quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

SUPERDEUS, de Warren Ellis e Garrie Gastonny, ou "O MEU Deus desce a porrada no seu Deus!!!"







Por EDUARDO CRUZ

E finalmente chegamos a Superdeus, fechando a trilogia de mini séries (as outras duas partes são Verão Negro e Herói Nenhum, sem ligação entre si, unidas apenas pelo tema em comum: Superhumanidade, política e religião) de desconstrução do arquétipo do super herói de Warren Ellis, a terceira de três mini séries publicadas pela editora americana Avatar Press entre 2007 a 2009. Como se as mini séries anteriores não fossem bombásticas o suficiente, com a violência em profusão, presidentes mortos e muitos comentários ácidos sobre política internacional, em Superdeus, Ellis sente que pode ir além e ofender ainda mais gente elevando o super herói a um nível divino. Literalmente. Nas palavras do próprio Ellis:


"Verão Negro era sobre super humanos que eram humanos demais. Herói Nenhum era sobre super humanos que eram inumanos. Superdeus é sobre super humanos que não são mais humanos em nenhum aspecto, mas algo mais. O apêndice de uma trilogia temática, se vocês preferirem." 

Warren Ellis

Em Superdeus, percorremos um século XX que aconteceu de forma um pouco diferente do nosso em um detalhe: a corrida armamentista se deu não com o desenvolvimento e produção de armamento termonuclear, e sim com a criação de seres superpoderosos, divindades tecnológicas de imenso poder, no clima paranóico que pontuou os anos da Guerra Fria

Narrada do ponto de vista de Simon Reddin, um cientista britânico sentado em meio às ruínas de uma devastada Londres pós apocalíptica, Reddin faz um relato oral a Tommy, um cientista Americano abrigado em um bunker do outro lado do oceano. Reddin conta a Tommy que tudo começou em 1955, quando o governo britânico enviou 3 astronautas ao espaço em uma nave experimental com o intuito de estudar os efeitos da radiação espacial no corpo humano. Quando o foguete retorna à Terra, os cientistas descobrem que os três astronautas foram fundidos em um único organismo, graças aos esporos de um fungo alienígena. A entidade é batizada de Morrigan Lugus,  em homenagem a duas divindades celtas (mas peraí, uma divindade tríplice? o cristianismo também tem uma dessas!). 


O nada sutil Morrigan Lugus
A posse de Lugus pelo governo Britânico faz com que outras nações corram atrás do prejuízo para desenvolverem seus próprios programas de super humanos. Tem início aí a corrida armamentista: Os EUA criam Jerry Craven, um ciborgue projetado a partir dos restos do corpo de um piloto da força aérea (numa referência maneiríssima ao seriado O Homem de 6 milhões de dólares), enquanto a Rússia cria Novaya Goraj, com mais ou menos a mesma matéria prima: um cosmonauta morto. Nações como Irã, China e até mesmo Venezuela também criam seus próprios "Superdeuses". E sim, alguns vão acabar em rota de colisão...


Mesma guerra fria, armamentos diferentes

O estopim do conflito se dá no século XXI com a ativação de Krishna, um superser indiano. Krishna é construído com tecnologia de ponta, possui controle absoluto sobre matéria e energia, e é governado por um programa simples de inteligência artificial cuja diretriz principal é "salvar a Índia". Levando a diretriz a uma lógica extrema, Krishna resolve os problemas de poluição e superpopulação da Índia dizimando a população e destruindo o país. O caos na Índia leva seu vizinho Paquistão a lançar seu arsenal nuclear inteiro contra Krishna, mas Krishna simplesmente devolve o ataque, obliterando o Paquistão. A partir daí, outras nações ativam seus "protetores" e as consequências são devastadoras.


Krishna, um Doutor Manhattan de calças!

Em Superdeus, Ellis aborda um tema que poucas histórias de Super-Heróis chegam a tocar: a ligação entre entidades superpoderosas dos quadrinhos com a parte da natureza humana que impele a adoração a divindades. Na HQ, o Dr. Reddin divaga a respeito da compulsão psicológica que o ser humano possui, de criar e venerar deuses para protegê-lo, um hábito que vem sendo repetido ao longo de toda a história humana. 



Dajjal, tão poderoso que consegue enxergar através da quarta parede!

Matreya, da China, pode manipular carne humana para criar formas complexas e aterradoras!

A maneira como Ellis opta por contar a história aqui lembra bastante outro trabalho seu, Ministério do Espaço, que nos mostra uma história alternativa a respeito de como se deu a corrida espacial. Na realidade alternativa de Ministério do Espaço, a primeira nação a ter um programa espacial plenamente desenvolvido é a Inglaterra, e não os pólos Rússia - EUA, e temos uma história contada a partir da perspectiva dos britânicos. Mais uma ótima história do Ellis para você formar seu próprio top 10 de histórias dele. Como eu cansei de dizer, difícil mesmo é elencar só 10 HQs do Ellis para fazer uma lista... 


Ministério do espaço

Desconstrução do mito do super herói também não é nenhuma novidade no currículo de Ellis. Os mais velhacos vão lembrar da mini série Ruínas, que ele escreveu para a Marvel, onde ele reavalia vários heróis da editora a partir de uma ótica muito mais cruel e cínica. Ruínas está disponível para baixar nesse link.

Abordando temas como religião, a natureza destrutiva do ser humano, humanismo e transhumanismo, Superdeus é um pouco diferente na levada narrativa em relação a Verão Negro e Herói Nenhum, que têm uma ritmo mais análogo a um blockbuster, frenético e violento. Mas essa impressão, em minha opinião, se deve bastante à arte de Garrie Gastonny, que não é um artista ruim, mas em Superdeus está bastante inferior a Juan Jose Ryp, artista das mini séries anteriores. Gastonny está apenas razoável, mas tudo bem. Poderiam ter entregue isso nas mãos de algum outro artista bem ruim, como (insira desenhista ruim aqui) ou (insira desenhista REALMENTE ruim de doer aqui!), por exemplo. Teria sido ótimo se Ryp também fosse responsável pela arte de Superdeus. Ficaria uniforme, mas possivelmente ele não pôde assumir por causa do maior arquivilão de um artista de HQs: os prazos. De qualquer maneira, pra quem é acostumado com o padrão "Vertigueiro" de histórias em quadrinhos, vai ser fácil abstrair isso e mergulhar na excelente história. 

Warren Ellis fez seu próprio Watchmen. Ele achou necessário, após a virada do século, desconstruir o conceito de super herói, adequando-o ao o zeitgeist atual - onde a razão vem sendo cada vez mais ferozmente rejeitada em favor do misticismo, fundamentalismo e fanatismo - e se deu três mini séries conectadas conceitualmente para realizar a tarefa. Foi muito bem sucedido na empreitada. Nos mostrou que a pretensão do ser humano - extremamente imperfeito por natureza - em criar Deuses para salvá-lo de si mesmo utilizando a ciência se mostrou um equívoco fatal, e essa contradição foi a semente de sua própria ruína. 

Não aprendemos nada lendo Frankenstein.  

Agora, me dê a mão e vamos juntos à extinção.  


Toma uma referência bíblica aí, fera!

2 comentários:

  1. Bom comentário. Despertou minha vontade de ler. Só não concordo com a crítica negativa a arte. Vou até comparar com as anteriores que tambem6na li.

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  2. Pois é, questão de gosto mesmo. Mas eu gosto do Gastony, só não achei ele muito inspirado em Superdeus. Mas em geral ele é bem competente.

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