sábado, 17 de setembro de 2016

CLUBE DA LUTA 2, de Chuck Palahniuk e Cameron Stewart, ou "Desculpe o transtorno, precisamos falar sobre Clube da Luta 2"

Por EDUARDO CRUZ








Sejam sinceros: quando Chuck Palahniuk anunciou a sequência de seu livro mais conhecido, “Clube da luta”, vocês sentiram um arrepio de medo, se perguntando “Pra quê?”, ou foi só eu? seria mais uma obra sofrendo do mal dessa década, essa urgência em se revisitar obras (comercialmente ou não) bem sucedidas da cultura pop e extrair mais algumas gotinhas de sangue da obra em questão, seja ela uma HQ, um filme ou um livro? ou ainda haveria sim algo mais a ser dito?


Calma, já respondo isso ali embaixo. Sigam comigo.


De volta à Paper Street...


Seja seu primeiro contato com Tyler Durden e sua sombra (ou seria o inverso?) através do livro, ou como no meu caso, do filme, “Clube da luta” foi uma obra explosiva, recebida com a intensidade de um soco no estômago, ou melhor seria dizer, um murro bem no meio do nariz, daqueles que enchem os olhos de lágrimas involuntárias, forçando a reavaliar a situação e repensar o terreno onde se está pisando, antes que o inevitável próximo murro chegue. O teor anarco-niilista da história cai como uma luva nesses tempos, onde o homem comum é cada vez mais esmagado e desumanizado por regras arbitrárias e sem sentido, e as instituições que guiam as massas nada têm a oferecer ao indivíduo senão modos de vida pré fabricados, que o encerram em seu próprio casulo de alienação, consumismo imponderado e conformidade. O personagem Tyler Durden, seu clube da luta, e um pouco mais à frente, seu projeto caos e destruição, partilham da mesma motivação: criar um mundo melhor a partir da destruição do mundo capitalista. Uma ruptura violenta. Para que o novo se instale, é preciso destruir o antigo. Uma alegoria que não poupa na violência e humor negro para transmitir sua mensagem: o homem precisa repensar a maneira com que se relaciona com o planeta, com o próximo e com si mesmo para continuar seu caminho evolucionário, seja ele qual for. Ou então não haverá caminho algum para ninguém. Niilismo, eu repito.





É ano de eleição!


“Clube da luta 2” se situa dez anos após os eventos do primeiro livro - ou filme - e o narrador/protagonista, sem nome na história original, agora conhecido como Sebastian é casado com Marla, a louca dos grupos de apoio. Os dois têm um filho, Júnior. Voltamos ao início do ciclo do primeiro “Clube da luta”: suas vidas são enfadonhas e sem sentido. A persona de Tyler Durden é mantida sob controle com muitos medicamentos. Muitos mesmo. A todo momento vemos pílulas e comprimidos “espalhados” nas páginas por sobre os desenhos, um recurso visual bacana para ilustrar a rotina química na cabeça de Sebastian. Porém, sem o conhecimento de Sebastian, Marla sabota sua medicação, e vemos que Tyler Durden nunca foi realmente embora, e ainda comanda suas ações do Projeto Desordem e Destruição mundo afora “cinquenta minutos, três vezes por semana, nos últimos dez anos…”, durante as consultas a seu psiquiatra, que libera Tyler com o auxílio de hipnose. Um belo dia dentro dessa rotina, acontece um incêndio criminoso, e lá se vão a casa, a mobília, e o Júnior. Exceto por um detalhe: o corpo encontrado nos escombros do incêndio não é o de Júnior, e sim de um dos seguidores de Tyler. Sebastian sabe disso porque Tyler sabe disso. Isso faz com que Sebastian volte à velha casa caindo aos pedaços na Paper Street, esperando na varanda junto a outros candidatos até ser admitido a se tornar um macaco do espaço, um dos recrutas de Tyler no Projeto Desordem e Destruição, se tornando um infiltrado na organização criada por seu alter ego, em busca do paradeiro de Júnior.





Paralelamente a isso, Marla também empreende sua busca por Júnior com o auxílio dos membros do grupo de apoio que ela frequenta, de portadores de síndrome de progeria (crianças com envelhecimento precoce, uma referência ao conto “Anos de cão”, de seu livro “Assombro” - conto esse com uma reviravolta igual ou mais intensa que a do famigerado “Vísceras”!), seguindo os rastros da organização de Tyler.


******** ATENÇÂO: Spoiler aqui!!!


Uma coisa bem interessante, se formos falar do lado bom de existir um “Clube da luta 2”, seria falar do que exatamente seria Tyler Durden. No primeiro livro, fica bem claro que Tyler é um transtorno mental desenvolvido pelo protagonista, uma segunda personalidade, que agia sem conhecimento ou consentimento dele. Em “Clube da luta 2”, Palahniuk foi mais além e lançou um conceito ousado, fazendo uma espécie de retcon de sua obra: Tyler seria um arquétipo, uma idéia transmitida de pai para filho dentro da família de Sebastian, um conceito tão forte, que sobreviveu à gerações de pessoas de carne e osso, indo parar no fim da linhagem, o filho de Sebastian! Tyler Durden é um meme vivo, uma idéia que cultiva pessoas para se perpetuar, e não o contrário.






