quinta-feira, 9 de novembro de 2017

ANDROIDES SONHAM COM OVELHAS ELÉTRICAS?, de Philip K Dick, ou "Você Realmente É Quem Pensa Que É?""






Por RICARDO CAVALCANTI


Philip K. Dick é O CARA! Não é a toa que ele é um dos autores “preferidos da casa” aqui na Zona Negativa (como diria o “Reverendo” Fabio Massari, nos bons tempos da MTV). Além disso, é um dos autores de ficção científica com mais adaptações de suas obras para o cinema. Mesmo quem nunca leu nenhum de seus livros ou contos, mesmo sem saber certamente já teve contato com algumas das inúmeras produções cinematográficas que saíram das páginas e da mente criativa do autor. Duvida? O Vingador do Futuro, Minority Report, O Pagamento e O Homem Duplo são apenas alguns desses exemplos. 
 



Como se não bastasse o cinema, agora a TV está começando a descobrir que as histórias de PKD podem também ser adaptadas em formato de série. Já está na segunda temporada a série The Man in the High Castle, baseado no livro O Homem do Castelo Alto, que mostra uma realidade alternativa em que os nazistas venceram a segunda guerra mundial. Além disso, uma nova série acabou de estrear, chamada Philip K. Dick’s Eletric Dreams, em que os episódios são baseados em alguns de seus contos. Pelos primeiros episódios, a série se mostrou bastante promissora. 
 



Apesar de Philip K. Dick ser um dos nossos autores favoritos aqui no Zona Negativa, não entendo o por quê de não termos falado sobre ele ainda. Uma omissão inexplicável e imperdoável que se resolve agora trazendo um dos livros mais conhecidos do autor e que também serve muito bem como porta de entrada para esse mundo que Dick construiu. Seu livro Andróides Sonham com Ovelhas Elétricas? ficou famoso por ganhar uma excelente adaptação nas mãos do diretor Ridley Scott, batizada de Blade Runner – O Caçador de Andróides. Blade Runner, juntamente com 2001: Uma Odisséia no Espaço, se tornou umas das mais respeitadas obras de ficção científica da história do cinema. Assim como o livro de Arthur C. Clarke e o filme de Stanley Kubrick se fundem e se completam, o mesmo ocorre com o universo estabelecido por Philip K. Dick, que se amalgama com a visão do diretor Ridley Scott.




Em Androides Sonham com Ovelhas Elétricas acompanhamos Rick Deckard, que é um caçador de recompensas que trabalha para a polícia. Seu sonho de consumo é poder comprar um animal de verdade, que lhe renderia status perante a sociedade. Sua esposa passa boa parte do tempo no emulador de emoções (seria uma forma de camuflar seu notório quadro depressivo, ou uma maneira de programar o seu “cérebro” de androide?), além de ficar boa parte do tempo assistindo Buster Gente Fina, que é uma espécie de programa de variedades em que o apresentador parece tudo, menos humano (assim como se vê em qualquer programa de auditório dominical, por exemplo ;>)). 
 



A história se situa depois da Guerra Mundial Terminus, que ninguém mais lembrava quem venceu ou quem perdeu. A Terra ficou coberta por uma poeira tóxica, fazendo com que aos poucos os animais começassem a morrer até se tornarem praticamente extintos. Marte é colonizado e a alta casta da sociedade é incentivada a migrar para colônias interplanetárias, recebendo um androide orgânico (como os modelos T-800 de O Exterminador do Futuro) como forma de incentivo e para lhes auxiliar no que for necessário. Lá, quem faz o trabalho pesado são os imigrantes ilegais, digo, os androides construídos para este fim.




Os androides não são permitidos na Terra, relegados a realizar os trabalhos a que forem designados nas colônias. Com a chegada ao mercado de um novo modelo batizado de Nexus 6, muito mais avançados tecnologicamente, a tarefa de distinguir entre humanos e robôs fica muito mais complicada, por conta de sua impressionante semelhança física com os humanos. Quando começam a tomar consciência de suas reais capacidades e a perceber e entender a realidade em que vivem, alguns fogem para a Terra a fim de viver como humanos, se beneficiando dessas características físicas. Após a fuga de alguns desses andróides, Deckard é designado para caçá-los, e é quando a história de desenrola.




Durante todo o desenrolar da narrativa, o que pulsa em nossas cabeças são questionamentos do tipo: O que diabos, exatamente, é a humanidade? Ela pode ser emulada? ser humano é nascer humano? Gostos, vontades, desejos, sonhos, ambições... Se somos a soma das coisas que vivemos e experimentamos, no que nos transformaríamos se memórias artificiais fossem implantadas em nossas mentes? Não teríamos como saber que não são lembranças verdadeiras! Você saberia afirmar com certeza absoluta que você é um ser humano, e não um androide com memórias implantadas para pensar que é um humano??? Você saberia distinguir o que é real? ou melhor, saberia definir O QUE é realidade? Esses são os questionamentos que costumam permear as histórias de Philip K. Dick e isso é justamente o que torna suas histórias tão fascinantes (e indigestas!).
 


