Por RICARDO CAVALCANTI
Quando
se fala em ficção científica, logo nos vêm à mente nomes como
Isaac Asimov, Philip K. Dick, Arthur C. Clarke, etc. Esses autores
fizeram suas histórias, criando seus universos e desenvolvendo uma
identidade própria de linguagem que os distingue imediatamente.
Possuem obras de qualidade incontestáveis e, por isso mesmo, merecem
ser sempre lembrados, lidos e relidos. Mas eles não são os únicos.
Ler os autores clássicos é sempre muito bom, mas a ficção
científica continua em produção e apresentando novos autores,
novas histórias sobre outros pontos de vista. Esse é o caso de
Cixin Liu; esse escritor chinês que já ganhou vários prêmios por
suas obras no seu país, começa a ganhar o mundo, sendo considerado
por muitos, o novo Arthur C. Clarke. Confesso que ao ouvir alguém ser
rotulado como um “novo-alguma-coisa”, me gera mais distanciamento
que empatia. Para mim, soa mais como se esse “novo-alguma-coisa”
não seja nada além de “um-velho-alguma-coisa-requentada”. Isso,
com certeza, não é o caso de Cixin Liu.
Engenheiro de formação, teve seu primeiro romance lançado em
2002 (The Devil's Brics). Antes disso, escreveu vários contos que
fizeram parte de coletâneas de ficção científica em seu país.
Seu quarto livro, O Problema dos Três Corpos, lançado na China em
2007, foi o primeiro a ser traduzido (em 2014) para o inglês e
acabou se tornando o grande vencedor do Hugo Awards de 2015 na
categoria Melhor Romance. Dessa forma, o autor chacoalha o mundo da ficção científica ocidental, chutando portas e mostrando a que veio. Pela primeira vez,
nos 62 anos da premiação, o vencedor da principal categoria não
teve sua obra escrita originalmente em língua inglesa.
O Prêmio Hugo é um dos mais importantes do gênero ficção
científica e fantasia, tendo na sua lista de ganhadores, nomes como
(além dos mencionados acima) Willian Gibson, Úrsula K. Le Guin,
Neil Gaiman, além do indicado por quatro vezes, George R. R. Martin
(o “Senhor Game of Thrones”). Caso queira ficar por dentro das
obras indicadas (além de poder votar e sugerir algumas), você pode
se tornar membro e ter acesso a todo material que concorre aos
prêmios em todas as categorias. Para isso, precisa gastar seu inglês
nórdico e 50 dólares por ano.
Ostentação |
No
ano em que Cixin Liu venceu a premiação, o Hugo Awards estava
envolvido em uma grande polêmica. Um grupo de escritores
ultraconservadores, os auto-proclamados “Sad Rabbid Puppies” (sério, o
nome é esse), estavam se sentindo incomodados com a ascensão de
autores fora do padrão “homem caucasiano heterossexual” (Cixin
Liu, por ser Chinês, já estaria entre os excluídos). Para esses
autores, qualquer um que não se enquadrasse nesse perfil, não
deveria fazer parte da premiação. Ou seja: seus membros acreditam
que restringir o acesso, seria uma forma de preservar esse tipo de
literatura e que a premiação deveria privilegiar somente os que
sempre foram privilegiados (!?). Mulheres, negros, latinos, asiáticos,
etc, estariam acabando com a literatura de ficção científica. Vox
Day (Theodore Beale), um dos lideres do Sad Rabbid Puppies, já fez textos
dizendo que mulheres não deveriam ter o direito ao voto e que negros
são selvagens. É
um pensamento tão absurdamente sem sentido, que nem parece ter
saído de um grupo de escritores desse gênero literário (e eu achando que a ascensão do pensamento retrógrado só estava acontecendo no Brasil).
Mas
vamos botar de lado os entretanto e partir logo para os finalmente,
como dizia Odorico Paraguaçu.
"O
Problema dos Três Corpos", lançado esse ano pela editora Suma de
Letras, é o primeiro de uma trilogia de grande sucesso na China, que
vem ganhando o mundo e atraindo o foco para esse autor, que está
conseguindo o respeito e a admiração do resto do planeta. Os outros dois exemplares da
trilogia, The Dark Forest e Death’s End, ainda não possuem data de
lançamento no Brasil.
Já está em andamento a produção cinematográfica da adaptação do livro, programada para estrear em 2017.
