terça-feira, 9 de janeiro de 2018

UM PEQUENO ASSASSINATO, de Alan Moore e Oscar Zaráte, ou "A fina arte de se auto-perdoar-se a si mesmo"




Por EDUARDO CRUZ


"Então segui esse caminho tortuoso e ele acabou sendo inspirador. Queria saber o que poderia acontecer se trabalhasse de maneira diferente com um artista. E, sim, acredito que seja um dos meus trabalhos mais literários. É uma das obras mais importantes para mim como escritor, pois estava entrando em um novo território. Sinto que estava tentando criar algo inegavelmente adulto, depois de todos os super-heróis que havia escrito."
Alan Moore 



Em 1991, Alan Moore estava com tudo: Havia conseguido migrar da pequena 2000AD para a gigante DC Comics, ganhando mais e tendo um prestígio cada vez mais crescente entre colegas e leitores. Moore tinha em seu currículo uma ótima passagem pelo título do Monstro do Pântano, colocando o personagem num patamar de importância inédita dentro da editora, status que permanece até os dias atuais, a despeito das tentativas de outros roteiristas menos competentes de reverter isso. Ao fim dos anos 80 Moore também tinha em seu currículo HQs indispensáveis, como Watchmen, V de Vingança, A Piada Mortal e Miracleman. Moore já havia ficado grande. Bem grande. Mas de saco cheio de trabalhar para as grandes editoras escrevendo histórias de super heróis Ianques, vide sua briga com a DC. Então, para onde ir agora? só restava uma direção: Trabalho Autoral!!!


Um Pequeno Assassinato, ao contrário do que a gente pode concluir precipitadamente, é uma idéia que partiu do artista espanhol Oscar Zárate e não de Moore. Claro, a química entre os dois foi excelente e a colaboração redondinha de ambos chegou a esse resultado final, mas o argumento, a essência da história veio a partir de uma idéia do artista. Aqui, o roteirista ajudou, e muito, a polir as arestas e dar uma cara mais "Mooreana" ao produto final, mas não endeusem só o Moore dessa vez. Um Pequeno Assassinato é um legítimo trabalho colaborativo. 


"Além disso, Alan é um ótimo ouvinte. Com ele, voce chega a um ponto em que não sabe mais onde as idéias de uma pessoa começam e as da outra terminam. Por exemplo, ele frequentemente usa coisas que eu não havia expressado e que, no entanto, achava que deveriam estar na história."

Oscar Zárate

A arte de Zárate varia de acordo com a situação: se identificam o tempo presente, os flashbacks e delírios surreais do protagonista pelo visual das cenas, que diferem entre si. A parte da história passada no "presente", por exemplo, é carregada de tons muito quentes e vivos, lembrando muito a escola de arte Fauvista. Já os flashbacks são páginas com a pintura levemente esmaecida. então não vá reclamando que algumas páginas tiveram defeito de impressão. SejE mais sensível!!! :>)))).


 
Todos nós possuímos ideais e convicções pessoais, mas será que realmente nos mantemos fiéis a elas? Estamos preparados para abrirmos mão de nossos princípios? E quando foi a primeira vez que cometemos um deslize moral em nossas vidas? Somente os adultos pecam? Essas são algumas perguntas que surgem na mente do leitor no decorrer da leitura de Um Pequeno Assassinato. Timothy Hole é um publicitário bem sucedido, galgando essa grande espiral ascendente em sua carreira, e ele tem um novo desafio: Precisa desenvolver uma campanha publicitária do refrigerante Coca-Cola Flite em uma Rússia pós queda do regime Comunista, sedenta por todo um mundo de consumo que se abre para sua população. Entretanto, seu processo de criação e inspiração é interrompido por visões de um estranho menino, o qual parece só ser visto por Timothy. Essas visões e os "acasos" da trama acabam por levá-lo a uma revisitação de seu passado, onde ele acaba passando por um processo de auto (re)descoberta, que lhe revela que seu passado não foi assim tão inocente. Seus pequenos pecados, suas negligências, vacilos, as infidelidades, as pessoas que Timothy teve que abandonar ou passar por cima para construir sua carreira... enfim, todos os pequenos assassinatos que ele cometeu ao longo da vida, inclusive - e acima de todos - o de sua própria essência.



Essa edição nacional, publicada pela editora do pessoal do canal Pipoca e Nanquim, é uma belezura. Nos vídeos do YouTube eles alardearam orgulhosamente o layout do gibi, o acabamento primoroso da edição, a capa texturizada e o papel de alta gramatura, tudo com razão. O canal do trio é um dos poucos bons canais do YouTube sobre quadrinhos e cultura pop que realmente agrega informações relevantes para quem assiste, em meio a toda aquela massa amorfa de youtubers mais do mesmo, e na editora deles os rapazes não fizeram diferente! Optando por publicar material pouco conhecido no Brasil, mas com relevância inquestionável, a Editora Pipoca e Nanquim escapa do óbvio e joga uma luz em HQs tão relevantes e de qualidade quanto um Maus da vida, mas que careciam de mais divulgação para cair no gosto do público brasileiro. Bom, no que depender do trio Pipoca e Nanquim, isso vai mudar. Com um catálogo de cinco HQs e um livros publicados, já dá pra se ter uma idéia do que esperar deles. Uma dica: É tudo que as outras editoras não estão dando atenção. Pior pra elas, melhor pro Pipoca e Nanquim. E para nós. Quando os verdadeiros fãs estão no comando, espere por coisa boa.


A euforia no olhar de quem está fazendo bonito e escrevendo um capítulo na história editorial do Brasil...
Uma história despretensiosa e minimalista sobre redenção, sobre perdoar a si mesmo, se reinventar e seguir em frente, Um Pequeno Assassinato é indispensável para os fãs de Alan Moore, essencial para os apreciadores de uma boa HQ independente sem firulas, cronologias e mega sagas e uma das ótimas surpresas de 2017 para quem, assim como eu, tem curiosidade sobre os trabalhos de Moore ainda não publicados no Brasil. Quem sabe agora que o Bruxão anunciou sua aposentadoria dos comics, a gente não consiga alcançar os gringos e ter toda a bibliografia do Rouxinol de Northampton na estante? Depois de ter conseguido completar Miracleman, com a ajuda da Dona Panini, já não duvido de mais nada...

"Também queria sugerir que, de forma geral, da mesma maneira que um indivíduo pode encarar seu passado e se redimir, talvez a mesma coisa possa se aplicar a uma cultura como um todo. Talvez se as grandes potências mundiais, como os Estados Unidos, e em menor escala a Grã-Bretanha, pudessem admitir as coisas que fizeram para chegar onde chegamos, se pudéssemos olhar nossa própria história sombria nos olhos, talvez pudéssemos ter a chance de deixar tudo para trás e avançar para o futuro, para o progresso."
Alan Moore






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