Por
RICARDO CAVALCANTI
Philip
K. Dick é O CARA!
Não é a toa que ele é um dos autores “preferidos da casa” aqui na Zona Negativa (como diria o
“Reverendo” Fabio
Massari, nos bons tempos da
MTV). Além disso, é um dos autores de ficção científica com mais
adaptações de suas obras para o cinema. Mesmo quem nunca leu nenhum
de seus livros ou contos, mesmo sem saber certamente já teve
contato com algumas das
inúmeras produções cinematográficas que saíram das páginas e da
mente criativa do autor. Duvida? O Vingador do Futuro, Minority Report, O Pagamento e O Homem Duplo são apenas alguns desses
exemplos.
Como
se não bastasse o cinema, agora a TV está começando a descobrir
que as histórias de PKD podem também ser adaptadas em formato de
série. Já está na segunda temporada a série The Man in the High Castle, baseado no livro O Homem do Castelo Alto, que
mostra uma realidade alternativa em que os nazistas venceram a
segunda guerra mundial. Além disso, uma nova série acabou de
estrear, chamada Philip
K. Dick’s Eletric Dreams,
em que os episódios são baseados em alguns de seus contos. Pelos
primeiros episódios, a série se mostrou bastante promissora.
Apesar
de Philip K. Dick ser um dos nossos autores favoritos aqui no Zona Negativa,
não entendo o por quê de não termos falado sobre ele ainda. Uma omissão inexplicável e
imperdoável que se resolve agora trazendo um dos livros mais
conhecidos do autor e que também serve muito bem como porta de
entrada para esse mundo que Dick construiu. Seu livro Andróides Sonham com Ovelhas
Elétricas? ficou famoso por ganhar uma excelente adaptação nas
mãos do diretor Ridley Scott, batizada de Blade Runner – O
Caçador de Andróides. Blade Runner, juntamente com 2001: Uma Odisséia no Espaço, se tornou umas das mais respeitadas obras de ficção
científica da história do cinema. Assim como o livro de Arthur C.
Clarke e o filme de Stanley Kubrick se fundem e se completam, o mesmo
ocorre com o universo estabelecido por Philip K. Dick, que se amalgama
com a visão do diretor Ridley Scott.
Em Androides
Sonham com Ovelhas Elétricas acompanhamos Rick Deckard, que é um
caçador de recompensas que trabalha para a polícia. Seu sonho de
consumo é poder comprar um animal de verdade, que lhe renderia
status perante a
sociedade. Sua esposa passa boa parte do tempo no emulador de emoções
(seria uma forma de camuflar
seu notório quadro depressivo, ou uma maneira de programar o seu
“cérebro” de androide?),
além de ficar boa parte do tempo assistindo Buster
Gente Fina, que
é uma espécie de programa de
variedades em que o apresentador parece tudo, menos humano (assim
como se vê em qualquer programa de auditório dominical, por
exemplo ;>)).
A
história se situa depois da Guerra Mundial Terminus, que ninguém
mais lembrava quem venceu ou quem perdeu. A Terra ficou coberta por
uma poeira tóxica, fazendo com que aos poucos os animais começassem
a morrer até se tornarem praticamente extintos. Marte é colonizado
e a alta casta da sociedade é incentivada a migrar para colônias
interplanetárias, recebendo um androide orgânico (como os modelos
T-800 de O Exterminador do Futuro) como forma de incentivo e para lhes
auxiliar no que for necessário. Lá, quem faz o trabalho pesado são
os imigrantes ilegais, digo, os androides construídos para este fim.
Os
androides
não são permitidos na Terra, relegados a realizar os
trabalhos a que forem designados nas colônias. Com a chegada ao
mercado de um novo modelo batizado de Nexus
6, muito mais avançados
tecnologicamente, a tarefa de distinguir entre humanos e robôs fica
muito mais complicada, por conta de sua impressionante semelhança
física com os humanos. Quando começam a tomar consciência de suas
reais capacidades e a perceber e entender a realidade em que vivem,
alguns fogem para a Terra a fim de viver como humanos, se
beneficiando dessas características físicas. Após a fuga de alguns desses
andróides,
Deckard é designado para caçá-los, e é quando a história de
desenrola.
Durante
todo o desenrolar da narrativa, o que pulsa em nossas cabeças são
questionamentos do tipo: O que diabos, exatamente, é a humanidade? Ela pode ser emulada? ser humano é nascer humano? Gostos, vontades, desejos, sonhos, ambições... Se somos a soma das
coisas que vivemos e experimentamos, no que nos transformaríamos se memórias
artificiais fossem implantadas em nossas mentes? Não teríamos
como saber que não são lembranças verdadeiras! Você saberia afirmar com certeza absoluta que você é um ser humano, e não um androide com memórias
implantadas para pensar que é um humano??? Você saberia distinguir o
que é real? ou melhor, saberia definir O QUE é realidade? Esses são os questionamentos que costumam permear
as histórias de Philip K. Dick e isso é justamente o que torna suas
histórias tão fascinantes (e indigestas!).