Seria Deckard um androide tentando ser cada vez mais humano? Seria ele um humano que não tem mais certezas de sua própria humanidade? A pergunta do título, que no primeiro momento soa um pouco estranha e sem sentido, faz com que durante a leitura, criem-se mais questionamentos que respostas. Não se pode afirmar categoricamente que Deckard é um androide, nem que ele é humano. O próprio personagem não tem essa convicção. Seria a consequência de novas memórias implantadas? Seriam por conta de uma nova programação? Ou será que ele estava simplesmente esgotado demais, física e mentalmente, para não conseguir distinguir entre o que é real e o imaginário? Estaria ele, como androide, emulando o comportamento humano? Pode-se dizer que sim. Estaria ele, como humano, se aproximando mais do comportamento de um androide? Também pode-se dizer que sim! Independentemente da resposta, o que vemos é um ser com suas convicções abaladas. Seja ele humano ou androide. 
 



Para aqueles que buscam uma história cheia de tiros, explosões, com muita ação e correrias vertiginosas pelo futuro, tendo um protagonista sendo a síntese do conceito de super-herói, esse não é o livro para você. Ou melhor: talvez esse não seja o autor para você. As ações e correrias vertiginosas acontecem dentro da psique dos personagens. Philip K. Dick nos tira da nossa zona de conforto, nos entregando uma história sensacional de um homem em seu labirinto psicológico e sua fuga constante para evitar conseguir descobrir quem é (ou o que é).




Este é o tipo de livro que cresce a cada leitura. Cada vez você volta àquele cenário, pode perceber mais sutilezas e nuances do texto, te fazendo imergir cada vez mais naquele ambiente e, consequentemente, na mente do autor. Questões filosóficas, ideologias religiosas, desejo por uma ascensão social, inconformismo com situação degradante que lhe é imposta, a busca por uma nova vida em um outro lugar são algumas das questões fazem pano de fundo para a história. Talvez a única coisa que possa ser considerada essencialmente errada na obra (não por culpa de PKD), é que Deckard identifica quem é e quem não é humano através da capacidade de mostrar empatia. Hoje está cada vez mais claro que conseguimos identificar o humano através do ódio. Afinal, o ser humano é o único animal capaz de odiar. O ódio que segrega e agride covardemente é o mesmo que une alguns grupos, como vimos em Charlottesville ou na reação a qualquer postagem no Facebook relacionada a questões de direitos humanos, por exemplo. Mas isso não é discussão para o momento.



Para comemorar os 50 anos do lançamento de uma das obras mais icônicas de Philip K Dick, a Editora Aleph resolveu dar um tratamento caprichado nesta nova edição. Com acabamento em capa dura, com uma bela sobrecapa envernizada e recheado de extras e ilustrações de diversos artistas (como Dave Mckean, Elena Gumeniuk, Bianca Pinheiro, Danilo Beyruth e Gustavo Duarte, por exemplo), além de um texto analisando os vários cenários pós-apocalípticos criados por PKD. Certamente vai fazer a alegria dos admiradores do autor e vai servir como um ótimo cartão de visita para os que ainda não o conhecem. 
 



Neste ano se comemoram também os 35 anos do lançamento da adaptação cinematográfica e por conta disso, foi lançada a continuação da história do filme de 1982. Confesso que encarei com muito ceticismo essa ideia. Mas felizmente acabou se mostrando um ponto fora da curva, revelando uma obra como se vê pouco hoje em dia. Além de possuir uma fotografia de encher os olhos, o filme é cheio de sutilezas e chega a tocar temas delicados, como escravidão e trabalho infantil. O que se pode dizer é que o filme é no mínimo corajoso, por escapar da armadilha de tornar a continuação uma franquia seguindo uma fórmula de fácil assimilação pelo grande público. Assim como o filme anterior, Blade Runner 2049 não foi bem nas bilheterias. O que não é nenhum demérito, pois o melhor filme de 2015, Mad Max: Estrada da Fúria, também foi um fiasco nas bilheterias, principalmente se compararmos com o seu custo. Mas como diria Marty McFly: “Acho que vocês ainda não estão preparados para isso, mas seus filhos vão adorar!






Agora corra para contemplar os Rios-C cintilando na escuridão junto ao Portal de Tannhauser, antes que tudo se perca no tempo, como lágrimas na chuva. 


 



2 comentários:

  1. Agora estou confiante para assistir o filme e já estou seguindo a página dele!

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  2. Muito boa história! Eu também amo o filme Blade Runner, e também gostei da sequela. Você já viu? Eu fiquei muito animada quando eu vi o trailer do segundo filme no ano passado. A verdade sempre acompanhei a saga, e quando vi o Blade Runner dublado amei. Mais que filme de ficção, é um filme de suspense, todo o tempo tem a sua atenção e você fica preso no sofá. Esse é um filme que se converteu em um dos meus preferidos. É algo muito diferente ao que estávamos acostumados a ver. Recomendo!

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