moore, então entrei em contato com ele e disse: “Pediram para eu fazer isso, mas é óbvio que respeito seu trabalho e não quero fazer besteira, mas também não quero que entre outra pessoa e faça besteira.” E aí ele me mandou uma carta muito bizarra, que lembro que dizia no início: “Não quero que pareça aquele tom sussurrado de assassino da máfia, mas: cai fora.” E a carta era puramente, não, você não pode, entende, nós fazemos muito mais sucesso que você, e se você fizer isso, sua carreira vai acabar, era uma ameaça séria...”
(PARKIN, Lance. Mago das Palavras: A Vida Extraordinária de Alan Moore, Ed. Marsupial, 2016, p. 172,173)
O livro tem uma leitura ágil e dinâmica, e o leitor consegue virar de 50 a 70 páginas por dia sem se dar conta disso. A tradução ficou por conta de Érico Assis - aliás, Assis traduziu os dois livros! -, que já traduziu muitas e muitas HQs nesses últimos anos, então não poderia haver tradutor mais gabaritado para trabalhar neste livro. Os capítulos que discorrem a respeito do processo de produção desta ou aquela HQ são bem interessantes. Ler, por exemplo, sobre como V de Vingança foi criado, todos os percalços e obstáculos que a dupla criativa Moore/Lloyd teve de enfrentar para produzir a história só deu vontade de dar um pequeno intervalo na leitura da biografia e pegar a HQ na estante para relê-la mais uma vez.“Aclamada por público externo ao leitorado tradicional, a HQ (Asilo Arkham) foi muitas vezes descrita como incompreensível, sem sentido e pretensiosa por muitos do lado de dentro, com sua tendência para ficar espinhento quando eu insistia que não havia regras para fazer quadrinhos de super-herói. Alan Moore teve sua revanche quando elogiou o trabalho de Dave McKean mas descreveu o resultado final como um “cocô banhado em ouro”. Isso foi depois, devo dizer, de eu rechaçar Watchmen com crueldade, dizendo que era o “equivalente de 300 páginas a um poema de ensino médio” numa entrevista semissatírica com a revista de moda i-D, portanto me senti impelido a aceitar aquela com um sorriso.”
(MORRISON, Grant. Superdeuses, Ed. Seoman, 2016, p.265)
Uma
única ressalva: alguns pequenos erros de grafia. Uma revisão cuidadosa
resolveria. Esses são pequenos tropeços em uma leitura muito agradável, mas
nada que comprometa a experiência.
No
geral, uma ótima fonte, tanto para os fãs do Moore quanto para pesquisadores de
quadrinhos em geral.
Eu particularmente, me diverti muito com o trecho em que Moore destrincha a tal da "Fórmula Marvel", que pelo jeito, sempre existiu:
“Rob Liefeld. Olha só o nome que você me traz. Eu lembro de quando eu trabalhava para a Awesome Comics – e penso que o nome da editora já devia ter me dado algumas dicas quanto ao que me esperava assim que topei passar da soleira. Lembro que Rob Liefeld me perguntou por meio de um intermediário o que eu achava da arte dele... Tentei ser o mais sincero possível: “Bom, é certo que tem algo na arte que chama a atenção dos leitores, mas a meu ver parece preguiçosa, nunca se vê planos de fundo, todos os personagens parecem iguais, parece que não houve contato algum entre o desenhista e o roteiro a partir do qual ele trabalha. Não há fundos em quadro algum, só um bando de personagens fazendo pose, rangendo os dentes, com cara de determinação.” E acho que a resposta dele foi “(suspiro) Ah, quem dá bola para janelas?”. E acho que isso resume bem a abordagem que ele tem da narrativa em quadrinhos.” (PARKIN, Lance. Mago das Palavras: A Vida Extraordinária de Alan Moore, Ed. Marsupial, 2016, p.136)
Eu particularmente, me diverti muito com o trecho em que Moore destrincha a tal da "Fórmula Marvel", que pelo jeito, sempre existiu:
““(...) a partir de personagens unidimensionais, cuja única característica era se emperiquitar e fazer o bem, Stan Lee fez a grande revolução: personagens bidimensionais. Ou seja, eles se emperiquitam, saem a fazer o bem, mas o coração deles é fraco. Ou são mancos. Cheguei a pensar por muito tempo que ser manco era traço de personalidade”. Como ele disse em outra ocasião, o sucesso da Marvel devia-se à “fórmula popularesca de Stan Lee, de transformar o medíocre em onipotente.”” (PARKIN, Lance. Mago das Palavras: A Vida Extraordinária de Alan Moore, Ed. Marsupial, 2016, p.19,20)
Já
Superdeuses,
de Grant Morrison, é uma biografia do escocês maluco, mas traçando um paralelo com sua personagem
Lord Fanny, é um livro de historiografia da DC Comics travestido
de autobiografia do carequinha. Morrison, que enriqueceu escrevendo Asilo
Arkham, criador de Os Invisíveis, a série autoral mais heterogênea, inteligente e divertida já pensada por um cerumano, é meio pancada das
idéias. Não sabemos se foi um ki-suco estragado que ele bebeu, ou um orégano
fora da validade que ele fumou. O fato é que o cérebro de Morrison foi (sei lá
para onde) e voltou desse jeito aí, escrevendo histórias como Nameless
e Flex
Mentallo, que te obrigam a ser insano como ele próprio para conseguir
entendê-las. Quando leio a maioria das coisas que o Morrison escreveu, me sinto
como um detetive que para capturar o serial killer, fica por horas olhando os
arquivos, tentando pensar como o assassino pensaria para conseguir resolver o
caso. Qualquer hora dessas eu também vou e não volto mais rs.