Seria
Deckard um androide tentando ser cada vez mais humano? Seria ele um
humano que não tem mais certezas de sua própria humanidade? A
pergunta do título, que no primeiro momento soa um pouco estranha e
sem sentido, faz com que durante a leitura, criem-se mais
questionamentos que respostas. Não se pode afirmar categoricamente
que Deckard é um androide, nem que ele é humano. O próprio
personagem não tem essa convicção. Seria a consequência de novas
memórias implantadas? Seriam por conta de uma nova programação? Ou
será que ele estava simplesmente esgotado demais, física e mentalmente, para
não conseguir distinguir entre o que é real e o imaginário?
Estaria ele, como androide, emulando o comportamento humano? Pode-se
dizer que sim. Estaria ele, como humano, se aproximando mais do
comportamento de um androide? Também pode-se dizer que sim!
Independentemente da resposta, o que vemos é um ser com suas
convicções abaladas. Seja ele humano ou androide.
Para
aqueles que buscam uma história cheia de tiros, explosões, com
muita ação e correrias vertiginosas pelo futuro, tendo um
protagonista sendo a síntese do conceito de super-herói, esse não
é o livro para você. Ou melhor: talvez esse não seja o autor para
você. As ações e correrias vertiginosas acontecem dentro da psique
dos personagens. Philip K. Dick nos tira da nossa zona de conforto,
nos entregando uma história sensacional de um homem em seu labirinto
psicológico e sua fuga constante para evitar conseguir descobrir
quem é (ou o que é).
Este
é o tipo de livro que cresce a cada leitura. Cada vez você volta
àquele cenário, pode perceber mais sutilezas e nuances do texto, te
fazendo imergir cada vez mais naquele ambiente e, consequentemente,
na mente do autor. Questões filosóficas, ideologias religiosas,
desejo por uma ascensão social, inconformismo com situação
degradante que lhe é imposta, a busca por uma nova vida em um outro
lugar são algumas das questões fazem
pano de fundo para
a história. Talvez a única
coisa que possa ser considerada essencialmente errada na obra (não
por culpa de PKD), é que Deckard identifica quem é e quem não é
humano através da capacidade de mostrar empatia. Hoje está cada vez
mais claro que conseguimos identificar o humano através do ódio.
Afinal, o ser
humano é o único animal capaz de odiar. O ódio que segrega e
agride covardemente é o mesmo que une alguns grupos, como vimos em
Charlottesville ou na reação a qualquer postagem no Facebook
relacionada a questões de direitos humanos, por exemplo. Mas isso
não é discussão para o momento.
Para
comemorar os 50 anos do lançamento de uma das obras mais icônicas
de Philip K Dick, a Editora Aleph resolveu dar um tratamento
caprichado nesta nova edição. Com acabamento em capa dura, com uma bela sobrecapa envernizada e
recheado de extras e ilustrações de diversos artistas (como Dave
Mckean, Elena Gumeniuk, Bianca Pinheiro, Danilo Beyruth e Gustavo
Duarte, por exemplo), além de um texto analisando os vários
cenários pós-apocalípticos criados por PKD. Certamente vai fazer a
alegria dos admiradores do autor e vai servir como um ótimo cartão
de visita para os que ainda não o conhecem.
Neste
ano se comemoram também os 35 anos do lançamento da adaptação
cinematográfica e por conta disso, foi lançada a continuação da
história do filme de 1982.
Confesso que encarei com muito ceticismo essa ideia. Mas felizmente
acabou se mostrando um ponto
fora da curva, revelando uma
obra como se vê pouco hoje em
dia. Além de possuir uma fotografia de encher os olhos, o
filme é cheio de sutilezas e
chega a tocar temas delicados, como escravidão e trabalho infantil.
O que se pode dizer é que o filme é no mínimo corajoso, por escapar
da armadilha de tornar a continuação uma franquia seguindo uma
fórmula de fácil assimilação pelo grande público. Assim como o
filme anterior, Blade Runner 2049 não foi bem nas bilheterias. O que
não é nenhum demérito, pois o melhor filme de 2015, Mad Max:
Estrada da Fúria, também foi um fiasco nas bilheterias,
principalmente se compararmos com o seu custo. Mas como diria Marty
McFly: “Acho que vocês
ainda não
estão preparados para isso, mas seus filhos vão adorar!”
Agora corra para contemplar os Rios-C cintilando na escuridão junto ao Portal de Tannhauser, antes que tudo se perca no tempo, como lágrimas na chuva.
Agora estou confiante para assistir o filme e já estou seguindo a página dele!
ResponderExcluirMuito boa história! Eu também amo o filme Blade Runner, e também gostei da sequela. Você já viu? Eu fiquei muito animada quando eu vi o trailer do segundo filme no ano passado. A verdade sempre acompanhei a saga, e quando vi o Blade Runner dublado amei. Mais que filme de ficção, é um filme de suspense, todo o tempo tem a sua atenção e você fica preso no sofá. Esse é um filme que se converteu em um dos meus preferidos. É algo muito diferente ao que estávamos acostumados a ver. Recomendo!
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