Filmagens da adaptação do livro |
A
trama se inicia no ano de 1967, durante a Revolução Cultural
comandada por Mao Tsé Tung na China. Uma criança (Ye Wenjie) que
assiste a morte de seu pai imposta pelos membros da revolução,
acaba se tornando uma astrofísica de grande respeito, fazendo com
que, no futuro, o regime necessitasse de alguém com o talento dela.
Para isso, fazem uma oferta que ela não tem como recusar, no melhor
estilo Don Corleone.
Mais
de quarenta anos depois, um projeto militar ultrassecreto acaba
enviando sinais para o espaço, a fim de conseguir contato com alguma
civilização inteligente no universo (o método que eles desenvolvem para
potencializar a capacidade de transmissão do sinal é sensacional!).
Após alguns anos, chega uma resposta na forma de
uma mensagem de alerta, que não era para ser respondida e que eles estariam à caminho da Terra. Mas o
que esperar desse contato? Será que deveríamos nos preocupar? Com a
descoberta de vida inteligente em outro planeta, alguns grupos consideram que essa
poderia ser a salvação para a nossa civilização, enquanto outros
acreditam que esse seria o nosso fim. Interesses escondidos em meio a
discursos defendendo um lado ou outro, deixam os personagens sem
saber exatamente em quem acreditar.
Arte conceitual do filme |
O
contato é recebido por um planeta Trissolaris, localizado em Alfa Centauro, há cerca de quatro anos luz da Terra. Uma
civilização com sua existência ameaçada, vê na Terra a
possibilidade de sua sobrevivência. Por um breve momento, podemos
ver, inclusive, que o planeta possui problemas muito parecidos com
os nossos, que influenciam diretamente na atitude alguns de seus
habitantes. Mas será que esses trissolarianos viriam para viver
conosco em harmonia, ou para nos dominar?
Enquanto
isso, um especialista em nanomateriais (Wang Miao) conhece o jogo
chamado O Problema dos Três Corpos, em que o jogador (trajando um Traje V que te dá pleno acesso) tem o objetivo
de avançar pelas eras da nossa civilização, podendo esbarrar com
reis de antigas dinastias na China, passando por Copérnico, até
chegar a nomes como Albert Einstein, por exemplo. Todos sempre com um
grande problema a resolver: precisam enfrentar situações em que o
sol pode acabar com a vida no planeta em fração de segundos. Após
ter contato com o jogo, Wang Miao começa a ver, em todos os lugares,
uma inexplicável e misteriosa contagem regressiva.
Neste
ano, foi descoberta a existência de um planeta rochoso com
características semelhantes a da Terra na constelação de Alfa Centauro (a mesma constelação do Trissolaris). Caso queira saber um pouco
mais sobre a constelação que é tratada no livro e ter uma experiência mais imersiva, deem uma olhada
nessas matérias, pois dão uma boa noção do planeta em que a história é ambientada. Sem contar que a trama ganha muito mais consistência, ao
perceber que o autor não escolheu uma constelação aleatória sem
propósito.
http://epoca.globo.com/vida/noticia/2016/08/descobriam-um-planeta-parecido-com-terra-ao-redor-da-estrela-mais-proxima-do-sol.html
O
livro possui descrições detalhadas de alguns conceitos que
poderiam, facilmente, tornar a leitura chata e cansativa.
Definitivamente, esse não é o caso de O Problema dos Três Corpos. O
que acontece é exatamente o contrário. O autor consegue transmitir
uma fluência na leitura, te instigando a querer descobrir mais sobre
todo o universo desenvolvido. Enquanto você lê, a riqueza de
detalhes te deixa ainda mais inserido na história, compreendendo de forma mais ampla, não
só a trama, mas as motivações e atitudes de cada personagem.
Não existe na obra, nenhum tipo de discurso ou crítica a modelos políticos e sociais. O autor não levanta bandeiras, nem faz denúncias ou alertas sobre a nossa realidade. Todos os elementos políticos servem apenas como pano de fundo para uma ficção científica pura e direta (e de excelente qualidade, diga-se de passagem).
Agora suba até a torre de transmissão, vista seu Traje V, acesse o www.3corpos.net e tente sobreviver aos desafios apresentados pelo jogo (Não, você não
vai entrar. Você não tem o Traje V).
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