“Embora cada quadro isolado parecesse posado e anguloso, os personagens eram cheios de vida e carregados de significado. Eles interagiam conosco: nos faziam rir, chorar, sentir medo, ansiedade, entusiasmo. Eram personagens vivos, e sua realidade era o papel e a tinta. Que mundo real era essa fatia de papel do universo DC vivo? Um universo 2D, escondido às vistas de todos, crescendo e respirando numa estranha relação simbiótica com seu público no mundo “não ficcional” logo acima.
Do pouco que havia lido sobre o assunto, concluí que possivelmente estivesse ativando uma espécie de holograma. Materiais inertes preparados por artistas e ativados pelos leitores faziam esse universo ganhar vida e lhe permitiam seguir mais uma semana, mais um mês, mais um ano. Toda vez que interagia com ele, você estava diferente e a reação dele também era ficar diferente. Você via coisas novas, ganhava novas perspectivas. As melhores histórias em quadrinhos nunca deixavam de nos surpreender.
Eu segurava nas minhas mãos 3D uma fatia 2D rebobinável do continuum presente do universo DC em forma de módulo. Parecia haver toda uma nova cosmologia a ser explorada. Minha dedicação ao realismo absoluto era indiscutível, e exigiria dos leitores que reconhecessem o objeto em suas mãos e seu papel participativo em gerar o sentido da história.”(MORRISON, Grant. Superdeuses, Ed. Seoman, 2016, p.259-260)
Arte de Frank Quitely |
Morrison
inicia Superdeuses falando um pouco sobre suas lembranças de infância,
seus pais ativistas pacifistas, seu medo da bomba atômica (o medo de todo
moleque nascido no meio da Guerra Fria) e como foi seu contato com os super
heróis e a Ficção científica. Daí Morrison parte para as eras de ouro e de
prata dos quadrinhos, a criação dos maiores personagens da DC comics: Batman,
Superman, Mulher Maravilha, Capitão Marvel, bem como todas as transformações
ocorridas no meio: a criação da Marvel, a era das trevas, Watchmen, O
Cavaleiro das Trevas, o advento do selo Vertigo, o surgimento da Image
Comics, e é claro, Morrison também discorre bastante sobre suas
criações, autorais ou não: Homem Animal, Asilo Arkham, Os Invisíveis e até
mesmo sobre os X-Men, em sua curta e atribulada passagem pela Marvel, além do tipo de reflexões que só Morrison poderia tecer, como por exemplo, a virtual imortalidade dos personagens 2D:
A cereja do bolo são suas experiências com magia, haxixe e cogumelos mágicos, que culminaram em seu contato com entidades de uma dimensão superior, durante uma ingestão de cogumelos em Katmandu, e que segundo o próprio Morrison, lhe revelaram a natureza da realidade. Posteriormente, essa experiência rendeu a HQ semi-autobiográfica Flex Mentallo (Isso mesmo! Não entendeu Flex Mentallo? Morrison explica na biografia. Não passe mais vergonha rs). Isso explica bastante coisa a respeito de Morrison, em especial para os leitores superficiais que optam por enxergar este roteirista como apenas um Zé Droguinha que escreve quadrinhos:
“Os super-heróis eram de verdade, claro. Eles existiam. Viviam em universos de papel, suspensos no continuum pulp em que nunca envelheciam e morriam a não ser que fosse para renascer, melhores do que nunca, de uniforme novo. Super-heróis de verdade viviam no plano da segunda dimensão. A vida de verdade de super-heróis de verdade podia ser contida em duas mãos. Eles eram tão reais que tinham vida mais longa do que a de qualquer ser humano. Eram mais reais do que eu. Dizem que a maioria dos nomes e biografias humanos é esquecida depois de quatro gerações, mas até o super-herói mais obscuro da Era de Ouro tem chance de ter vida e renome enquanto durar a marca registrada.”(MORRISON, Grant. Superdeuses, Ed. Seoman, 2016, p.255)