Chuck reforça uma verdade que vemos por aí em muitas obras: idéias têm mais longevidade que seres humanos, personagens duram mais que seus criadores. Certamente a obra mais popular de Palahniuk suplantou seu criador - dizem que existem clubes da luta de verdade por toda parte! mas você não ouviu isso de mim rs - e ele brinca com isso em uma sequência à la Homem Animal de Grant Morrison, onde a criação encontra o criador, numa cena que é pura metalinguagem.





Criatura vs. Criador: onde já vi isso antes?

********* FIM DOS SPOILERS



Em “Clube da luta 2”, vemos uma sequência de situações, inclusive que se repetem ciclicamente em relação ao primeiro “Clube da luta”, como, além da destruição do lar do protagonista para marcar o início da jornada, os atos de destruição de patrimônio público e particular perpetrados pelos macacos espaciais (aqui veremos uma maneira simples e barata de profanar obras de arte em galerias com seus próprio fluidos corporais 8>0), e várias outras que, sem entregar tudo aqui, vão dar uma sensação de déjà vu em relação ao “Clube da luta” original. Foi como assistir ao novo filme das Caça fantasmas, e perceber que é basicamente a mesma história do original, com poucas diferenças, ou assistir o episódio VII de Star Wars e ver que é uma repaginação do episódio IV, com algumas modificações.





No primeiro livro, a revolução de Durden pregava a transformação do meio, mesmo que através de métodos radicais. Em “Clube da luta 2”, a revolução de Palahniuk nos convoca a uma transformação interna, subjetiva, o que denota-se pela quantidade de metáforas e sequências metalinguísticas e surreais, e que certamente não vão agradar à maioria dos leitores que esperavam a visceralidade e o texto cru do primeiro livro. Porém, a quem se propuser a passar por cima de quaisquer expectativas pré concebidas, pode encontrar suas próprias soluções e respostas em uma obra assim tão aberta. O retorno de personagens do primeiro livro, alguns aparentemente liquidados na trama do primeiro livro, como Robert Paulson, a paciente em estado terminal Chloe e o Cara de Anjo (no filme interpretado por Jared Leto) também é algo que levantou mais um “por quê??” durante a leitura, sinto dizer. No pior de tudo, valeu também pela experiência de, após ler tantos livros do Palahniuk, reconhecer a narrativa dele em uma HQ, sem perder sua característica e ver como ele aproveitou bem as possibilidades que uma HQ permite. Vejamos se ele volta a escrever algum roteiro de HQ no futuro. Em uma forma de arte complexa, em que o criador tem que controlar tanto as palavras quanto cada detalhe visual da cena, ele se saiu bem pra um novato na mídia.

A arte do excelente Cameron Stewart é um show à parte. Criou a caracterização de cada um dos personagens sem se ater aos traços físicos dos atores que os interpretaram no filme. Você sabe quem é cada um deles sem muito esforço. O que a Panini está fazendo que ainda não publicou “Seaguy” por aqui, a HQ que Stewart desenha em conjunto com o roteiro de Grant Morrison?


Jovem! se você compra gibis para ver tetas balançantes, essa é pra você!

Destaque também para as capas de David Mack, ilustrador conhecido principalmente por seu projeto autoral, “Kabuki”, e que fez as capas das séries “Demolidor” e “Alias” da Marvel Comics. Mack, com seu estilo único, é um desses artistas sui generis, aqueles impossíveis de imitar e que ao batermos o olho automaticamente sabemos de quem se trata, como ver um trabalho de Bill Sienckiewicz.


Capas de David Mack


A edição brasileira, da editora Leya, é o que eu e alguns amigos convencionamos chamar de “formato paraguaio”, algo maior que as dimensões de um livro comum e menor que o formato americano, 23cm x 15,5cm, pra ser exato. Capa cartonada e um papel couchê fosco. Além da mini série completa, essa edição nacional tem uma espécie de adendo ao primeiro clube da luta, onde algumas cenas chave são quadrinizadas, e o final do livro, mostrado em imagens pela primeira vez. Pra quem ficou confuso com aquele último capítulo na primeira vez em que leu o livro (como eu hehe ;>) ), falando sobre estar no “Céu” e “Deus” e seus diplomas na parede, agora está tudo ali, mastigado.


Eu particularmente vejo “Clube da luta”, tanto o livro quanto o filme, como o primeiro “Matrix”: uma história perfeitamente autocontida, com um final em aberto excelente, em que soube-se a hora exata de parar de contar a história. Na minha “cronologia pessoal”, assim como existe apenas “Matrix”, sem levar as continuações em conta, creio que vou adotar o mesmo protocolo com relação a “Clube da luta” heheheh


Entendeu ou quer que desenhe?

Então, respondendo à pergunta lá em cima, aqui na Zona disputamos em uma lutinha amigável pra ver quem faria essa resenha. Depois de perder 6 dentes, quebrar o dedo anelar da mão esquerda, fraturar três costelas, estirar o ligamento da patela, além de muitas luxações e hematomas, e de uma provável concussão, a honra da tarefa ficou para mim, o vencedor. Vendo por esse ângulo, acho que não valeu muito a pena. Mas, de qualquer forma, vocês deviam ver como ficou o outro cara...





Então é isso meus macaquinhos do espaço! para quem se dispuser a dar um confere em “Clube da luta 2”, não se esqueçam de raspar suas cabeças, preparar a mala com duas camisetas pretas, dois pares de calças pretas, um par de coturnos pretos, dois pares de meias pretas e um casaco preto pesado. Ah, e não se esqueçam também dos $300 para o seu funeral, e de não falar sobre isso.




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