A cereja do bolo são suas experiências com magia, haxixe e cogumelos mágicos, que culminaram em seu contato com entidades de uma dimensão superior, durante uma ingestão de cogumelos em Katmandu, e que segundo o próprio Morrison, lhe revelaram a natureza da realidade. Posteriormente, essa experiência rendeu a HQ semi-autobiográfica Flex Mentallo (Isso mesmo! Não entendeu Flex Mentallo? Morrison explica na biografia. Não passe mais vergonha rs). Isso explica bastante coisa a respeito de Morrison, em especial para os leitores superficiais que optam por enxergar este roteirista como apenas um Zé Droguinha que escreve quadrinhos:
“Para descobrir como são as dimensões superiores, só precisamos estudar a relação entre nosso mundo 3D e os quadrinhos 2D. Uma criatura 4D poderia olhar “para” nós através das paredes, das nossas roupas, até de nossos esqueletos. Nosso mundo seria um raio X cubista, e talvez até nossos pensamentos ficariam desnudados ao olhar dela.Como leitores de quadrinhos olhando de uma dimensão superior perpendicular à superfície da página, nós podemos realmente espreitar os pensamentos dos personagens com balões e recordatórios com narração contínua. Também podemos controlar o tempo num universo de quadrinhos. Podemos parar na página 12 e voltar para a página 5 para conferir um detalhe perdido na trama. Os personagens em si vão continuar a encenar seus dramas na mesma sequência linear, indiferentes à nossa perspectiva. Eles só conseguem voltar no tempo com a ajuda de supermáquinas, como a esteira cósmica do Flash, mas podemos ver o Superman de 1938 próximo ao Superman de 1999 sem que as duas histórias entrem em choque, exceto na nossa mente.”(MORRISON, Grant. Superdeuses, Ed. Seoman, 2016, p.140-141)
“(...) Individualmente, humanos não são super, mas o organismo do qual todos fazemos parte como células minúsculas certamente é. A forma de vida que é tão imensa que esquecemos que está aí, transforma minerais de seu planeta em ferramentas para tocar o grande hiato escuro e infinito entre as estrelas ou sonda as pressões aniquiladoras do fundo dos oceanos. Já somos parte de um superser, um monstro, um deus, um processo vivo que é tão abrangente que se torna para uma vida individual o que a água é para os peixes. Somos células no corpo de uma forma de vida singular com três bilhões de anos, cujas raízes estão nos oceanos pré-cambrianos e cuja fiação genética estende-se pelas estruturas vivas de tudo no planeta, conectando tudo que já foi vivo num único e imenso sistema nervoso.”(MORRISON, Grant. Superdeuses, Ed. Seoman, 2016, p.139-140)
“Os super heróis podem ter seu valor maior num futuro em que seres super-humanos de verdade estiverem buscando modelos de conduta. Quando os super-homens do amanhã saírem capengando do tanque, nada melhor do que buscar orientação com Superman. Os quadrinhos de super heróis ainda podem encontrar seu propósito com o realismo social das ficções de amanhã.”(MORRISON, Grant. Superdeuses, Ed. Seoman, 2016, p.140)
Superdeuses não faz muito esforço para dissociar os momentos
autobiográficos de Morrison ou a história da DC Comics, provavelmente porque para
Morrison a DC sempre foi parte integrante de sua própria vida, sendo assim um
elemento indivisível de sua própria biografia. Mais do que apenas um relato
contendo a vida e obra do escritor, em Superdeuses Morrison
nos elucida o porquê de os super heróis norte-americanos trajarem colantes de
cores berrantes com as sungas por cima das calças (caso queiram saber, é por
causa dos artistas de circo: os homens fortes, acrobatas, contorcionistas,
enfim, os verdadeiros portadores de habilidades sobre humanas da época foram a
influência visual por trás dos primeiros heróis dos comics no início do século passado), a evolução das
histórias em quadrinhos – o foco de Morrison é nos norte-americanos, diferente
da biografia do Moore – até os dias atuais, e o reflexo dos ataques de 11 de
setembro de 2001 na indústria de quadrinhos. Morrison também fala um pouco
sobre o maior inimigo que os quadrinhos já tiveram: o Dr. Fredric Wertham (olha ele aí de novo! o desprezo pelo psiquiatra é o elo de ligação Moore/Morrison) e seu
livro, o infame A Sedução do Inocente.
Também discorre um pouco a respeito de como a ficção influencia as mentes de
quem a consome no mundo real, e sobre como os ciclos solares influenciam nas
revoluções da juventude a cada não sei quantos anos (Ei, não avisei que o
Morrison era pirado???)
“(...) Há evidências observáveis que sugerem que o que acreditamos ser verdade afeta diretamente o modo como vivemos. Com o passar dos primeiros anos do século XXI, eu me perguntava como as pessoas, principalmente os jovens, estavam sendo afetados negativamente pelas narrativas da mídia de massa avassaladoramente alarmistas, assustadoras e niilistas, que pareciam cozinhar imagens de morte, terror, guerra, humilhação e dor a ponto de excluir praticamente tudo o mais, com base presumida no fato de que esses tipos de história seriam as que excitam as sensibilidades saturadas dos dementes que consomem entretenimento massivo. Confortáveis em nossas telas sob o olho que tudo vê de Odin, decidimos criar em nossos filhos um gosto por estupros, degradações, violências e assassinos em massa interpretados como heróis “fodões” enlatados e medianos.”(MORRISON, Grant. Superdeuses, Ed. Seoman, 2016, p.462)
No
fim das contas, só dá pra concluir que a relação Moore/Morrison é uma relação
de amor mal resolvida: Os dois se amam, mas não são capazes de admitir rs.
Cada vez que eu olho a capa original de Superdeuses, me dá uma dor no coração pela capa nacional... |
Ou
na verdade os dois são a mesma pessoa. Se retirar toda a cabeleira e a barba do
Moore, se transforma no Morrison. Os dois lados da moeda, as metades da laranja
;>).
Ok, é só uma montagem, mas como John Lennon conclamou um dia: Imagine rs |
Enfim,
brincadeiras à parte, eu acho qualquer polarização extrema uma bobagem e
imaturidade enormes, prova que o indivíduo não é capaz de apreciar duas coisas
diferentes ao mesmo tempo, vide os chorumes que se é obrigado a ler no facebook
quando grupinhos de Marvel versus DC trocam farpas e insultos coletivos. Tanto
Moore quanto Morrison já deixaram sua marca na história da mídia, tanto com projetos
nas grandes editoras quanto em escala autoral, assim como ambos já lançaram
algumas coisas... chamemos de duvidosas, pra manter o nível da conversa rs.
Malandro mesmo é o(a) leitor(a) que lê um sem necessariamente rechaçar o outro,
e ainda sabe distinguir o melhor dos dois. Esse sim é um(a) leitor(a) de HQs
realmente consciente e feliz.
“(...) são os adultos que têm mais dificuldade de separar fato e ficção. Uma criança sabe que os caranguejos de praia não cantam nem falam como os caranguejos d’A Pequena Sereia. A criança aceita todo tipo de criatura estranha e fatos bizarros numa história porque entende que as histórias têm regras diferentes que permitem que praticamente tudo aconteça. Os adultos, por outro lado, debatem-se desesperados com a ficção, sempre exigindo que ela se conforme com as normas da vida cotidiana. Adultos exigem, ridiculamente, saber como o Superman poderia voar, ou como o Batman pode cuidar de um império de negócios multibilionário de dia e enfrentar o crime à noite, quando a resposta é óbvia até para uma criancinha: porque não é de verdade.”(MORRISON, Grant. Superdeuses, Ed. Seoman, 2016, p.76)
Então,
resumindo, quem ganha essa Book Battle??? VOCÊ, se parar com essa
bazingagem de ficar estipulando “Quem é o melhor, Moore ou Morrison?”, e simplesmente
começar a ler as histórias, construir seu gosto pessoal, e por favor,
porfavorzinho, não ficar esfregando ele na cara dos outros como se existisse uma
resposta certa pra essa pergunta...
Me despeço dedicando uma música a estes dois gênios loucos. Até o próximo post!
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